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O documento de identificação caducara. Teria que o renovar. Agora não lhe apetecia muito, talvez mais tarde. Foi comprar o jornal e pagou com os óculos. Disseram-lhe que assim não podia ser. Nem sequer pediu desculpa, pois os óculos eram bons. Mesmo assim, insistiam com ele. Lá se convenceu e pagou com as chaves. Mas exigiu troco e factura, que consigo não brincavam. Mais a mais, era cumpridor em matéria de impostos. Se todos o fizessem, o país ganhava. E as fábricas de óculos também, bem como as de chaves. Parece que o presunto era bom e tinha fama, o de Chaves. Mas também os havia noutras terras. Igualmente bons, tais como o de Chaves. Agora já tinha que ter cuidado. Não só com o presunto, mas também com outras coisas. Ainda não lhe tinham dado a factura e continuava à espera. Recusavam-se, não sabia porquê. Disse que continuava à espera. Pediram-lhe para aguardar só mais um pouco. Fizeram-no de forma polida, reconhecia. Ia passar a comprar ali o jornal. Talvez uma raspadinha, de quando em quando. Totobola é que parece que já não. Um dia saíra-lhe um prémio. Foi no tempo dos escudos. Fez uma festa. Mas disseram-lhe que era engano. Desconfiou, mas resignou-se. Que mais podia fazer? Devia ter reclamado, disseram-lhe. Se fosse agora, era limpinho. E como é que o faria, não lhe explicavam? Fácil, como tudo na vida. Mas não lhe disseram como. Voltou a resignar-se. Entregaram-lhe a factura e pediram desculpa, mas que compreendesse, pois tinham que se assegurar que as chaves eram autênticas e já tinham tido muitos problemas com os pagamentos em óculos. Compreendia, é claro. Ele próprio já se tinha deparado com o mesmo problema. Mas aí reclamou. E deram-lhe razão. Devia tê-lo feito era com o totobola… E a coisa nem era difícil – era só culpar o árbitro. Ainda tinha tempo para renovar a identificação. Pediu uma raspadinha. Quis pagar mas não aceitaram. Era oferta da casa. Agradeceu e raspou com uma das chaves, que lhes pediu emprestadas, pois já não eram dele, que as tinha dado em pagamento, há minutos. Usou a do correio, que sempre fora a da sorte. Não que alguma vez a tivesse tido muito, mas enfim… Mas teve-a algumas vezes, embora já não se lembrasse bem quando e onde. Na cena do totobola não fora, pois verificou-se que era engano, embora culpa do árbitro. Teria sido quando?... E onde?... Acabou de raspar e tinha feito uma fissura no balcão, tal a força. Não havia problema, garantiram-lhe, pois o balcão era para isso mesmo: para as fissuras. Saíra-lhe um prémio! Ficou contente e viu que tinha ganho anos de vida, dez, mais precisamente. Mesmo assim, tinha tido azar. Podia ter ganho doze, que era o prémio maior. Resignou-se, mais uma vez. Olhou para o relógio e resolveu ir renovar a identificação. Não se podia esquecer da raspadinha que lhe tinha dado anos de vida, dez, mais propriamente. Queria agora ver como é que os burocratas iriam lidar com o seu caso… Ficara mesmo agradado com este quiosque. Amanhã ia voltar. Desejaram-lhe bom-dia e avisaram-no que amanhã iam fazer uma promoção de obras escolhidas de autores vários e diversificados. Podia pagar com lenços.
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