31 janeiro 2015

Mais novo


O documento de identificação caducara. Teria que o renovar. Agora não lhe apetecia muito, talvez mais tarde. Foi comprar o jornal e pagou com os óculos. Disseram-lhe que assim não podia ser. Nem sequer pediu desculpa, pois os óculos eram bons. Mesmo assim, insistiam com ele. Lá se convenceu e pagou com as chaves. Mas exigiu troco e factura, que consigo não brincavam. Mais a mais, era cumpridor em matéria de impostos. Se todos o fizessem, o país ganhava. E as fábricas de óculos também, bem como as de chaves. Parece que o presunto era bom e tinha fama, o de Chaves. Mas também os havia noutras terras. Igualmente bons, tais como o de Chaves. Agora já tinha que ter cuidado. Não só com o presunto, mas também com outras coisas. Ainda não lhe tinham dado a factura e continuava à espera. Recusavam-se, não sabia porquê. Disse que continuava à espera. Pediram-lhe para aguardar só mais um pouco. Fizeram-no de forma polida, reconhecia. Ia passar a comprar ali o jornal. Talvez uma raspadinha, de quando em quando. Totobola é que parece que já não. Um dia saíra-lhe um prémio. Foi no tempo dos escudos. Fez uma festa. Mas disseram-lhe que era engano. Desconfiou, mas resignou-se. Que mais podia fazer? Devia ter reclamado, disseram-lhe. Se fosse agora, era limpinho. E como é que o faria, não lhe explicavam? Fácil, como tudo na vida. Mas não lhe disseram como. Voltou a resignar-se. Entregaram-lhe a factura e pediram desculpa, mas que compreendesse, pois tinham que se assegurar que as chaves eram autênticas e já tinham tido muitos problemas com os pagamentos em óculos. Compreendia, é claro. Ele próprio já se tinha deparado com o mesmo problema. Mas aí reclamou. E deram-lhe razão. Devia tê-lo feito era com o totobola… E a coisa nem era difícil – era só culpar o árbitro. Ainda tinha tempo para renovar a identificação. Pediu uma raspadinha. Quis pagar mas não aceitaram. Era oferta da casa. Agradeceu e raspou com uma das chaves, que lhes pediu emprestadas, pois já não eram dele, que as tinha dado em pagamento, há minutos. Usou a do correio, que sempre fora a da sorte. Não que alguma vez a tivesse tido muito, mas enfim… Mas teve-a algumas vezes, embora já não se lembrasse bem quando e onde. Na cena do totobola não fora, pois verificou-se que era engano, embora culpa do árbitro. Teria sido quando?... E onde?... Acabou de raspar e tinha feito uma fissura no balcão, tal a força. Não havia problema, garantiram-lhe, pois o balcão era para isso mesmo: para as fissuras. Saíra-lhe um prémio! Ficou contente e viu que tinha ganho anos de vida, dez, mais precisamente. Mesmo assim, tinha tido azar. Podia ter ganho doze, que era o prémio maior. Resignou-se, mais uma vez. Olhou para o relógio e resolveu ir renovar a identificação. Não se podia esquecer da raspadinha que lhe tinha dado anos de vida, dez, mais propriamente. Queria agora ver como é que os burocratas iriam lidar com o seu caso… Ficara mesmo agradado com este quiosque. Amanhã ia voltar. Desejaram-lhe bom-dia e avisaram-no que amanhã iam fazer uma promoção de obras escolhidas de autores vários e diversificados. Podia pagar com lenços.

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Corte

_ Aceita?
_ Sim.
_ Metade pr'a mim e metade pr'a si?
_ Não. Metade para mim e metade para si.
_ Não é a mesma coisa?...
_ Não, pois depende de quem tem a faca.
_ Gosta de ditados, não gosta?
_ Sim.
_ Logo vi...

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Inspiração


Tinha falta de inspiração. Nunca se preocupara antes, mas agora as coisas estavam cada vez mais difíceis. Desconhecia se era um problema comum ou coisa da idade, mas alguma coisa seria. Por via das dúvidas, coisa de que padecia muito, decidiu ir ao médico. Mas isto provocava-lhe outro problema: nunca fora ao médico! Agora tinha duas preocupações: falta de inspiração e nunca ter ido ao médico. Corria o risco de ficar num impasse. A acontecer, seria uma terceira preocupação. Pediu ajuda a quem passava na rua. Àquela hora, havia muita gente. Receou que nem todos fossem de confiança para se lhes confidenciar a falta de inspiração, mas talvez servissem para indicar um médico. Sobre o impasse teria mais cuidado, mas julgava que o problema, por agora, estava ultrapassado. Pediu, pois, que lhe indicassem um médico. Pediu por favor, não esquecendo as normas da urbanidade, e ficou a aguardar que lhe respondessem, se possível indicando a rua, o número da porta e o andar, pormenor necessário atendendo à rua onde se estava, cheia de prédios altos, dejectos de cão e farmácias. Se fosse na rua a seguir, que não conhecia mas de que tinha ouvido falar, o cenário já seria diferente, pois era constituído por paisagens bucólicas, casas de piso térreo e espaços a perder de vista. Estando numa rua de farmácias, a perspectiva de que lhe indicassem um médico aumentava. Os dejectos de cão poderiam ser um entrave, mas tinha confiança nos seus olhos e no cuidado que punha ao andar. É certo que a desconformidade em relação à posição erecta tinha-lhe alterado, ligeiramente, a orientação da coluna, que começava a apontar (agora, perigosamente!) para o chão, correndo o risco de poder vir a tombar, situação que julgava não vir a acontecer tão cedo, talvez mais para a tardinha… À pergunta que fizera «Que, por favor, lhe indicassem um médico», contudo, poucos ou nenhuns lhe davam resposta. Não levava a mal, pois tinha uma costela filosófica que ajudava a que isto fosse encarado como normal, mesmo correndo o risco de ir contra as normas da urbanidade, coisa que poderia ser considerada de somenos, mas que lhe dizia muito, sobretudo nos tempos de crise, como pareciam ser aqueles que agora se viviam… Alguém se apiedou de si e respondeu-lhe para ir trabalhar, conselho que agradeceu, mas que não respondia ao que pretendia, que era um médico, pois tinha falta de inspiração.

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25 janeiro 2015

Vender a alma

_ Está a ver aquela alma ali?
_ Qual?... Aquela maltrapilha, suja e esfarrapada?...
_ Essa mesmo. Está a ver, como as coisas são?...
_ Para falar verdade..., não. Aconteceu alguma coisa?
_ Então, não sabe?!... Aquela alma vendeu-se ao diabo!...
_ E então?!... Há muita gente que o faz, não?
_ É verdade. Mas aquela alma teve azar... o diabo era um aldrabão... Dos piores!
_ Mas isso, não é da natureza do ser diabo?...
_ É, sem dúvida. Mas há-os sérios, coisa que não se pode dizer deste... Segundo ouvi dizer, nem alvará tinha!...
_ Pois..., isso é grave. Não ter alvará e estar inscrito na Ordem dos Diabos... Nem sei que lhe diga... Mas, estou intrigado: a venda da alma ao diabo não costuma ser bem recompensada? Não traz benesses, daquelas que a gente vê nos filmes: mulheres bonitas?... carros potentes? ... uma vida de luxo?...
_ Traz, se o diabo for sério! Agora..., se ele é aldrabão...
_ Tem razão. Mas sabe como é que o negócio foi feito?
_ Saber, não sei. Mas calculo que tivesse sido como uma vez um, que me apareceu lá em casa, que me queria comprar a alma, mas a troco de uma proposta de rendimento que não era séria, pois excluía as mordomias a que se tem direito quando se vende a alma, veja bem!... É claro que o pus fora de casa e mandei-o ir enganar outra alma, que eu nem o queria voltar a ver à minha frente! Até hoje.
_ E esse, tinha alvará?
_ Olhe: se quer que lhe diga, nem reparei!... Se calhar, não tinha... A ver pela proposta que me fez, não devia ter... Outro aldrabão, está visto!... Como é que um país pode ir pr'á frente, diga-me lá?... Quando não podemos confiar no diabo, onde é que isto vai parar?...

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A princesa e o sapo

Uma história deve ser credível. Mesmo que seja para crianças. Se não for credível, não é real. Nem as crianças acreditam nela. Esta não é uma história dessas, das não credíveis. É uma das histórias das outras, das reais. Os personagens da história são uma princesa e um sapo. A princesa é feia e o sapo também. A princesa não tem desculpa, pois é princesa, mas o sapo tem, pois é um sapo. A princesa passeia pelos campos. O sapo folga nos pântanos. Nunca se viram ao vivo, a não ser ao longe. No seu passeio, a princesa costuma acenar ao sapo. O sapo, que não tem mãos, não pode. Em vez disso, coaxa, que é a voz que os sapos usam quando querem falar com os humanos, ainda que sejam princesas. Mas a princesa não sabe o que diz o sapo, pois não trouxe o tradutor para o coaxar, que é caro e nem se sabe se existe. Mas as coisas podem mudar. Mesmo sem o tradutor, o sapo lá se fez entender, o que custou, mas lá conseguiu. Disse à princesa que lhe desse um beijo, se queria ficar bonita. A princesa pensou muito, muito, muito. Acabou por aceitar, mas fez o sapo jurar que casava com ela, se a enganasse. Depois, deu-lhe um beijo. Transformou-se em sapa. Bonita, por sinal.
Uma história deve ser credível. Mesmo que seja para crianças. Se não for credível, não é real. Nem as crianças acreditam nela. Mas esta história não é para crianças.

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24 janeiro 2015

Perdido e achado

_ Perdi a face.
_ Já tentou os «Perdidos e Achados»?
_ Já, mas não estava lá. Era uma face especial, lustrosa e cuidada. Não arranjo outra, está visto.
_ E nas lojas de conveniência, já experimentou?
_ Há alguma perto?
_ Há, sim. Está a ver o anúncio às pizzas, ali ao fundo?
_ Aquele, ao pé do das bifanas?
_  Não estou a ver... desde que mudei para as lentes de contacto... Talvez seja melhor perguntar lá para baixo, não acha?
_ Vou tentar, mas deve ser difícil... como calcula, perder a face não é fácil... Marca-nos muito.
_ Pois, compreendo... Uma vez, também perdi o tino... Compreendo-o bem...
_ Conseguiu recuperar?
_ Foi difícil... sempre que me lembro...
_ E como é que fez... para recuperar o tino?
_ Pus um anúncio. Daqueles de página inteira - está a ver? - , com tino e sem tino. Estava bonito, só lhe digo!
_ Será que também resulta com a minha face?
_ Não custa tentar. Quer que o ajude?
_ Se não se importar...
_ Não importo, coisa nenhuma! Diga lá, de que é que precisa?
_ Da sua face.

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O método

O método de criação devia ser o mais puro possível, sem intermediários. Procurava ser coerente, pois isto de ser criador a isso obrigava. O método nem era muito elaborado, mas parecia-lhe que sim, que o era. Até determinada fase da vida acreditou nele, depois deixou de o fazer, embora não tivesse perdido a fé. Era muito simples, no entanto, embora se pudessem descortinar algumas influências de um misticismo difuso, o que poderia dar a ilusão de alguma complexidade, ligeiramente a roçar o esoterismo, mas só mesmo a roçar e de longe, à laia de platonismo...
Mas em que consistia o método, afinal de contas? Como se disse, era simples: consistia em deitar-se numa cama (ou numa enxerga, se quisermos e para reforçar a componente mística), dormir, não saber se se sonhou ou não, acordar e esperar o momento, mais ou menos 2 minutos e trinta e sete segundos após o acordar, o chamado «momento criador», aquele momento mágico prévio à micção matinal, carregado de um simbolismo nem sempre entendido, nem por estudiosos, pela  plenitude das suas manifestações, às vezes aparecendo sobre a forma de uma palavra, uma frase, talvez duas ou três, uma imagem, uma anedota ou a cair para lá, uma música , uma cara conhecida ou a de quem tínhamos perdido o telemóvel ou o afecto, um filme, um livro, ou a qualquer outra coisa que nos impelisse para o gravar na pedra ou no suporte, qualquer que ele fosse, sob risco de perda para sempre ou apenas nesse dia... E dar à perna, o mais rápido que fosse possível e sem infringir as regras do código da estrada ou das pistas de tartã, evitando (sempre!, sempre!, sempre!) os intermediários, em papel ou noutra forma qualquer, que conspurcassem a transmissão pura de matéria-prima «criacionae» para o mundo dos que seriam seus leitores, entusiastas, furiosos, apaniguados ou tão chochos quanto ele, que os havia e num número insuspeito, vá-se lá a saber porquê... E a corrida lá se fazia, umas vezes assim-assim, outras nem por isso. E o resultado da corrida, como é fácil de prever, não podia ser outro, se não este: uma grande, enorme, maciça perda da matéria-prima «criacionae», a seiva que iria vivificar e rejuvenescer uma vida ou mais, uma arte, um estilo, um país ou um status quo dado à mandriice e já sem fôlego... apesar de nem tudo ser mau, como atestavam os sucessivos recordes que obtinha nas provas de velocidade...



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Aforismo

O guardanapo de papel não serve apenas para limpar a boca, absorver a nódoa ou limpar mucosidades. Muitos o usaram para criar um poema, uma obra de arte, um romantismo ou uma memória. Sempre que o usar, lembre-se disto.


(escrito num guardanapo de papel)

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Afinal...

A mãe tinha razão quando dizia que o coentro não era conhecido para aquelas bandas, pelo menos até há relativamente pouco tempo. Características climatéricas das zonas, feitios ou costumes das populações, desconhecimento da existência ou falta de interesse pelo mais ligeiramente longe, o que fosse, estudo recente provava que a mãe era capaz de ter razão... Às vezes, o engolir em seco do orgulho e da presunção tem este travo: ligeiramente amargo, mas picante.

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23 janeiro 2015

Três corações

O coração é o motor da vida. No amor também, ainda que sob a forma simbólica. O problema é quando o motor começa a falhar, física e/ou simbolicamente. E a história de Três Corações é mesmo essa, um filme sobre as voltas e reviravoltas do destino amoroso, envolvendo duas irmãs e um homem que conhecem e por quem se apaixonam, em circunstâncias e momentos diferentes, com desfechos também diferentes. Mas nem todos os corações aguentam. Literalmente.

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18 janeiro 2015

O ovo

Começou a cair chuva, compassada a granizo. Preparada para aguaceiro sem projécteis, rapidamente a fila para o autocarro se reorganizou por causa do granizar, acolhendo-se ao resguardo da paragem. Não sendo muitas as pessoas, havia alguma folga. Talvez por ela, não lhe passou despercebida uma daquelas singularidades que, em simultâneo, provocam a surpresa e o riso, ainda que discretos: uma bolinha de granizo acabada de depositar no cimo da cabeça de um aspirante a estrela de clube de futebol, quase de certeza, atendendo ao corte de cabelo, rapado dos lados e deixando crescer, no alto da cabeça, uma porção de cabelo em forma de alcatifa ou, se preferirem, com a aparência de um ninho. Para reforço da imagem e comprovando a sua pertinência,  poder-se-ia dizer que, pelo menos até que derretesse, aquele «ninho» continha um «ovo»...



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Hepta, hepta, hepta

A palavra certa era «heptágono». Não o sabendo, tornaram-se-lhe evidentes duas constatações (assim, de uma penada), uma mais surpreendente do que a outra: a má consolidação de uma cultura de humanidades, por via do «hepta», e de uma mais precária ainda, a sabedoria associada à matemática, pelo ângulo do «prisma». O resultado, mais do que a fúria, era o do desapontamento, se calhar mais incómodo. Enfim, para seguir caminho vai recorrer a uma mnemónica, com a preciosa ajuda de um instrumento infalível, a tabuada, e que é esta:
hepta x 1 = 7
hepta x 2 = 14
hepta x 3 = 21
...


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Fim-de-semana

Levantou-se e voltou a deitar-se.

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14 janeiro 2015

Graduação

Carregou nos copos e ficou mais desequilibrado. Na verdade, mais da perna esquerda do que da direita. Quis equilibrar-se, mas a cabeça pendeu para um dos lados, precisamente o da perna esquerda, e tombou.

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11 janeiro 2015

Uma certa forma de riso

Era uma casquinada. Soube-o quando o leu no dicionário. A razão não interessava, mas foi depois de se ouvir. Não havia nada a fazer: era uma casquinada.

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The Voice

Frank Sinatra.

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Parada 2

Encheu vinte flexões e perdeu o fôlego.

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Deixemo-nos de coisas?...

... E loisas, também.

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10 janeiro 2015

Aforismo

«A filosofia é desenxabida», dizem uns. «A filosofia é gostosa», retorquem outros. «O segredo está no tempero», cozinheiro anónimo, depois de provar.

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A(s) lenda(s) + uma hipótese + uma precisão

Como nascerão as lendas?... Por geração espontânea?... Talvez por parto assistido, com aplicação de epidural?... De alguma forma será, pois elas costumam andar por aí, novas ou velhas, rijas ou enrugadas, rurais ou urbanas, neste caso sob a forma de mitos, com o consequente arranjo no género, pois o 'a' final de urbana transforma-se em 'o' de urbano, e assim se constroem (com barro, ponto ou imaginação) as lendas... Levante a mão, quem não goste delas...
A lenda que eu vou criar «contou-ma certa velhinha...» (lembrar-se-á quem gosta e conhece o fado), certa vez que fui parar (desta vez, fugindo ao fado) ali perto do bem se estar, fronteira junta do mal se estar (e aqui, definitivamente, o fado é mandado borda fora!)... Para texto sobre como nascerão as lendas não parece grande coisa, mas a sorte e o sortilégio podem combinar-se das formas mais estranhas e isto, convenhamos, começa a aproximar-nos do que queremos... E estamos perto!
Por mera coincidência (terá sido?...), um cão grande, enorme!, descomunal!!, gigante!!! (aqui começar-se-á a ver - espera-se - um vislumbre de uma lenda, uma alumiação, que seja, duas palavrinhas, 'vislumbre' e 'alumiação', que remeterão para o domínio em que se movem as lendas, sem aprofundarmos mais o sentido, rasando perto da arte da psicanálise, com sede em Viena e postos avançados pelo mundo fora, mesmo que em edifícios que podem estar, mais ou menos, conservados...). Para o que se queria chamar a atenção, no entanto, era para a sequência de pontuação estabelecida: vírgula, exclamação, exclamação dupla, exclamação vezes três, aquele número que se popularizou na forma de mandamento celeste, com implicações célebres em diversos áreas, se calhar até na das lendas...
Esqueçamos o cão, a pontuação e a psicanálise, e voltemos à lenda... Desta vez, pela voz de uma ninfa:
«Certo dia, nos tempos de então, um homem dormia, satisfeito e saciado, embora doido. Todos o sabiam, incluindo ele. Como era necessário proceder à limpeza do local, já muito sujo, trouxeram uma vassoura, novinha em folha, e decidiram (alguém?...; quem?...) varrê-lo para debaixo da mesa, local que acharam apropriado para o fim, limpar, e tendo em consideração o destinatário, que era doido, dormia e estava satisfeito e saciado, vá lá adivinhar-se porquê... E assim, nasceu a lenda do doido varrido». Dito isto, esfumou-se.
A vida continuou e a terra continuou a girar (isto não é lenda)... No entanto, mesmo hoje, quando se está a dormir, satisfeito e saciado, e se é doido, ou doida, procura-se fazê-lo longe das mesas e (nunca esquecer!!!!) longe de qualquer vassoura... Mas, se calhar, isso já é do domínio da lenda... Ou será do mito?...






(Reza a lenda, que esta peça poderá ter sido inspirada por leitura recente de Enciclopédia da História Universal - recolha de Alexandria, de Afonso Cruz. Após muita reza e alguma reflexão a dormir - longe de mesas e, muito menos, de vassouras, ainda que novinhas em folha - chegou-se à conclusão que é mais do domínio do mito... Inconformada com a decisão, a lenda irá apresentar recurso.).


(Aventou-se a hipótese, de que a redacção do texto secundário se tivesse iniciado na 4.ª linha contada a partir da última linha do texto principal. Depois, por impulso ou talvez não, a persona terá tentado fixá-lo na 6.ª, por ter um compromisso no sábado, não se tendo apercebido de que acabou por estabelecer sete linhas.
Para evitar especulações em relação a este segundo texto secundário, a partir de agora, ´secundário2', com reminiscências de influência, não sei se ténues, se profundas, do texto secundário, precisam-se as linhas onde se iniciaram os textos, tendo por referência, respectivamente:

a) A última linha do texto principal:
  • Início do texto secundário - 7.ª linha;
  • Início do texto secundário2 - 13ª linha.
b) A última linha do texto secundário:
  • Início do texto secundário2 - 3.ª linha).


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Imeeeeensa paprikaaaa!

Os tachos e as panelas levantaram o testo em sinal de respeito e a Paprika, inconsolável, não conseguiu conter as lágrimas. À volta da mesa, os livros alinharam-se para um minuto de silêncio. Para o jantar, os chefs resolveram preparar um Resdom, perguntando à Paprika se não quereria associar-se, dada a profunda ligação que sempre mantivera com a senhora, pedido a que acedeu, enxugando as lágrimas no pano de cozinha mais à mão. Um sucesso, tal como se esperava. Serve-se quente.

(pequena homenagem a Filipa Vacondeus).

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04 janeiro 2015

A dúvida

A dúvida entrara, vá lá a saber-se por onde... Era estranho, pois recentemente tinha instalado nas portas e nas janelas um sistema de segurança especificamente contra dúvidas... A ser assim, tão pouco eficaz, teria que se queixar à empresa de segurança sobre o sistema e ver o que é que se poderia fazer, mas da indemnização não se safavam... Até lá, e uma vez que a dúvida entrara e estava ali ao pé, não teve outro remédio do que fazer de anfitrião consciencioso, pois a etiqueta imperava e era um pergaminho da sua família, mesmo em relação às dúvidas. Apesar de tudo, esta dúvida não era tão perigosa como uma sua prima, a dúvida metódica, que era uma chata. Esta, pelo que lhe parecia, era mais terra a terra, embora também com o seu quê, pois o sangue de dúvida corria-lhe nas veias e, quanto a isso, nada a fazer... Como quem não quer a coisa, abordou-a acerca do problema do cogito, que era um problema que afligia muita gente e para o qual não se conseguia encontrar remédio e, muito menos, qualquer método. Sossegou-o, por via das dúvidas, e perguntou se não lhe arranjava um whisky, só com água, pois fazia bem à saúde. Alertado e ciente dos benefícios, bebeu também dois, mas com gelo. Reflectiram sobre esta diferença de perspectivas sobre o acompanhamento do whisky, mas não chegaram a consenso, nem era isso que pretendiam, ficando boquiabertos, no entanto, quando olharam para a garrafa e verificaram que, em vez de whisky, tinham estado a beber carrascão. E disso, não havia dúvidas.

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Boyhood - momentos de uma vida

Provavelmente todos fazemos pequenos ou grandes exercícios de recordação ou de memória, independentemente das motivações, muitos deles centrados no passar dos anos e das gerações, dos locais e dos factos da vida. Em muitos desses exercícios, o meio habitualmente usado é o da imagem, animada ou em fotografia, e agora também o do cinema, situação que se verifica em Boyhood, que acompanha a mudança, ocorrida ao longo de doze anos, na vida e nas peripécias do quotidiano que medeiam entre a infância e a chegada (oficial) à idade adulta. Apesar de focado nas peripécias da vida de um garoto americano e com a referência sócio-cultural americana, não é difícil aproximarmo-nos e revermo-nos em muitas das vivências e das experiências lá retratadas.

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Ah!

Teve uma intuição mas ela fugiu-lhe.

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03 janeiro 2015

Acertamento

Deu corda aos sapatos, mas não os acertou.

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Pirraça

Para contrariar o ditado, os cães ladraram e a caravana não passou.

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01 janeiro 2015

Parecido com o Seinfeld

_ Passei e não vi nada.
_ Procuraste bem?
_ Sim. Quem lá estava era a morena.
_ Aquela do cabelo grande?
_ Sim, mas agora cortou-o.
_ Sabes onde foi?
_ Foi lá perto. Já comeste?
_ Não tenho fome. Viste o filme?
_ Já tinha visto. Nunca repito.
_ Gosto daquela cena, na sala.
_ É típico daquele realizador. Vais lá logo?
_ Não sei. Combinei uma coisa. Vou ver se dá.
_ Se fores, leva o frasco.
_ Estou sem carro. Sabes de alguma oficina?
_ Só já ando a pé. Pergunta na drogaria.
_ Achas que vai chover?
_ Não. Está sol.

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Mais alto

Os sonhos eram maiores do que eles. Compraram umas andas e pensaram ter resolvido o problema. Mas esqueceram-se do caruncho.

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Se em 2015 entrar mais teso do que em 2014 isso é preocupante?

Depende da tesura. Um banho lustral no mar é capaz de ser boa ideia e dá-lhe a hipótese de aparecer na televisão.

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Perdi os votos para 2015. Haverá hipótese de os recuperar?

A hipótese há; os votos é que se duvida... Mas não desespere: procure na rua, nos anúncios ou nas redes. Com mais ou menos aperto, é capaz de encontrar alguns que lhe sirvam. Experimente.

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Na feira VIII

_ Viva!
_ Como vai? E a família, boa?
_ Mais ou menos, obrigado. Já tem alguma coisa?
_ Acabado de chegar! Quer ver-lhe os dentes?...
_ Bô! Já os tem?!
_ Não falha! Olhe ali: todinhos! O que é que lhe dizia?
_ Sim, tem razão. E já se pode comer?...
_ Se quiser, mas é melhor aos bocadinhos. Sabe que é um pouco indigesto...
_ Então não sei?!... E o preço, como é que vai ser?...
_ Temos que ver... Como é p'ra si... cliente da casa... um preço justo... Depois, falamos!... Posso pesar?...
_ Empreste-me ai os óculos, que não trouxe os meus. Não se importa?
_ Não me importa nada! Já viu estas lentes?...
_ Já. Mas o que me chamou a atenção foram as hastes. São de marca?...
_ Não. Marca branca, mas tão boas como as outras. Veja lá, se se ajeita.
_ Ajeito, sim senhor. Mas continuo a não ler o que diz a etiqueta. O que é que diz?
_ 2015. Está satisfeito?
_ Veremos...

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