Sempre se orgulhara do seu cabelo farto e forte. Mesmo agora, que se via e sentia envelhecer, o orgulho e a estima pelo seu cabelo aumentavam, nomeadamente quando se comparava com gente da sua idade e criação menos bafejada em matéria capilar.
Havia um senão, contudo, nessa admiração pela qualidade do seu cabelo: em determinado nível de crescimento, o corte e o talhe, aliado à robustez do pêlo, tornavam a sua cabeleira num projecto de difícil controlo, rebelde a passagens de pente ou de escova e avesso a moldagem com água ou besuntadelas de gel. Mesmo nestas ocasiões a sua admiração persistia e mantinha-se inabalável, agora acrescida com um carinhoso epíteto: «o seu ninho»! E «o ninho» se mantinha algum tempo na cabeça, pelo menos até se decidir cortá-lo ou desbastá-lo, o que com frequência ocorria, tal a fartura e a fortaleza do pêlo…
Um dia, porém, por descuido no calendário ou golpe do destino, demorou-se a fazer o controlo do crescimento da sua preciosidade, o cabelo, e viu-se, talvez à força da invocação do epíteto de «ninho», brindado com um fenómeno ainda hoje inexplicável, mas real, de o seu cabelo passar a servir de resguardo e de poiso a um pássaro, de asas, plumagem garrida e vocação canora: um pássaro num «ninho», literalmente, e em plena Primavera!...
Se já se orgulhava do cabelo, agora a admiração e a responsabilidade acresciam, mais a mais porque envolvia um outro ser, pese embora a incomodidade que também o afectava pelo tamanho e o volume, sem contar com os comentários dos concidadãos, nem sempre condescendentes ou benévolos perante os factos e as evidências… Gostasse ou não gostasse, teria que fazer algo e depressa.
O caso facilmente se tornou conhecido e chegou aos ouvidos dos ornitólogos, que quiseram conhecer e estudar tal fenómeno. Mais do que um o estudou e examinou, todos chegando à mesma conclusão: o cabelo não poderia ser cortado, pelo menos durante a estação em causa, a Primavera, pois quem nidificara no seu cabelo era uma espécie de ave protegida, daquelas ameaçadas e com designação em latim, e, por conseguinte, intocáveis! Lá para o Verão se veria, mas agora nada feito! E para que não houvesse tentações, rapidamente transformaram o seu cabelo num
habitat protegido!... Era mais um motivo de orgulho…
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