28 abril 2012

Questão de método

Definia-se como uma pessoa metódica, teimosa e contraditória. Orgulhava-se de recusar modas ou rituais, mas seguia-os religiosamente, umas e outros. Nesta contradição residia o seu método e assentava a teimosia. Não se importava. Era-lhe congénito.

Etiquetas:

À espera

Decorridos três dias após o 25 de Abril, ainda ninguém se retratou por não me ter convidado para as cerimónias oficiais. Também ninguém se solidarizou, ainda. Continuo à espera.

Etiquetas:

Le Havre

Querendo, não há limites para a solidariedade humana, independentemente da faixa etária, grupo étnico, condição social ou proveniência geográfica, será a grande mensagem de um filme como Le Havre. Que o dia-a-dia também está repleto de preocupações do foro ético, mesmo que iludidas ou supostamente não consideradas, é outra. Para além disso, um toque de humor, a sobriedade na realização, nos cenários e no desempenho dos actores, quase parecendo uma peça de teatro, atribuem ao filme um perfil original, surpreendente e mágico, também.

Etiquetas:

21 abril 2012

Cântaro que vai à fonte...

Não sei se é resignação ou pura indiferença, mas as pessoas têm cada vez menos disponibilidade para o discurso e a prestação dos protagonistas políticos, qualquer que seja o palco onde actuem: nos eventos, nas campanhas ou na comunicação social. Habituados a lidar e a viver com os sobressaltos e altos e baixos da popularidade, aparentemente essa constatação seria um factor de perturbação e alarme para esses protagonistas, o que não se verifica, por mais batidas no peito e declarações pias em contrário. Até ao dia em que a história do cântaro que vai à fonte se torna realidade...

Etiquetas:

09 abril 2012

Amigos Improváveis

Ir ao cinema e ver um filme baseado numa história real parece, à primeira vista, uma experiência contraditória, como se a junção dos dois conceitos, ‘cinema’ e ‘realidade’, mutuamente se excluíssem: vai-se ao cinema para «fugir» ou «iludir» a realidade, mas valoriza-se o cinema quando ele se «funda» ou «fundamenta» na realidade. E é este o caso de ‘Amigos Improváveis’.
Do ponto de vista da arte e da técnica, um filme não será melhor nem mais apelativo pelo facto de se basear numa história real, podendo até acontecer o contrário. Quanto às emoções que ele nos suscita, no entanto, algo poderá ser diferente, embora também possa verificar-se um fenómeno de rejeição ou de desapontamento: é a escolha do espectador.
A história de ‘Amigos Improváveis’, uma bonita história, leva-nos ao tema, que não é novo, de como e porquê o relacionamento entre duas pessoas, separadas por tudo, desemboca numa amizade. Contrariando as previsões e as apostas dos cépticos, a vida gosta de nos surpreender. Talvez seja a maneira de mostrar a sua «amizade»: está lá e isso é o que se espera dos amigos. Mesmo que seja um filme.

Etiquetas:

03 abril 2012

O ninho

Sempre se orgulhara do seu cabelo farto e forte. Mesmo agora, que se via e sentia envelhecer, o orgulho e a estima pelo seu cabelo aumentavam, nomeadamente quando se comparava com gente da sua idade e criação menos bafejada em matéria capilar.
Havia um senão, contudo, nessa admiração pela qualidade do seu cabelo: em determinado nível de crescimento, o corte e o talhe, aliado à robustez do pêlo, tornavam a sua cabeleira num projecto de difícil controlo, rebelde a passagens de pente ou de escova e avesso a moldagem com água ou besuntadelas de gel. Mesmo nestas ocasiões a sua admiração persistia e mantinha-se inabalável, agora acrescida com um carinhoso epíteto: «o seu ninho»! E «o ninho» se mantinha algum tempo na cabeça, pelo menos até se decidir cortá-lo ou desbastá-lo, o que com frequência ocorria, tal a fartura e a fortaleza do pêlo…
Um dia, porém, por descuido no calendário ou golpe do destino, demorou-se a fazer o controlo do crescimento da sua preciosidade, o cabelo, e viu-se, talvez à força da invocação do epíteto de «ninho», brindado com um fenómeno ainda hoje inexplicável, mas real, de o seu cabelo passar a servir de resguardo e de poiso a um pássaro, de asas, plumagem garrida e vocação canora: um pássaro num «ninho», literalmente, e em plena Primavera!...
Se já se orgulhava do cabelo, agora a admiração e a responsabilidade acresciam, mais a mais porque envolvia um outro ser, pese embora a incomodidade que também o afectava pelo tamanho e o volume, sem contar com os comentários dos concidadãos, nem sempre condescendentes ou benévolos perante os factos e as evidências… Gostasse ou não gostasse, teria que fazer algo e depressa.
O caso facilmente se tornou conhecido e chegou aos ouvidos dos ornitólogos, que quiseram conhecer e estudar tal fenómeno. Mais do que um o estudou e examinou, todos chegando à mesma conclusão: o cabelo não poderia ser cortado, pelo menos durante a estação em causa, a Primavera, pois quem nidificara no seu cabelo era uma espécie de ave protegida, daquelas ameaçadas e com designação em latim, e, por conseguinte, intocáveis! Lá para o Verão se veria, mas agora nada feito! E para que não houvesse tentações, rapidamente transformaram o seu cabelo num habitat protegido!... Era mais um motivo de orgulho…

Etiquetas: