(A)mola
_ Pouco há a dizer: sou uma mola, faço vida de mola e vou morrer como mola.
_ Não quer precisar um pouco melhor?
_ Não estou a ver como... Só se for que sou uma mola de estendal. Serve?
_ Perfeitamente. Nunca pensou em dar o salto?
_ Em tempos, sim... Mas era difícil.
_ Porquê?
_ Nem sei bem... A família, as saudades, os amigos, os entendais... Enfim, não aconteceu!
_ Acabou por resignar-se, portanto?
_ Teve que ser... E tinha que ganhar a vida. Foi assim.
_ Lembra-se do seu primeiro estendal?
_ Claro! Foi o de casa. Foi onde aprendi a profissão e me fiz mola de gente.
_ Para além desse estendal familiar houve outros, decerto?
_ Às vezes, sim. Mas tipo gancho, está a perceber?
_ Sim. Alguma vez teve medo?
_ Então não!? Já se imaginou numa corda, a tantos metros, a ter que se aguentar com o peso, a chuva, o vento, sem saber se vai desencaixar-se ou não?
_ Pois, imagino... Vida dura, portanto?
_ Dura!?... Ó meu amigo!... Dura é pouco: Duríssima!
_ Apesar disso, dessa dureza, continuou...
_ Teve que ser...
_ Uma última questão: há alguma coisa de que tenha pavor?
_ Só da concorrência desleal dos secadores...
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