Gostava de surpreender. Isso verificava-se quer em relação aos amigos quer aos conhecidos, sendo mais fácil nestes, o que não surpreende. Com estes, em que o conhecimento podia ser derivado de um bom-dia ou de uma boa-noite, de uma atenção ou de uma cordialidade, de um pedido de informação ou de fornecimento dela, a surpresa era mais fácil, como se disse. Com os amigos era mais difícil, o que também se compreende, pois eram amigos, situação que não é (nem deve ser) para todos, desengane-se quem pensar o contrário, e isto também não é surpresa…
Sendo mais difícil a surpresa com os amigos, ela torna-se mais exigente e criativa, embora não fosse, de todo, necessário, porque os nossos amigos se satisfazem por sê-lo, dispensando até a surpresa, que pode até ser entendida como estranheza... Por isso, cuidado!
Mas este temor de que a surpresa se transformasse em estranheza para os amigos estava afastado, disso estava certo, pois todos eles conheciam a sua natureza surpreendente, que reconheciam sempre, umas vezes melhor, outras pior, mas sempre reconhecida, precisamente por serem amigos, que nos conhecem melhor do que nós próprios, quantas vezes.
A surpresa que lhes tinha preparado era fascinante, estava convencido (e tinham-mo também convencido), desde que preenchera os papéis e ficou à espera da encomenda, que demorou alguns dias, mas chegou quando devia chegar.
Quando a desembrulhou mais convencido ficou, rima que o entusiasmou mais ainda, sinal de que podia confiar no artigo, pois as suas virtudes eram logo evidentes (mesmo sem ele estar à espera), e que se verificara no pormenor da rima, ele que até era mais da prosa… A coisa prometia.
O material era como ele tinha visto nas imagens, talvez um tudo-nada exuberante, reparou, mas perfeitamente adequado ao fim em vista e era isso que interessava, começando a saborear a surpresa com que iria presentear os amigos. Mas, primeiro, havia que dar conta dos pormenores e fazer o curso, que lhe parecia fácil, no entanto.
Fez o curso facilmente, como previa, aliás, e ficou imediatamente credenciado na arte mágica e necromancia, estatuto que imediatamente comprovou, pois começou logo a ouvir vozes. Estava preparado, não havia agora dúvidas!
Cumprida esta parte, conferiu se tudo estava preparado na parte dos «comes e bebes» e se podia começar a convocar os amigos, pois se fazia tarde.
À hora aprazada, lá apareceram todos. Depois dos cumprimentos e das fórmulas rituais do amiguismo, pediu que o desculpassem por um momento e retirou-se. Quando regressou, vinha vestido com um chapéu e um manto de mágico, com barbas e bigode a condizer, e convidou-os a descer as escadas, em direcção à adega. Quando chegaram à porta, que estava fechada e era de madeira, pediu que se calassem e, virando-se para a porta, pronunciou um sonoro e pronunciado «ABRACADABRA!», automaticamente esta se abrindo e mostrando aos espantados amigos o que os aguardava: um presunto, seis salpicões, uma dúzia de chouriças, uma talha de azeitonas, três queijos de ovelha, pão de trigo e de centeio cozidos a lenha e uma pipa!...
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