27 março 2017

Al(u)ado

A previsão saíra furada. Como não dispunha de bomba nem de remendos, soprou num balão e levantou voo.

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26 março 2017

Polimento

Manchara o primeiro encontro. Quis redimir-se, sugerindo um tira-nódoas. Como era abrasivo, recusaram. Polidamente.




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Prisma(s)

_Vejamos as coisas por este prisma.
_ Prisma? Qual prisma?
_ Este aqui, que tenho na mão.
_ Esse é que é o prisma?
_ Claro. Há maiores. Mas também há mais pequenos.
_ Não percebo. Então as coisas podem ver-se por aqui, por isto?
_ Depende... Se tiver outro, é por esse que vê.
_ E se não tiver?
_ Então, vê pelo dos outros. E aí há riscos.
_ Mas isso, o prisma, não é um cristal? Parece.
_ Pois parece. E é! Daí o risco, percebe?
_ Não percebo lá muito bem... É como a história dos «dogmas freudianos mal cozidos»...
_ Dogmas freudianos mal cozidos?... O que é isso?
_ Foi uma frase que li. Gosta?
_ Depende do prisma.

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Status quo

Resolveu pegar nas imbambas e pôr-se na alheta. Reconsiderou. Pegou nos móveis e nos objectos da casa e voltou a colocá-los no sítio.

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12 março 2017

Clicar no portátil alternadamente com o indicador direito e com o indicador esquerdo faz de nós uma espécie de pianistas?

Se não houver uma espécie de pauta não.

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Contributo

Esquecera-se do hino. Logo agora. Deveria ter posto uma cópia no bolso (a mãe avisara), mas não quis saber. E agora, como ia ser? Nunca lhe acontecera, pois tinha boa memória. Gabava-se disso e era algo que lhe permitira, até, ganhar várias apostas, mesmo as relacionadas com o significado das palavras, que não eram fáceis para quem não ia aos dicionários ou não fazia palavras cruzadas. Quanto à melodia não haveria problemas, mas não poderia cantar o hino a fazer «lá-lá-lári», sem desafinar, é certo, mas correndo o risco de ser mal interpretado, e isso não queria. Fez um esforço para se lembrar, ainda dispunha de algum tempo, a memória havia de vir... E veio, para seu descanso. Mas a voz fora-se, entretanto... Ficara afónico. «Acontece», explicaram-lhe. Fora do stress. Mas congregação estava-lhe agradecida, pois nunca se lembrara do «lá-lá-lári».






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5 livros, 3 autores

Cidades Inventadas, de Ferreira Gullar.
As Naus, de António Lobo Antunes.
Mizé - Antes galdéria do que normal e remediada, de Ricardo Adolfo.
Depois de morrer aconteceram-me muitas coisas, de Ricardo Adolfo.
Maria dos Canos Serrados, de Ricardo Adolfo.



Nota.:  Os biógrafos que não se preocupem a descobrir porque é que a lista está sequenciada da forma que está. Facilita-se-lhes a vida e esclarece-se o mistério: corresponde à ordem da leitura. Apenas.

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11 março 2017

Vai uma ajuda?

_ Pode dar-me uma ajudazita?
_ E se for uma ajudinha?
_ Ajudinha não... Prefiro a ajudazita.
_ E porquê?
_ É mais substancial, parece-me... A si não lhe parece?
_ Talvez, mas mantenho-me na ajudinha. Serve?
_ Servir, servir... não serve. É a sua melhor proposta?
_ Pode ser... No que é que ficamos?
_ Deixe-me pensar... Nã!.., Fico-me pela ajudazita. Desculpe, mas é uma questão de princípio...
_ E se não fosse?
_ Aí já seria diferente... Fiquemos por aqui, no entanto.
_ Na ajudazita ou na ajudinha?
_ E se forem as duas...?
_ A ajudazita mais a ajudinha...? Não será de mais?... Não haverá perigo de concentração?... Se houver, sou contra.
_ O risco é pequeno. Vamos nisso?
_ Agora não me dava muito jeito... Pode ser mais tarde?

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05 março 2017

A pagar mais tarde

Tirou do bolso um recibo, semi-rasgado, onde se lia, carimbado: «Pago mais tarde». Ficou intrigado com a mensagem, de que não se lembrava a que se devia. Tudo se esclareceria, provavelmente, se conseguisse juntar a outra metade ou metades, pois desconhecia se havia mais do que uma. Não deixava de ser estranho que o recibo fosse de uma consulta a uma vidente, daquelas de turbante, colar, unhas pintadas e bola de cristal, com casa montada na esquina da rua e publicidade feita nas saídas das estações, mas onde nunca tinha posto os pés, pelo menos que se lembrasse... Resolveu investigar e foi-lhe bater à porta, cerrada àquela hora, mas com vestígios de que se iria abrir dentro em pouco, pelo menos foi o que lhe disseram meia dúzia de clientes que aguardavam que isso acontecesse, e a quem perguntou, um por um, só por via das dúvidas, se a vidente era ali e se também recebia naquele dia, pois era feriado.
Colocou-se na fila e pôs-se a pensar no «Pago mais tarde», aposto como um carimbo e não sob a forma manuscrita, que era o que se pensaria à priori, de boa fé, de alguém, o seu caso, que metera um papel daqueles no bolso, certamente para o honrar mas sem se lembrar porquê e para quê... A sua sorte era que iria falar com a vidente e logo tudo se esclareceria, tinha a certeza, pois em última instância a bola de cristal lhe diria de que se tratava...
À medida que a fila avançava, ia aproveitando para falar com os clientes e ir tirando uns apontamentos para uma tese que estava a escrever, ou iria escrever, na verdade, pois ainda não tinha apresentado o projecto e tinha dúvidas sobre o tema, mas que andava mais pelos lados do exotérico do que do esotérico, disso tinha a certeza, mesmo sem a ajuda da bola...
Curiosamente (e tem que haver sempre um «curiosamente» se não as pessoas não se interessam, é dos livros e das histórias várias), o seu número da fila era o treze (ora aí está a surpresa!), o que tanto podia ser bom, para os que crêem, como mau, para os que não, mas que é sempre um número que é conveniente que ande ligado a estas e outras coisas, uma espécie de pião e baraça, passe a comparação, mas trazendo à colação umas memórias para quem as tiver ou quiser... E com isto era a sua vez.
A vidente, «Madama», apresentou-se, recebeu-o com um abraço e começou por lhe atirar com um pó para cima dos ombros, «para afugentar», sossegou-o, ficando sem perceber se era por causa das traças, que suspeitava que começavam a fazer-lhe estragos no capote, ou dos espíritos que lhe andavam a «atazanar a molécula», lembrava-se desta magnífica pérola de tempos idos, de membro de tunas e de fadista nas horas vagas, a «Madama» logo lhe diria... E que era das traças, disso-lho logo, e lhe perguntou «Ao que vinha», mas que não se incomodasse em responder, pois ela, «Madama», sabia tudo... E tinha razão, como se confirmou logo a seguir, quando lhe disse que o meio-recibo, a dizer «Pago mais tarde», lhe tinha sido passado pela Universidade, a instâncias e súplicas dele, para quando apresentasse a tese a que se proporia, o futuro do verbo assim o indicava. Quanto a ela, «Madama», o pagamento podia ser em géneros...



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(A)ladino

Passara pelos pingos da chuva. Depois do saboroso Uf!, a cara abriu-se num sorriso. Fez mal, soube-se depois, porque não viu o poste.

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04 março 2017

Meias-palavras

As meias-palavras punham-lhe os cabelos em pé. Ou poriam, se usasse outro tipo de penteado ou outro tipo de cabelo. Fosse como fosse, era algo para o qual não tinha paciência e, muito menos, disponibilidade. Meias-palavras para quê?... Para poupar?... Para não incomodar?... Só se fosse na saliva, para a primeira, e no descanso das almas, na segunda... Em ambos os casos, fazia-se mal. E quem pagava era a vesícula, que é uma parte do corpo que aguenta muito, como se sabe, mas que tem limites, como se sabe também, e que alguns sabem bem de mais (e não têm saudades) pois a vesícula já lá não mora... Não acreditava que bastasse meia-palavra... Era mentira!
Dito isto, o médico olhou para o paciente e receitou-lhe umas gotas. Daí a uma semana que lhe telefonasse, a dizer como se sentia. Para já, para já, não havia problemas com a vesícula. A alergia é que teria que se ver, mas só lá para a Primavera. Passasse bem.

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03 março 2017

Dois em um, mas podem ser três

Tivera uma ideia para um negócio. Estava convencido de que a coisa sairia bem e pegaria, pois a utilidade do conceito parecia-lhe evidente, sendo um «dois em um»: para a imagem e para a sensibilização em matéria de ambiente. O conceito era simples: vários mini-livros constituídos por uma só palavra cada um, que se iam juntando como colecção ou como um puzzle e que também serviam como bases de copos, uma prenda de prestígio para os apreciadores, por conseguinte, e com valor pedagógico, para as teses e as estatísticas, contribuindo para combater a iliteracia e a falta de hábitos de leitura e dando um toque de glamour à promoção dos vinhos, pelo menos estava convencido disso, soubessem os produtores aproveitar e os editores idem, que não se queixassem depois...

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02 março 2017

Bad Luck(y)

A mulher safava a raspadinha com uma moeda de diâmetro médio. Desta vez é que era, convencia-se, parecendo ganhar mais alento para a tarefa em busca da fortuna (se pequena, se grande, logo se veria). Ao lado, roendo a trela, um cão olhava para a dona ou o dono com ar de aflito, como quem diz que está ali e que está à espera de algo, em linguagem e prece de cão, talvez um xixizinho na erva molhada ou numa esquina mais ou menos próxima... Entusiasmada, a mulher continuava. De súbito dá um «Ai!» e larga a moeda, que cai e rola para o chão, enquanto a mulher continuava aos ais, agarrada ao ombro. O cão, fosse pelo ai ou pelo aperto, assusta-se e abre a boca, não para rosnar mas para abocanhar a moeda, chamando-lhe um figo de imediato, vá-se lá a saber porquê... A mulher não parava de se queixar do ombro, lamentando a sua triste sorte, que voltara a fugir, ainda para mais sem o telemóvel, que não trouxera e de que agora precisaria para chamar o 112, tais as dores... Como se não bastasse o azar no ombro e pelo telemóvel, agora também não poderia telefonar de um telefone público, pois a moeda, que era única e, julgava ela, da sorte, jazia agora na barriga de um cão, Lucky de seu nome, que a olhava enternecido... Ao lado, alastrando pelo mosaico, a manchazinha de urina espalhava-se, como quem não quer a coisa, fazendo, por momentos, esquecer a dor no ombro da mulher, uma luxação, veio a saber-se depois...

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