23 fevereiro 2019

Urban(idade)

Um carro pára em cima da passadeira. O motorista sai disparado e dirige-se a um peão, de auscultadores nos ouvidos e de lancheira na mão. Quem aguarda passagem suspende o gesto, a ver no que aquilo vai dar. É compreensível e humano. Entretanto, automobilista e peão começam a esgrimir argumentos ao murro. Antes de alguns dos transeuntes se intrometerem e apartarem, o narrador faz uma apreciação técnica ao combate e declara que a vitória foi do... peão! Aos pontos e sem necessidade do gongo. Aparentemente, a lancheira terá saído ilesa.

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17 fevereiro 2019

Costa a costa

Hoje era um dia como outro qualquer. Como frase feita não estava mal, não senhor, um indício seguro de que tinha copiado (e apreendido) bem o que lera. Mas só isso não chegava, reconhecia, e teria que ir mais longe. Até onde o mar e o céu alcançam (lá está, mais não seria admissível, talvez...), concedendo-se a possibilidade de um desvio, à laia de se deixar ir, mas sem muitas curvas e a velocidade controlada. De tanta cópia e vista alargada começava a ficar almareado, que é como quem diz enjoado, à medida que se avança para sul, mas que também pode ser aplicado em toda a parte em que haja costa, privilégio de uma língua comum, apesar das nuances de sítio. Só faltava o título. E esse não era difícil. Estava a dar na rádio.



Comentário: um texto que recomenda o chá, de suporte ou cidreira, não interessa, mas aconselhável devido ao risco de enjoo ou de outras maleitas, de preferência não muito graves. É no que dá esta mania dos estados de alma e da escrita de fim-de-semana, logo pela fresca ou ao cair da noite («ao crepúsculo», de preferência, por causa do enquadramento e da profundidade do arroubo (bonito, não?) lírico). Animem-se, porém, pois este calvário é só de vez em quando. Esperemos.

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10 fevereiro 2019

O cavalheiro com arma

Há uma expressão portuguesa que assenta, como uma luva, a este filme: estar na massa do sangue. Mas não se assuste quem ler, pois a expressão é elogiosa para a sua história e, sobretudo, para os seus actores, com destaque para Robert Redford e Sissy Spacek. Um filme terno, por incrível que pareça à primeira vista, numa linha clássica, a respirar vida. Assim como quem o faz naturalmente. Como se estivesse na massa do sangue...

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Avaliação

_ Qual é a sua avaliação?
_ Bem... Digamos que, de uma forma geral, é fraca...
_ E não se aproveita nada?...
_ Depende.
_ Depende?!
_ Da hora do dia e ou da alimentação.
_ Mas o que é que isso tem a ver?!
_ Tem tudo. Repare, de manhã ou antes de comer está mais debilitada. Depois, com o correr do dia e depois do almoço, sobe. É isto.
_ Mas não estamos a falar do livro...?!
_ Ainda não li.

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Transformação

Dizia palavrões e catalogavam-no como boçal. Decidiu mudar e passou a dizer tabuísmos, só. Aceitaram-no imediatamente como pessoa culta e mundana.

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Teste

Foi apresentada como depravação pura. Sem qualquer contaminação, nada. Mas desconfiava-se se seria possível tal pureza, tal nível de depravação. Como as dúvidas subsistiam, pediu-se um teste. Que foi feito e não desiludiu. O algodão não engana.



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03 fevereiro 2019

Esfregar as mãos, assim como existencialista

Estava um frio do caraças. «Alto lá!», pensou: «Um frio?!», «do caraças!?». Havia algo que não estava bem. Resolveu testar os barómetros politicamente correctos, o das condições climatéricas e o das expressões linguísticas, a ver o que é que diziam os cânones: pouco ou nada. Decidiu-se por um método mais infalível - o inquérito de rua.
Lá se armou com as ferramentas necessárias, o microfone e o bloco, e avançou para a rua, ainda pouco movimentada. Quando se cruzava com alguma alma, grande ou pequena, perguntava-lhe: Acha que está um frio do caraças?
Nem todas lhe respondendo, houve algumas que aceitaram. Eis os registos:
«Não, não está nada. Isto não é frio. No meu tempo é que era».
«A culpa é do CO2. E dos incêndios. E também da internet».
«Não quero saber nada disso. Vá mas é trabalhar».
«Agora não tenho dinheiro. Talvez mais logo».
Ficou intrigado com isto. Enquanto esfregava as mãos, por causa do frio, fosse do caraças ou não, meditava sobre a reacção das pessoas. Era estranho, no mínimo. Seria a mesma coisa, caso a pergunta fosse diferente? Iria experimentar.


Comentário: Se é do frio ou não, nunca se saberá. Quanto ao caraças, a mesma coisa. O texto é um bom exemplo das crises existenciais, que já não são o que eram, mas que se arrastam pelas ruas da amargura (isto sim, existencialismo puro), não dependendo do tempo nem da intensidade do frio, correndo o risco de serem piores na Primavera, talvez por causa do pólen, ou no Outono, pelo cair da folha. E é isto que é do caraças. Esfreguemos as mãos, pois.

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02 fevereiro 2019

Depoimento

_ Quem é que lhe disse isso?
_ Foi uma vizinha.
_ Não foi família?
_ Não. Vizinha. Mora lá perto.
_ Perto, quanto?
_ Não sei... No quarteirão, julgo. Foi outra vizinha que lhe disse.
_ Outra?!... E essa mora lá perto?
_ Parece que sim... mas não tenho a certeza. Mas dizem que é de confiança.
_ Quem é que diz?
_ As pessoas... a gente, toda a gente.

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A mulher

«Por detrás de um grande homem está sempre uma grande mulher», costuma dizer-se e muitos já terão dito ou ouvido a frase. Também não será novidade, pelo menos para quem se interesse por essa matéria, que o ser distinguido com o Prémio Nobel é uma meta almejada e gratificante para quem é contemplado, mesmo que isso possa ser temperado com nuances. No caso do Nobel da Literatura não será diferente, calculo.
O interessante neste filme é fazer uma reconfiguração do sentido da frase inicial, e não necessariamente o inverso, conduzindo a história para um patamar de conflito que se antecipa, com as implicações que isso acarreta: familiares, sociais e artísticas.
Tal como um Nobel, há interpretações que podem projectar um actor ou uma actriz para o painel da história do cinema. Será desta, Glenn Close?

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