31 janeiro 2021

Surprise!

_ Trombalazana!
_ ...?
_ Não dizes nada...?
_ ...?
_ Que estranho... Deixa-me pôr os óculos...Ah, sou eu!

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Arrumações

Reservara o dia para  arrumar os textos, para saber qual usar com a indumentária e as condições climatéricas. Em dias de sol, por exemplo, um conto ligeiramente libidinoso caía bem com um pólo ou uma camisa, a convidar à malandrice. Nos cinzentos, pelo contrário, tudo o que se relacionasse com reflexões ou cogitações não poderia ser pensado fora de um conjunto com sobretudo ou samarra. Nos dias assim-assim, a coisa era mais dúbia, podendo apontar para variantes que poderiam não quadrar nos padrões habituais, ficando um pouco ao critério e à sensibilidade do modelo. E das modas, também, que às vezes baralhavam um pouco as coisas.


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Disparos

Disparou as frases de jacto, em rajada. Nessas ocasiões, esquecia-se do tiro a tiro. Mas não queria saber, pois era o que lhe dava gozo. Nem a idade o refreava: não por ser jovem, mas antes por ser velho. O tempo urgia e as rajadas impunham-se.

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Romance

Acabara-se o romance. Incompatibilidades várias o determinavam. Só novelas, agora.

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Política

A política seduzia-o. Ao princípio resistiu, mas deixou-se levar. Contudo, impôs condições: só nos dias ímpares! Nos pares não podia, justificava-se, pois dedicava-os à angústia.

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30 janeiro 2021

Leilão

_ Ora, temos aqui um belo exemplar de uma quadra, escrita em  tom brejeiro, de autora conhecida, mas de que se omite o nome, quem dá mais...?

_ Duas couves!

_ Três nabos!

_ Então, licitadores, então... Não sejamos sovinas!

_ Duas couves e um raminho de salsa!

_ Três nabos e um molhinho de coentros! 

_ Minha Nossa Senhora!... Só isso...!? Mais uma tentativa, senhoras e senhores licitadores, trata-se de uma peça única, afiançada pelo Bocage, note-se, sejam generosos, é para o padroeiro...

_ Uma saca de batatas!

_ Arrematado para lá ao fundo, não se esconda, bem-haja!... Leva já ou leva depois...?

_ Ofereço ao padroeiro.



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Franchis(e)ada

Decidira atribuir um número a cada texto que finalizava, pois já eram muitos. Não só para controlo do arquivo, mas também a pensar numa hipótese de negócio, uma espécie de bingo com rifas, com opção de linha e de cartão completo, a realizar na feira semanal. Para os vencedores, um ramo de louro e uma molhada de grelos.



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Certezas

Dirigiu-se ao mercado das certezas e deu uma vista de olhos pelas barracas. Que eram muitas!... Receando não ter pé nem fôlego para as visitar todas, escolheu as mais próximas. Mas rapidamente se arrependeu, quando se apercebeu de que quase ia ficando sem pêlo, tal a veemência e a crença dos vendedores... Nem teve oportunidade de mostrar a dúvida que levava no bolso, a ver se arrebitava...

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Um dia no estúdio

Olhou para a tela em branco com fastio de desinteressado. Olhava para ela e ela retribuía o olhar, com algumas provocações pelo meio, como deitar-lhe a língua de fora ou fazer-lhe um manguito. Apesar das provocações, mantinha-se estóico e conformado, aguardando pela oportunidade. Que chegou de mansinho, pé ante pé, e que aproveitou da melhor maneira.

Colocando a boina, abotoou a bata e mergulhou a pata nos baldes espalhados pelo estúdio. Escolheria a técnica da pata alternada, de que era um exímio cultor, ensinada por um velho mestre de quatro patas, vadio mas culto, que aprendera nas ruas e bairros de Paris. Terminaria com a assinatura de autor, Senupe.


 


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Ainda não foi desta...

Miravam-se e avaliavam-se, a ver quem desistiria primeiro. Desistiu ele. Ainda não seria desta vez que ganharia o jogo do sério...

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29 janeiro 2021

Em tom soft

Escolheu o nome para a secção, não sem alguma ansiedade. Compreendia-se: era a primeira vez. Como correu bem, desinibiu-se e avançou com a caneta. Tapando a mão, para defender os direitos de autor, fêz o nome mostrar-se, embora com algum pudor. Visto assim, até podia considerar-se erótico. Decidiu-se pela colocação de uma bolinha e uma lâmpada de cor vermelha.

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Tamanho(s)

Não digam que o tamanho não conta. Depende das circunstâncias e dos contextos, é certo, mas haverá sempre um brilhozinho nos olhos quando se refere o tamanho do que quer que seja: pela nostalgia, a surpresa ou o desencanto.

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Dois pratos

Sentava-se à mesa e exigia a colocação de dois pratos. Aos incrédulos, e só a estes, justificava-se: um para a comida material e outro para a espiritual. Para ambas, sal q.b.

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28 janeiro 2021

Manchester By The Sea

Manchester By The Sea. Começo pelo título, o que se calhar explica o facto de ter deixado escapar o visionamento de um belo e comovente filme, realizado e interpretado com uma sensibilidade e uma contenção apreciáveis, exemplo de que um drama é um género com tradição e proveito no cinema. Longe das pirotecnias técnicas ou emocionais que vão gravitando em condições normais ou anormais, felizmente que ainda há histórias que nos prendem pela sua humanidade ou desespero, quantas e quantas vezes o combustível que nos alimenta e suporta no contacto ou no evitar do outro, aquelas em que o lastro de vida, nas suas manifestações boas e más, exaltantes ou deprimentes nos fazem interiorizar ou expandir um grito, um riso ou uma frustração. Para quem deixou escapar uma pérola como esta durante tanto tempo, mea culpa, mesmo passando-lhe tantas vezes por debaixo do nariz e dos olhos, felizmente que uma pequena hipótese de redenção se lhe facultou numa televisão à mão de semear, abençoada!, ajudando a apaziguar esse tempo perdido.

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24 janeiro 2021

Significado(s)

_ Diga-nos uma coisa em que acredita.

_ É melhor não...

_ Vá, não se acanhe! 

_ É um pouco constrangedor, penso...

_ Ânimo!

_ Sou um aldrabão.

_ Não serve. Escolha outra.

_ Sou um intrujão.

_ Pense melhor. Não temos o dia todo...

_ Não sei mais significados...

_ Que tal 'impostor'?... Ou 'trapaceiro'?... Ou 'burlão'?...

_ Posso escolher...?

_ Claro que pode!

_  Impostor, então...

_ Tem mais patine, talvez...?

_ Se você o diz...

 


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Indumentária

De início, a mensagem chegou-lhe de mansinho. Depois, evoluiu para o estrondo. Refeito do susto e da perturbação auditiva, procurou inteirar-se do que se passara e motivara a alteração. A custo, com muito tacto, foi-se aproximando. Mesmo assim, foi detectado. Acusaram-no de se ter enganado na votação. Quando manifestou perplexidade, apontaram-lhe o cartaz onde se lia o aviso: «Vote em consciência!». Compreendeu e resignou-se, esfregando timidamente as mãos ao pijama...


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23 janeiro 2021

Tons

_ Nããããããão!...

_ O que foi, maestro?

_ O 3.º parágrafo está fora de tom. A culpa é das vírgulas. Meninas, então...?

_ Foram os pontos de exclamação... Meteram-se connosco. São uns parvos...

_ É preciso cortar-vos a pinta, ó rapazolas...?

_ Tranquilo, maestro. Nós portamo-nos bem... Continuamos o ensaio...?

_ Claro. Até ao ponto. Andamento sem interrogações.

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19 janeiro 2021

A carteira

Estou mais desafogada desde que o meu patrão me aliviou de vária quinquilharia imprestável: rifas, cautelas, extractos bancários, números de telefone, listas de compras, papéis avulsos e outras porcarias. Porcaria, sim, e das piores, pois as minhas preciosas bolsas não foram feitas para isto. Eu fui criada para albergar notas e cartões, não papelada avulsa e sem valor!... Mas tive azar, pois calhei com um teso e um crítico do capital.

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16 janeiro 2021

Proximidade(s)

Manhã fria, com marcas vincadas na rua da humidade nocturna, implacável e visível até à chegada do sol. Trajecto com destino, sujeito a encontros, mais ou menos imprevisíveis. Como o do sem-abrigo. Carregando um carrinho e um saco, abafado num sobretudo muito acima do número do portador, aparentando uma idade mais jovem do que o aspecto, a barba e o arranjo do vestuário apontavam, uma resposta surpreendente a um banal e vulgar bom-dia. «Bom-dia. Um óptimo dia», respondeu à saudação, vincando o «óptimo», adjectivo inesperado para o encontro e os protagonistas, cada um seguindo o seu caminho...

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15 janeiro 2021

Certificado de residência

No telhado, o gato olha para a gata e aguarda. Mantém-se imóvel, aparentemente aquietado, bem como a gata. Na varanda, pelo contrário, a velhota inquieta-se e insurge-se, jurando e prometendo penas terríveis para o macho, que se vá embora, que não é dali... Daqui a meses se verá quem tem razão...

 


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12 janeiro 2021

Aperitivo

_ Por acaso, sabe o que é um pícaro...?

_ É uma espécie de copo para beber vinho, penso... Acertei?...

_ Não propriamente... deve ter confundido com 'púcaro', essa sim, com o uso que lhe atribuiu... A palavra 'pícaro', diz aqui no dicionário, pode querer significar várias coisas, aplicadas a uma pessoa. Exemplos: falta de honra e de vergonha; patife, velhaco; malicioso, astuto; que com arte e dissimulação logra o que deseja; ridículo.  

_ Muito bem. Dê-me dois, então.

_ E de quais...?

_ Um de «falta de honra e de vergonha» traçado com um de «malicioso, astuto».

_ Com azeitona...?

_ Pode ser. Mas talhada.



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10 janeiro 2021

Assim-assim

(nos anos que tinha de processos de recrutamento, não se recordava de alguma vez ter de avaliar um certificado e um currículo «assim-assim». «Vivendo e aprendendo», comentou filosoficamente... Telefonou a marcar a entrevista)

_ Situação profissional?

_ Profissional assim-assim.

(não tinham conta as rábulas a que se sujeitara por causa desta especificidade profissional, invariavelmente subordinadas ao trocadilho: «Mais assim ou mais assado?...». Das primeiras vezes ainda respondia, mas com tempo foi-se deixando de respostas, limitando-se a sorrir) 

_ Explique lá isso...

_ É o que diz o certificado.

_ O certificado diz «Profissional assim-assim»...?

_ Sim. Nível elevado.

_ Nível elevado...!?

_ Sim, tem graus: básico, elevado e sublime. Eu comecei pelo básico e fiz o curso para elevado. Já chega.

_ Desculpe, não percebo... Não acha um pouco estranho?...

_ Sim... talvez. Mas fica a saber que a transição obedece a critérios específicos e estabelece níveis de remuneração diferente, exigindo provas exigentes.

_ Quer dar exemplos:

_ É melhor não... Matéria reservada, compreende...?

_ Assim-assim...

 

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09 janeiro 2021

Nome sonante

_ Não queremos nada!...

_ Abra, por favor. É só um minuto.

_ Não estamos em casa!...

_ Como, não estamos em casa...!? Estão a falar aí de dentro!...

_ Vá-se embora, já disse!...

_ Só quando me abrirem a porta!...

_ Porque é que não vai chatear o Camões?!...

_ Não posso.

_ Como, não posso...!?

_ Sou eu mesmo. 

_ Quem, o poeta?!

_ Não, o canalizador.

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Custa pouco, evita muito

Podia ser mania, projecto, aspiração, mandamento, o que fosse, mas cumpria religiosamente o desígnio: dar bons-dias, boas-tardes, boas-noites com quem se cruzasse. Como nesse dia.

Deu um, dois, três bons-dias. Ninguém respondeu. Ficou furioso. Não por si, mas pelo dia, que estava mesmo bonito. Que desconsideração… E logo três vezes! Iam ver como era.

Tentou uma quarta vez. Dirigiu-se à pessoa com que então se cruzou e disse «Bons-dias!». Esta também não responde aos bons-dias, mas em contrapartida entrega logo a carteira e pede que não lhe faça mal e se podia ficar com os documentos. Que levasse o dinheiro e os cartões, mas a identificação e o passe não.

Ficou sentido, mais a mais porque era uma pessoa de bem, lamentando-se pela falta de urbanidade no trato e por as pessoas estarem cada vez mais obtusas, considerando um singelo cumprimento como uma tentativa de assalto... Nem pensar uma coisa dessas!, tranquilizou a pessoa, até porque era adepto da troca comercial livre e fraterna, sem uso de dinheiro, muito menos cartões!... Agora o que não podia perdoar, lamentava, era que a pessoa que abordara com um simpático bom-dia não lhe tivesse respondido, nem que fosse com um deseducado «só se for para si»... Até lá, não arredava pé. E avançou com um boa-tarde, que entretanto se justificava, dadas as horas.


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04 janeiro 2021

Temperatura(s) baixa(s)

_ Está um frio do caraças!...

_ Defina 'caraças'.

_ Na versão culta ou na carroceira...?

_ Comme ci, comme ça...

 


 


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Plano muito nas nuvens. Será que (o) faço bem?

Depende do brevete.

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Espremidela

É a parte mais fácil do processo: escolher a opção nova mensagem. Carrega-se numa espécie de botão e um exemplar digital da celebérrima «página em branco» aparece, certo que com alguns enfeites já instalados, mas sem o palpitante da procissão de letras, rabiscos, gatafunhos, desenhos, ilustrações, o que seja, já nela inscritos. Essa parte do processo fica para quem pega na pena ou no seu equivalente, tecla, lápis, caneta, pincel, and son on, à procura de uma espécie de sumo ou de papa que se obtém espremendo as meninges, a carne ou a alma. Não parecendo uma perspectiva animadora,a surpresa advém de muitos o continuarem a fazer, um dia, dois dias, vários dias, toda uma vida. É obra!



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03 janeiro 2021

Atenções

Eram dois estranhos na própria casa. Raramente se viam. Pressentiam-se pelos passos. Um dia, um deles procurou o outro e pediu-lhe um pedacinho de queijo, que desculpasse. O outro não disse nada, mas foi buscar-lhe um pedacinho de queijo. Achou graça ao nome: poison.

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Devoção

À hora determinada faleceu. Sem um lamento, um suspiro, nada. Foi uma morte santa. Ergueram-lhe um altar e agora prestam-lhe culto.

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Utensílio

Escarafunchou até não poder mais. Não gostou do resultado e as unhas estavam gastas, sem brilho nem verniz. Da próxima, usaria picareta.

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02 janeiro 2021

Corredor

Speedy Gonzales, gritando «Yeehaw! Andale! Andale! Arriba! Arriba», apareceu envolto numa nuvem de pó. Foi mandado parar numa operação stop. Multaram-no por causa do ruído e do pó. Mesmo assim, quis soprar no balão. Mas estava furado.

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Sentado

Era um escritor conhecido. Sentara-se numa mesa ao seu lado, acompanhado da esposa. Tirando ele, ninguém na sua mesa o conhecia. Se calhar o escritor não seria tão conhecido quanto se pensava ou os da mesa ao lado padeciam de informação. Ficava a dúvida... A posta, pelo contrário, estava no ponto.

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Inábil

Era fraco como manipulador. Mesmo nas cartas, a arte mais básica, enganava-se nas sequências e desconhecia o valor, por erros de interpretação e juízos obtusos, com erros pelo meio e no fim das palavras, mas não no princípio, o que era curioso. Havia esperança, mas pouca. No choradinho também não se safava, por excesso ou por defeito, uma desconsideração para as carpideiras e um perfeito incapaz para as lágrimas de crocodilo.

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01 janeiro 2021

Ao jeito da dança

A prosa começou por lhe sair enrolada, para não dizer chocha. Ainda pensou em dar-lhe com um pau, a ver se a esticava, mas achou que era despropositado. Apesar de tudo, sempre era ano novo. Quanto aos votos, não sabia como convencê-los ou mobilizá-los. Uns queriam mais dinheiro, outros mais regalias, outros mais saúde, paz e amor. Era um clássico. Um tudo ou nada desbotado, mas um clássico. Mesmo assim, achava pouco satisfatório, mais a mais porque tinha estado a dar uma vista de olhos por entradas de outros anos e pareciam-lhe com mais peito. Se calhar porque teriam feito mais exercício ou comido ou bebido mais, não se sabia e não se podia agora confirmar. Voltou a equacionar o pau, mas de novo recusou, talvez porque se estava a deixar enfeitiçar por uma música que passava na televisão, dedicado a valsas e típico desta data. Ainda tentou ensaiar uns passos, mas rapidamente desistiu porque começou a sentir uma dor na barriga das pernas, uma típica dor de quem não está habituado a dançar a valsa, mas sim a bater o pé no sofá e a abanar a mão ao som do compasso. Fora do devaneio, talvez haja uma luz. Ténue, frágil, assustadiça, mas com algum brilho. Compete-nos dar-lhe o calor e a protecção que lhe possam faltar. Foi isso que explicou ao pau e, aparentemente, terá conseguido demovê-lo de fins menos apropriados para com a vassoura, que não tinha culpa nenhuma das atribulações da prosa e do seu autor. Veremos se as coisas melhoram. Até lá, dancemos o vira. Virou!

 


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De estaca

Um gesto simples pode ter um significado fortíssimo. Para começar o ano, nada melhor do que plantar uma estaca de alfazema.

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