Passeava por uma rua de Lisboa, não interessa qual, quando me cai uma pinga de chuva na cabeça. Talvez surpreendido pelo inesperado do fenómeno meteorológico, num dia em que parecia ocorrer uma pausa nas chuvadas dos últimos tempos, sai-me a palavra «espingaçar» para caracterizar o evento, ansiando eu, passe a imodéstia, que ela pudesse corresponder, ainda que tenuamente e salvaguardando as devidas distâncias e proporções, à famosa «Eureka!» de Arquimedes...
Sem saber se a palavra existia ou não, uma das coisas que não podia negar era a de me ter afeiçoado à sua sonoridade e ao sentido que lhe tinha atribuído, em minha opinião constituindo uma ligação e uma combinação felizes entre duas outras, «pingar» e «chuviscar», a que o prefixo «es» dava uma coloração e um toque especiais, fonético e semântico.
Para tratar da minha hipótese de ter descoberto uma nova palavra ou de estar a utilizá-la sem autorização de autor ou autora encartados, fiz o que costumo fazer nesta época de recursos e motores de pesquisa
on-line: procurar referenciá-la nos milhares e milhares de entradas na
net. O resultado foi em vão: nada de «espingaçar»!...
É certo que isto não é uma garantia acerca da «existência» ou da «inexistência» de «espingaçar», uma vez que falta a consulta dos meios e dos cânones especializados nestas matérias, por isso fica apenas a chamada de atenção, à espera de comprovativo abalizado. Contudo, «não vá o diabo tecê-las!», avanço com o «pré-registo de nascimento»:
Nome : «Espingaçar»;
Pai: eu;
Mãe: a minha cabeça;
Local de nascimento: rua de Lisboa;
Dia e hora de nascimento: 9 de Dezembro de 2010, às 16h30.
Feito «o registo», só me resta desejar as maiores venturas ao recém-neologismo, mesmo que só na minha opção ficcional e estilística, esperando que o seu «nascimento» possa, um dia, ficar registado num obscuro e desconhecido trabalho de investigação filológica, nem que seja numa, mais obscura ainda, nota de rodapé...
Seja como for, nestas coisas de «pais e filhos», com esta minha descoberta e/ou criação do «espingaçar» devo ter obtido uma satisfação semelhante a um pai, amigo meu, que presenciou, entre o incrédulo e o embevecido, o seu filho mais novo, recém-iniciado na aprendizagem das primeiras letras do alfabeto, confrontar o seu progenitor com um «feito» assombroso sobre as suas competências enquanto «leitor», ao reproduzir, sem hesitações, a «leitura» integral de dois textos de um livro escolar, deixando o atordoado pai com uma razoável palpitação de que o seu rebento era, no mínimo, um prodígio!...
Coitado do pai! No seu amor filial, esquecera-se que o prodígio, patenteado pelo seu filho, mais não era do que a aplicação prática de algo que costuma verificar-se nessas faixas etárias e no contexto da aprendizagem das letras e da leitura: a memorização, pura e simples, do que alguém lê para eles. Ou seja, de acordo com o espírito deste já longo
post, mais do que ler, o que o miúdo tinha feito era «lecorar»...
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