31 maio 2014

Irreconhecível

Era especialista na arte do engano, dando-se ao respeito e exigindo reconhecimento. Foi o que fez e não aconteceu.

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Pontual

O destino marcou a hora. Como era habitual, ninguém lá estava. Esperou alguns minutos, em nome da praxe, e marcou-lhes falta.

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30 maio 2014

Limpeza

Varreu-se da memória e isso constituiu um problema. Da próxima vez, garantiu, em vez de uma vassoura usaria um pano.

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25 maio 2014

Medalha

A refeição correra bem. Quando a chamaram ao pódio, para a condecorar, ninguém sabia qual era e onde é que estava.

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24 maio 2014

Prendas

_ Trago aqui uma galinha.
_ É médico?
_ Sim.
_ 2:ª porta à esquerda, no fundo do corredor.
_ Bom dia.
_ Bom dia.
_ Venho entregar umas couves.
_ É médica?
_ Não, mas a minha prima é e ela não pôde vir.
_ Lamento, mas tem que ser ela. Próximo!
_ Uma dúzia de ovos entrega-se onde?
_ É médico?
_ Não. Sou da mercearia. É para o Economato.
_ Já passou pela segurança?
_ Já.
_ Então, não há problema. Ao cimo das escadas, no balcão.

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Espaço aéreo

Era um drone da nova geração, testado e apetrechado para utilizações diversas. Contabilizava já várias horas de voo, sendo aquela a primeira vez que iria ser operacionalizado em ambiente real. Tudo estava a correr bem, mas de repente a imagem desapareceu do ecrã. Os dias passaram e foi aberta uma investigação. Mais dias passaram. Finalmente, os resultados foram divulgados: o drone tinha sido derrubado por uma fisga, que se encontra em fuga.

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Loiça

Partiu a loiça. Quando quis comer a sopa, porém, é que começaram os problemas.

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2 em 1

Gostava muito de música. Achava que tinha bom ouvido, mas não sabia tocar nenhum instrumento. Mesmo que soubesse, ficava indeciso sobre qual seria: o piano?, a guitarra?, o saxofone? ou o violino?... Enquanto não resolvia a incapacidade e a dúvida ia assobiando, dedilhando no vazio ou ritmando nas superfícies que estavam à mão. Um dia, sentado na cadeira, descobriu que tinha refegos. De tal facto, ao princípio, concluiu sobre os efeitos da idade, a que a um abandono ginástico dava uma ajuda. Depois - quem sabe se motivado pelo ouvido?... - resolveu dois problemas numa só solução, começando a dedilhar uma das músicas sem idade, mas de que se gosta quando se tem menos e, às vezes, quando se tem mais... Remédio e música santos!... E foi assim, para quem quis ouvir e ver, que se fez música ao som dos dedos dedilhando os refegos como cordas.


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18 maio 2014

Palavrário de sucesso

Era criador de palavras, mas nem sempre o fora. Começara a sua vida pelo Além (de que se fartou depressa), passando-se de armas e alguma bagagem para o Aquém, numa fase da vida em que o aconselharam o investir no terreno dos afectos e «desafoitos» pela noite dentro, mantendo um negócio de porta semi-aberta, desbragada e com a lamparina acesa. Quando recorda esses dias, diz quem o ouviu, lembra-se de ter tido uma espécie de pressentimento do que viria a ser a sua vida futura, utilizando, pela primeiríssima vez, o célebre (hoje) neologismo «adaputacionar». Mas isso foram tempos de que se recorda, para trás lançados, e que já não voltam nem de boleia.
Eis, pois, o momento presente de criador de palavras, não de galinhas (como era o seu desejo e do crédito de que dispunha), curvado pela vénia do agradecimento a uma linha de crédito bonificada, destinada a empresários «autociosos», baptizada com o nome «balsântico» de 'Leve e Use'. O que ele fez.
Começou a criação com um substantivo e um verbo, hoje retirados. O franchising de alfabetos está «florescrevente» e já pensa «escrevestir» em viagens espaciais,  no segmento das mensagens por rádiotelescópio. Sobre o futuro nada diz, mas assume-se «confortante».

(em dívida para com Mia Couto)


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Raposos

Um matreiro e uma matreira combinaram fazer a cama e esqueceram-se dos lençóis.


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Pendente

Atirou a moeda ao ar e ela não caiu.

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17 maio 2014

Camadas

Tinha a pior pele, mas o melhor fundo.

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Nódoas

Era uma porrada de almas. Quando se separaram, ficou o sangue.

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Magia

Deitou-se com uma mulher e acordou com outra.

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11 maio 2014

Batido

Não podia com uma gata pelo rabo. Pelas patas ou pelas orelhas, o resultado era o mesmo: não podia. Sugeriram-lhe os gambozinos e deu-se melhor.

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Despacho

A sorte protegeu o audaz e foi exonerada.

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Prefixo

Nesse dia, o impecável convidou a impecável para tomar um copo, que aceitou. Combinaram encontrar-se às tantas horas, vestidos de forma informal, embora irrepreensível. Assim fizeram. Depois do primeiro copo, outros se seguiram (não muitos), mas os adequados. Pediram a conta e saíram. Cá fora, despediram-se e trocaram números de telemóvel, com a promessa de que um dia (breve, prometeram) deixariam os respectivos «im» em casa.


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Talho

Obteve as coisas, mas saíram-lhe do lombo. Não das pernas, das mãos ou da cabeça, mas do lombo. E aqui residiu a diferença, sabe-se lá por que critério gastronómico. As costas é que pagaram e nunca mais andou direito.

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10 maio 2014

Circuito

O evento era um must social e turístico. À medida que o início da corrida se aproximava, a excitação aumentava. Na pista, afinavam-se os detalhes. Para os conhecedores, era evidente que nesse ano se apostara no tuning. E isso em todos os concorrentes. Finalmente, a bandeira baixou. Os galgos foram todos desclassificados. A lebre recebeu a coroa de louros.


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Primas

_ Viu a Revolução?
_ Hoje, ainda não a vi. Deve estar a aparecer para tomar café.
_ Como é que ela está?
_ Vai andando. Queixa-se das costas, às vezes.
_ Está reformada?
_ Parece que meteu os papéis, mas os processos estão atrasados. Talvez lá para o Outono.
_ Sem penalização?
_ Ainda não sabe. Está à espera do Tribunal.
_ Continua a fazer desporto?
_ Pouco. Os netos deixam-lhe pouco tempo.
_ E política, ainda se mete nisso?
_ Agora, é mais sopas e descanso. Há que dar lugar aos novos, defende.
_ E a prima, a Contra-Revolução?
_ Emigrou.

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Educada

A bala roçou-lhe o ombro e pediu desculpa.

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Código

Conduziu o raciocínio num determinado sentido. Quando se apercebeu, era proibido.

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Vedor

Procedeu como de costume: montou a estrutura e certificou-se de que estava segura. Já era algo que o cansava, mas ia-o mantendo. Suspirou. Lá lançou a sonda e esperou. Nunca se sabia o que iria encontrar ou se iria encontrar alguma coisa. Teve sorte, desta vez: uma camada de pensamentos profundos fora detectada.

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09 maio 2014

Livro

Filomeno, de Gonzallo Torrente Ballester.

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04 maio 2014

Tótó(loto)

A sorte veio ter com ele e cravou-lhe um cigarro.

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Passeio

Era uma pessoa tímida. Mesmo nas situações em que poderia impor-se, como nas deslocações pelos passeios. Muitas vezes a alertaram para o perigo, mas manifestou sempre uma olímpica indiferença, que os mais próximos sabiam ser pudor. Até um dia, em que o que se receava aconteceu. Passeava pelo passeio preferido. À sua frente, duas pessoas não se afastaram e fizeram ouvidos de mercador ao pedido de passagem, feito em tom delicado e urbano. Como era habitual não se enfureceu, respirou fundo e passou para a estrada. Foi atropelada.


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Ânimo

_ Como é que se define?
_ Sou uma pessoa rasca.
_ Quer precisar melhor?
_ Nasci rasca; vivo à rasca; duvido que não morra rasca.
_ Fez alguma formação?
_ O normal: o rasca básico, o complementar e a licenciatura. Fiquei por aqui, pois desisti da pós-graduação.
_ Arrependeu-se?
_ Nem por isso.
_ Mudemos de assunto. Como é ser rasca, neste mundo da globalização?
_ Mais ou menos. Aos sábados é mais complicado.
_ Porquê aos sábados?
_ Porque é nos sábados que a minha condição de rasca sobressai.
_ Faz algo que não deve?
_ Se calhar... não. Só medito.
_ Pensa que poderia não ser rasca, é isso?
_ Não. Gosto de ser rasca. Poderia era ser melhor - o inconseguimento é que me incomoda.
_ Antevê alguma solução?
_ Ser um rasca melhor. Hei-de conseguir, estou certo.
_ Quer deixar alguma mensagem, agora que o nosso tempo está a chegar ao fim?
_ Assim, de momento, não estou a ver nada... Mesmo assim, apelo aos rascas para que não desistam. É tudo o que tenho para dizer.

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03 maio 2014

Activista

Falava do fundo do coração. E, para se ouvir melhor, usava um megafone.

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Shelfie

A notícia era importante e decerto iria fazer parar as máquinas: as shelfies (de shelf, prateleira), fotografias de prateleiras publicadas no Instagram, estavam a transformar-se na nova moda, ameaçando destronar as selfies, as auto-fotografias dos respectivos autores. Nas bibliotecas já devem estar a esfregar as mãos e os dedos... Click!

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Campanha

_ Aquele ali, quem é?
_ Um tubarão. Não te metas com ele...
_ Chama-o lá. Pode ser que aceite o negócio.
_ Está bem. Depois, não digas que não te avisei...
_ Boa tarde. Como vai?
_ Bem, obrigado. E o meu amigo?
_ Também vou bem, obrigado. Tenho uma proposta para lhe fazer.
_ Sou todo ouvidos.
_ Disseram-me que é o melhor representante no mercado e que a sua carteira é vasta. Não quer apresentá-la?
_ Com certeza. De que target estamos a falar?
_ Generalista, maioritariamente adulto.
_ Muito bem. E a duração da campanha?
_ Ao longo do ano, com especial incidência para o período de trabalho.
_ Toda a comunicação social?
_ Talvez não... Gostaria mais nos computadores e nas latas de sardinhas.
_ Também com pop-ups, suponho...?
_ Sim, sobretudo a meio da mensagem. É conveniente que as pessoas reflictam sobre o que estão a ver.
_ Quando é que a quer em produção?
_ Amanhã, pode ser?...
_ Ainda hoje, fique tranquilo. Deixo-lhe o meu cartão. Qualquer coisa... já sabe.
_ Estamos então de acordo?
_ Já estou a trabalhar. Está visto que ainda não se apercebeu...
_ De facto...
_ Não me surpreende. Por isso é que nós, a Disparate Lda, lideramos o mercado...



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Lombelo

Cortava as palavras como um talhante: apalpando a gramática e com faca afiada. Buscava o talhe perfeito, ideal para bife, sem interjeição.




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01 maio 2014

Previsão

O boletim meteorológico na TV.

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Cronos

Via mal. Apesar disso, persistia nos hábitos - como o de mudar o dia do calendário no relógio. Mas não conseguia. Não se preocupava, porém, e encontrava-lhe uma justificação: o tempo parara.

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Bolinar

Quando passava, todos diziam: «Vai ali o grande timoneiro do pequeno barco». Nunca se percebia, só depois: sonhara descobrir um caminho marítimo, mas resignara-se à pesca à linha.

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