Era um jornalista jovem, saído há pouco da faculdade. Era o seu primeiro trabalho e logo uma reportagem. Estava nervoso, notava-se. O seu chefe apenas lhe dera indicações vagas, pouco mais do que o local onde deveria deslocar-se para executar o trabalho e qualquer coisa como «Parece que é mais uma manifestação espontânea. Deve ser dos professores. Vai lá e traz-me algo que se veja».
Não deu parte de fraco e pôs-se a andar. Sendo o primeiro trabalho a sério, havia que fazer pela vida. Nas redacções, a vida não estava fácil para os jovens jornalistas. Era pegar ou... ala para o desemprego!
Chegou ao local da reportagem e não conteve uma exclamação «Mas, que raio é isto?!».
A surpresa, transformada em apreensão, começou a inquietá-lo. À sua frente, envoltos numa espessa nuvem de fumo, era possível aperceber-se dos contornos das pessoas, todas elas fazendo gestos mecânicos e regulares. Apesar do fumo, estranhava não ver polícia, bombeiros nem a protecção civil, nada. Apenas os gestos das pessoas, envoltas pela nuvem de fumo. Aproximou-se, não sem receio. De quando em quando, ouvia tossir. Aproximou-me mais.
Nos últimos dias, recordava-se, as manifestações espontâneas, marcadas por sms, tinham marcado a agenda mediática. Eram convocadas por professores e ameaçavam colocar o universo da educação em brasa. O Governo começava a ficar preocupado e os sindicatos, mesmo que o não reconhecessem publicamente, corriam o risco de ser ultrapassados pelo movimento. Fosse como fosse, as manifestações até então tinham sido pacíficas, sem registo de incidentes. Com esta, contudo, algo parecia mais inquietante: o fumo, que cada vez se notava mais, e as tosses, com intensidades e variações diversas, pareciam ser preocupantes. O repórter não queria acreditar no que estava a presenciar e a vivenciar, logo no seu primeiro trabalho. Apercebendo-se do crescendo da sua tensão e do fumo, que persistia, o jovem repórter não acreditava que a situação se mantivesse inalterável, suspeitando que, a breve trecho, a polícia, os bombeiros e a protecção civil não deixariam de aparecer. Havia que aproveitar a oportunidade, antes que fosse tarde. O movimento dos professores, ao que parecia, tinha-se radicalizado - a presença da fumarada, cada vez mais espessa, aí estava para o confirmar.
Aproximou-se mais. Se conseguisse falar com alguém antes, era um «furo»! Encheu-se de brios e de coragem e entrou na espessa nuvem, disposto a obter declarações que, pensava ele, lhe iriam coroar o título da reportagem... quiçá uma chamada à capa! Havia que aproveitar e fazer a reportagem, o seu primeiro trabalho jornalístico sério e a sério.
Avançou para a nuvem de fumo. As tosses ouviam-se agora de forma audível. Pegou no microfone e disparou a pergunta:
- Diga-me, os professores radicalizaram a luta? Não temem as consequências desta radicalização?
O seu interlocutor, atónito, pareceu não estar a contar com a pergunta e balbuciou:
- Professores?!... Luta?!...
-Sim - continuava o repórter - confirma ou não que os professores radicalizaram a sua luta, como esta fumarada parece estar já a indiciar?
- Ah, a fumarada! - sorriu o manifestante. Se há aqui professores, não sei. O que há aqui, e muitos, é fumadores... Era uma concentração de fumadores!
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