29 março 2008

Memórias

Ainda me surpreendo com as reuniões familiares. Na evocação de memórias descobri que também pode haver lugar para novidade. No caso em concreto, não tenho dúvidas de que foi algo que contribuiu para o reforço dos afectos e dos laços comuns.

Etiquetas:

28 março 2008

Uma questão de consciência

Quem vai ao cinema vai à espera ou à procura de algo. A ida pode ser originada por vários motivos, uns de coloração mais optimista, outros de feição mais pessimista. É nesta diversidade de motivos que reside muito do fascínio e do êxito do cinema, constituindo, para um conjunto heterogéneo de interessados, uma experiência artística e emocional privilegiada.
Desde o seu aparecimento, o cinema foi um dos palcos escolhidos para expressar e manifestar sonhos e ou desejos, substituindo-se (quantas vezes!) a outras formas de catarse ou de sublimação. Como exemplos, poderia invocar o desejo de Justiça ou o do triunfo do Bem sobre o Mal, dois dos temas que mais vezes foram tratados e (re)criados na tela, que correspondem a anseios fundamentais dos cidadãos, embora escamoteados e denegados, muitas das vezes. Havendo consciência deste estado de coisas, real ou imaginado, abre-se o caminho para a catarse do cinema, meio escolhido para proceder, de forma justa, equilibrada e necessária ao reestabelecimento do equilíbrio perdido, expurgado dos resquícios da injustiça - os «finais felizes» também se fazem e vivem disto.
Na busca da concretização da Justiça, ou daquilo que se convencionou como o «ser justo», há um género de filmes, com uma longa e sólida tradição na história do Cinema, maioritariamente protagonizados por advogados ou juízes, em que o tema, o enredo e o desenvolvimento da acção giram em torno desta experiência e deste conceito. É este o universo onde se move o filme Michael Clayton: uma questão de consciência.
No filme, o seu protagonista, George Clooney, é um personagem em busca de redenção, em busca de remir os seus «pecados», grandes ou pequenos, após um processo tortuoso de aprendizagem e transcendência, pessoal e vivencial.
Talvez pelas dissemelhanças, lembrei-me de um outro filme, «E Justiça para Todos», com Al Pacino no principal papel. Neste, como em Michael Clayton, o objectivo também é o de fazer triunfar a justiça. Podem os protagonistas, as motivações e os meios serem diferentes (e são-no, de facto), mas o objectivo é o mesmo: fazer justiça. E ambos o conseguem, mesmo que seja só no cinema. Daí o seu fascínio.

Etiquetas:

27 março 2008

As «Companhias Teatrais»

Hoje, comemora-se o Dia Mundial do Teatro.
Façamos um pequeno esforço e recuemos um dia, para o dia de ontem, dia em que jogaram, em jogo amigável, de preparação, de «desforra», o que quiserem escolher, as selecções de Portugal e a da Grécia. A Grécia ganhou por 2-1 e ganhou bem.
Em linguagem de teatro, diria que no dia de ontem estiveram «no palco» duas «companhias»: uma «profissional», a da Grécia, e outra «amadora», a de Portugal. E o resultado, a performance, se quisermos, viu-se.
Quanto aos «encenadores», Rehhagel e Scolari, também me pareceu que o alemão ensaia já de cor e o brasileiro não terá estudado (ou compreendido?...) bem o «guião».
Mas, vamos ter calma. Quanto aos «sonhos» de campeão europeu, que muita gente acalenta, aí é que me parece que já não vamos a tempo: a oportunidade existiu, de facto, mas em 2004, em Portugal! Então, só esquecemos (menorizámos?...) uma selecção... Essa mesmo, a Grécia! Como ontem.
Hoje é o Dia Mundial do Teatro. Boas peças!

Etiquetas:

Baixa do IVA

O Governo anunciou a baixa do IVA de 21 para 20%. Considere-se a medida como eleitoralista ou, noutra perspectiva, como gesto político-administrativo responsável e necessário, o que é certo é que a taxa do imposto baixa. Sendo o IVA um imposto que é pago pelos consumidores finais, que somos todos, parece uma boa notícia para estes. Crédito para o Governo, portanto. Se a descida do imposto vai implicar uma descida dos preços, como seria lógico e razoável admitir, é que já tenho as minhas dúvidas, que não são só minhas e são alicerçadas em exemplos recentes. E aqui, caso os preços não diminuam, a responsabilidade maior terá que ser imputada aos empresários e comerciantes, sendo também um problema da fiscalização do Estado.

Etiquetas:

25 março 2008

Reforma(s)

Há frases, excertos, citações que têm uma qualidade ímpar para sintetizar e/ou clarificar situações, cenários, realidades. Hoje deparei-me com uma, que extraí do jornal gratuito Meia Hora, da autoria do Secretário-Geral da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, Manuel Ramos Soares, feita a propósito do novo mapa judiciário português, mas que pode facilmente generalizar-se para todas as outras «reformas» avançadas ou apregoadas no País:
«(...) A parte barata da reforma está feita: uma lei, um powerpoint, duas ou três conferências de imprensa e muitos discursos. O que falta agora é aquela parte mais difícil, a de fazer coisas e gastar dinheiro (...).».

Etiquetas:

«Tchispado»

Pela manhã, um carro acelera pela avenida. Há pouco trânsito e o carro aproveita, embora exagere - estamos numa cidade e a avenida não é propriamente uma pista. Interrogo-me se isto seria necessário, este exibicionismo dos cavalos (muitos ou poucos, não sei) do carro ou da irresponsabilidade do condutor. Fosse da aceleração ou do receio no atravessar da estrada, o que é certo é que me ocorreu uma palavra alusiva à cena: «chispado!», ou «tchispado!», que é uma fonética mais conforme à proveniência geográfica, querendo com isto ilustrar a sensação de velocidade que presenciava no movimento do carro, tal e qual como se «lançasse» chispas. Pois é verdade, «chispado»!
Este ressurgimento de uma palavra e de um conceito que já não usava há muito tempo fez-me pensar se, mais do que um fenómeno com ressonâncias psicológicas, que remete para o domínio da memória, não teria passado antes por uma experiência de âmbito filosófico, mais propriamente da área da filosofia da linguagem ou da ontologia. Pelo menos, esta incerteza foi algo que me entreteve ao longo do resto da caminhada e que, pelos vistos, ainda perdura. Dizendo de outra forma: foi algo que, mais do que passando «tchispado», permanece e se mantém, à espera de uma oportunidade de resolução. Que pode ser lenta e demorada.

Etiquetas:

21 março 2008

Haverá Day-Lewis

Haverá Sangue é um filme feito para Daniel Day-Lewis brilhar. Quase apetece dizer, «Haverá Day-Lewis»!
Depois de ter visto o filme, julgo ter compreendido porque é que o actor ganhou o respectivo Óscar. É uma interpretação fora-de-série, arrancada das profundezas do corpo e da alma (que não existe?...), numa analogia com o processo de extracção do petróleo e com todas as consequências que daí advêm: sociais, económicas, éticas.
A personagem que Day-Lewis cria é manipuladora, excessiva, demencial - diabólica, diria - num trabalho de actor que se vai acompanhando e reafirmando ao longo do filme, capaz de provocar sentimentos contraditórios de fascínio ou de repulsa. É uma grande interpretação!

Etiquetas:

19 março 2008

Dia do Pai

Aprendi algumas coisas com o meu pai. Deixar acumular experiência, uma delas. É um processo longo e maturado, que não se compadece com tempos de duração curta ou efémera. Muita da tensão, natural, no relacionamento entre pais e filhos advém desta vivência diferenciada da vida e do mundo, medida em escalas temporais diferentes: mais dilatada e complexa, nos pais; mais imediata e linear, nos filhos.
Não se nasce ensinado, de facto, à excepção, talvez, do que diga respeito à sobrevivência. E isso tem um preço - as certezas e as verdades inquestionáveis não podem ocorrer ou aparecer logo de início, sem passarem o crivo da experiência. Pensá-lo ou admiti-lo é laborar num erro, na maior parte das vezes funesto. E isto aprendi com o meu pai, mesmo que ele nunca mo tivesse explicitamente dito ou apontado. Assumiu-se como exemplo, simplesmente. Agradeço-lhe por isso.

Etiquetas:

18 março 2008

Impacto

Há poucos dias atrás, vi um documentário americano sobre soldados que tinham sofrido ferimentos graves no Iraque. Havia de tudo: lesões cerebrais, amputações, cegueira, stress pós-traumático. Os militares, homens e mulheres, e respectivas famílias tinham ficado marcados para sempre. Profundamente marcados, apesar da coragem e da dignidade que mostravam e assumiam. Não era uma situação fácil de ver e, muito menos, de conviver, mesmo para quem está sentado no sofá, a milhares de quilómetros, como é o nosso caso, se calhar mais «preocupados» com a politiqueirice interna ou com a crise do Benfica...
Dada a dimensão e os resultados catastróficos da intervenção no Iraque, não consigo imaginar a dimensão do impacto que um programa destes deve provocar nos EUA, mas deve ser grande. Não consigo imaginar.

Etiquetas:

17 março 2008

Este Filme Não É Para Nós?

«Desconfortável» é a palavra de que me recordo para caracterizar o visionamento do filme dos irmãos Coen, No Country For Old Men, «Este País Não É Para Velhos», na tradução portuguesa. E desconfortável porquê?
Uma das razões, penso, tem a ver com o que eu, enquanto cidadão amador de cinema, idealizarei, consciente ou inconscientemente, sobre o que é ou deveria ser «um filme com um Óscar de melhor filme». Ao contrário do especialista ou do crítico, o amador raramente se liberta de uma vaga e indefinível noção de «gostar ou não gostar de» ou do «percebi ou não percebi». E muitos dos equívocos decorrem daqui. Não sendo um filme de apreensão fácil e imediata - longe disso -,diria que «Este País Não É Para Velhos» é, passe o trocadilho, «Este Filme Não é Para Nós». «Nós», os amadores, está bem de ver. Mas também poderia ir mais longe neste «nós», parece-me, se quiser estabelecer um contraponto entre uma vivência e uma maneira de ser e estar muito americana, se comparada com a europeia - é indubitável que o filme respira e sustenta-se de um quadro de referências, de personagens e de uma mitologia mais tipica e genuinamente americanos, mesmo que estereotipados.
No Country For Old Men não é um filme de adesão fácil, como facilmente se conclui. Ajuda alguma coisa, contudo, se se tiver lido o livro que esteve na sua origem, com o mesmo nome, de Cormac McCarthy.
O livro - de que gostei bastante - deu-me pistas para melhor compreender o filme, enquadrando-o. Neste aspecto, as partes que contêm as reflexões do xerife Bell - Tommy Lee Jones, de novo, num grande papel - são absolutamente notáveis.
No Country For Old Men talvez seja um daqueles filmes que tem que se ver outra vez: para confirmar, para infirmar, para comparar, para elogiar ou para denegrir. É um filme de uma grande violência, de facto, mas isso não o enaltece ou desmerece por si só. Sobre ele, contudo, permanecerá sempre a questão, que é esta: «Este Filme Não É Para Nós»?...

Etiquetas:

14 março 2008

Voyeurismo

Os líderes dos dois principais partidos, PS e PSD, José Sócrates e Luís Filipe Menezes, deram-se a conhecer através de reportagens da SIC. Julgo que se percebe a intenção, que é a de humanizar e popularizar as respectivas imagens e personagens, mas que me parece escusado, senão mesmo contraproducente. Pode ser uma excelente ideia de marketing - acredito que sim e com alguns resultados - mas, no limite, conduz é à tentação do voyeurismo. É certo que são figuras públicas, mas penso que ainda têm direito a algum recato. Em rigor, para a apreciação e o escrutínio políticos o que é que se ganha em saber com quem se almoça e aonde, onde se corta o cabelo ou se toma a bica?

Etiquetas:

11 março 2008

Pequenos gestos

Os pequenos gestos podem marcar (e muito!) o quotidiano das pessoas. Há sempre uma margem, mesmo que mínima ou imperceptível, para os pequenos gestos: um sorriso, uma atenção, um galanteio, um incentivo, um cumprimento, uma disponibilidade. Podem significar a fronteira entre a (con)vivência e a (des)vivência.

Etiquetas: ,

09 março 2008

Água mole...

A realização da manifestação dos professores foi um êxito. Isso é inegável. O Governo não pode iludir ou escamotear os números e o que se viu nas televisões. Mas duvido que ceda na reivindicação maior dos manifestantes - a demissão da ministra ou a suspensão do processo de avaliação, ainda não cheguei a perceber qual delas é, se estão separadas ou intrinsecamente ligadas. Talvez haja alguém que saiba. Extremadas as posições, não estou a ver recuo de qualquer das partes - é o problema do perder a face...
O Governo, contudo, começa a estar no fio da navalha. As eleições ainda demoram e o clima de conflito pode ter tendência a continuar. O Governo corre o risco, à semelhança do ditado, de que«água mole em pedra dura...».

Etiquetas:

06 março 2008

Não chora, Tibi!

«Não chora, Tibi!».
Lembrei-me desta frase - que pelos vistos é uma corruptela da original «Vai buscá-la, Tibi!», da autoria de Gomes Amaro, um relatador muito conhecido a Norte - ontem, após o jogo Porto-Schalke 04.
Como só vi o jogo a partir, precisamente, do golo do Lucho - um golaço! -, tenho que me contentar com os comentários que vi e li sobre o jogo, praticamente unânimes em reconhecer que o Porto podia e devia ter passado a eliminatória, pois terá feito e criado jogo e oportunidades suficientes para isso. Não o fez na altura certa e, é certo e sabido, isso costuma pagar-se. Foi o que aconteceu.
E aí aparece o Tibi, um guarda-redes do Porto na década de 70, de quem já não me lembrava há muitos anos, mas, sobretudo, a dita frase - corrompida, pelos vistos.
Quase podia jurar, a pés juntos, que ela seria tal como a recordava, reminiscência de relatos de jogos de futebol e de relatadores entusiasmados e vibrantes. Se calhar, estava ou estou enganado. Como devem ter ficado os jogadores do Porto, quando viram o sonho desta época desabar.
Resta o Tibi, está visto. Será que, também ele, o Tibi, olhou para o passar do tempo e pensou: « Vai buscá-lo (o tempo), Tibi!... Não chora, Tibi!»

Etiquetas:

04 março 2008

UE(visão)

Num artigo publicado no Público, no domingo, com o título "A Rússia tem apertado o cerco ao Ocidente. Uma Europa unida tem de a enfrentar", da autoria de Timothy Garton Ash, chamou-me a atenção o seguinte excerto, que não é nada abonatório para a União Europeia e respectivos estados-membro:
«É uma regra consensualmente aceite que, quando se pretende ver a UE (União Europeia) na sua forma mais dividida, lânguida e implausível, tal deve ser feito a partir do ponto de vista vantajoso de um país rico, grande e poderoso, seja a Rússia, a China ou os Estados Unidos.
Políticos em Pequim, Moscovo e Washington partilham visões da UE que vão do cepticismo ao desdém - pois vêem cada um dos governos nacionais a dirigirem-se-lhes privadamente, de boné na mão, para fazerem o seu próprio negócio. (...)».

Etiquetas:

01 março 2008

Manifesta(ções)

Era um jornalista jovem, saído há pouco da faculdade. Era o seu primeiro trabalho e logo uma reportagem. Estava nervoso, notava-se. O seu chefe apenas lhe dera indicações vagas, pouco mais do que o local onde deveria deslocar-se para executar o trabalho e qualquer coisa como «Parece que é mais uma manifestação espontânea. Deve ser dos professores. Vai lá e traz-me algo que se veja».
Não deu parte de fraco e pôs-se a andar. Sendo o primeiro trabalho a sério, havia que fazer pela vida. Nas redacções, a vida não estava fácil para os jovens jornalistas. Era pegar ou... ala para o desemprego!
Chegou ao local da reportagem e não conteve uma exclamação «Mas, que raio é isto?!».
A surpresa, transformada em apreensão, começou a inquietá-lo. À sua frente, envoltos numa espessa nuvem de fumo, era possível aperceber-se dos contornos das pessoas, todas elas fazendo gestos mecânicos e regulares. Apesar do fumo, estranhava não ver polícia, bombeiros nem a protecção civil, nada. Apenas os gestos das pessoas, envoltas pela nuvem de fumo. Aproximou-se, não sem receio. De quando em quando, ouvia tossir. Aproximou-me mais.
Nos últimos dias, recordava-se, as manifestações espontâneas, marcadas por sms, tinham marcado a agenda mediática. Eram convocadas por professores e ameaçavam colocar o universo da educação em brasa. O Governo começava a ficar preocupado e os sindicatos, mesmo que o não reconhecessem publicamente, corriam o risco de ser ultrapassados pelo movimento. Fosse como fosse, as manifestações até então tinham sido pacíficas, sem registo de incidentes. Com esta, contudo, algo parecia mais inquietante: o fumo, que cada vez se notava mais, e as tosses, com intensidades e variações diversas, pareciam ser preocupantes. O repórter não queria acreditar no que estava a presenciar e a vivenciar, logo no seu primeiro trabalho. Apercebendo-se do crescendo da sua tensão e do fumo, que persistia, o jovem repórter não acreditava que a situação se mantivesse inalterável, suspeitando que, a breve trecho, a polícia, os bombeiros e a protecção civil não deixariam de aparecer. Havia que aproveitar a oportunidade, antes que fosse tarde. O movimento dos professores, ao que parecia, tinha-se radicalizado - a presença da fumarada, cada vez mais espessa, aí estava para o confirmar.
Aproximou-se mais. Se conseguisse falar com alguém antes, era um «furo»! Encheu-se de brios e de coragem e entrou na espessa nuvem, disposto a obter declarações que, pensava ele, lhe iriam coroar o título da reportagem... quiçá uma chamada à capa! Havia que aproveitar e fazer a reportagem, o seu primeiro trabalho jornalístico sério e a sério.
Avançou para a nuvem de fumo. As tosses ouviam-se agora de forma audível. Pegou no microfone e disparou a pergunta:
- Diga-me, os professores radicalizaram a luta? Não temem as consequências desta radicalização?
O seu interlocutor, atónito, pareceu não estar a contar com a pergunta e balbuciou:
- Professores?!... Luta?!...
-Sim - continuava o repórter - confirma ou não que os professores radicalizaram a sua luta, como esta fumarada parece estar já a indiciar?
- Ah, a fumarada! - sorriu o manifestante. Se há aqui professores, não sei. O que há aqui, e muitos, é fumadores... Era uma concentração de fumadores!

Etiquetas: