26 abril 2015

Aforismo

A consciência pesada não se sujeita a regime.

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No ginásio, sou o que pedala mais depressa. Tenho direito à camisola amarela?

Só se passar no controlo antidoping.

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Reuni 7499 assinaturas. Posso arredondar para 7500 e ser candiato?

Está a brincar? Não consegue arranjar 7500?!

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A realidade


Dispunha de algum tempo e resolveu ir conhecer a realidade. Era algo para o qual já estava atrasado, pois tinha sido uma decisão de Ano Novo para a 2.ª semana de janeiro. O facto é que se metera muita coisa pelo meio, situação que não costuma estar prevista nas decisões de Ano Novo, mas que teria que passar a contar quando fizesse as próximas decisões, para o ano que vinha. Convinha tomar nota, não fosse esquecer-se.
Mas o próximo ano ainda vinha longe e tínhamos que tratar deste, que se revelava mais agitado do que se previa, mas que já se calculava, embora não fosse tido em conta. Diziam-lhe que esse era um dos aspectos mais curiosos da realidade, mas que não desse grande importância, pois era da natureza da realidade fugir à formatação e ao Excel, sendo um pouco rebelde e, poderíamos nós concluir, uma brincalhona que gostava de gozar com as coisas sérias. Mesmo não a conhecendo ainda, era um pormenor para o qual devia estar prevenido. Brincar sim, fazer humor, pois claro, mas sempre com atenção às coisas sérias e pensadas, equacionadas, projectadas, inscritas em planos, estratégias e visões. A realidade que se cuidasse, pois não estava disposto a pactuar com essa desfaçatez. Houvesse respeito!
Mas continuava com o seu problema por resolver, pois não tinha tido sorte com a consulta das páginas amarelas a respeito da morada da realidade, que lhe disseram que era perto. A única coisa que encontrara de mais parecido com o nome era «Realejo», mas não devia ser aquilo que queria. Teria que continuar a tentar, por conseguinte.
Enquanto assim pensava, subia avenida acima. O cenário parecia-lhe o mesmo de sempre, embora tivesse mais gente. Se calhar também eram pessoas como ele, à procura da realidade ou a fazer compras, pois via muitas delas com sacos. O que o intrigava eram dois ciclistas, que pedalavam ora no passeio ora junto dos carros, que também havia vários, olhando lá para dentro, como quem não quer a coisa e se vai a pensar na vida...
Como ainda não era a época das corridas, surpreendera-se com a presença dos ciclistas ali e àquela hora, para mais em contramão. Da polícia não eram, uma vez que a farda era diferente (a não ser que estivessem infiltrados), mas também não tinham a pose dos cicloturistas, pois só eram dois e sem preocupações ambientalistas, apesar das bicicletas …
Não queria acreditar no que pensava, embora fosse evidente que o pensara. Poderia lá ser?! Nã!... Devia estar a ver mal…
Procurou informar-se junto dos passeantes, mas não teve sorte nenhuma, pois estes iam na sua vida de sempre. E atrasados, também. Se era por causa de andarem à procura da realidade ou de outra coisa não sabia, mas estava disposto a dar o benefício da dúvida aos ciclistas, que é algo que se costuma dar quando andamos à procura da realidade e ela se esconde… E ele estava disposto a isso….
Quanto às camisolas e à ausência de publicidade a explicação era simples, conforme lhe explicou a realidade: não tinham patrocinador. Ainda.
 

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25 abril 2015

O sniper


Era tudo muito simples: havia bons e havia maus. Aos bons chamávamos «artistas» e aos maus chamávamos «maus».
A convivência entre os bons e os maus não era pacífica, muitas vezes era mesmo assassina, mas com a particularidade de se poder ressuscitar quando as mães, avós ou tias chamavam para lanchar. E se houvesse um depois do lanche ou se fosse no dia a seguir, a troca entre bons e maus também se podia fazer, desde que se quisesse muito ou se fosse obrigado a isso.
Nesses duelos as armas eram letais, mas a brincar. Não se pactuava, no entanto, com falcatruas do género «Não morri, porque só me acertaste no pé», situação grave e altamente atentatória da qualidade da pontaria de quem atirara, bom ou mau, não interessava. Nessas situações, a guerra ou o duelo eram interrompidos para esclarecer se estava morto ou apenas ferido, não havendo aqui preocupações com o facto de ser com mais ou menos gravidade. Esclarecido o imbróglio, o duelo ou a guerra continuavam, até ao extermínio da maioria ou se acabarem as munições, o que raramente acontecia, porque costumavam ser inesgotáveis.
Nestes cenários de mortandade fictícia todos tinham as suas armas de eleição: paus, bengalas, guarda-chuvas, pedras com formato de pistola, espadas, pistolas e espingardas de brincar, fisgas ou zagaias artesanais.
No seu caso, a arma preferida era uma bengala, que reunia todas as características de uma espingarda de precisão, destinada para o combate à distância, e que até tinha na ponta uma borracha que se parecia mesmo com um silenciador, servindo para matar maus ou bandidos sem barulho. E muitos se terão matado então, se bem que as telhas e as esquinas também tivessem sofrido o seu quinhão, pois se tratava de um cenário de guerra ou guerrilha urbana, quando descobriu que tinha sido sniper, mesmo sem o saber, nos seus primeiros anos de vida de brincadeira.

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24 abril 2015

O bairro


Depois de grande relutância, lá o convenceram a experimentar a vida de bairro. Tanto o chatearam com isso que resolveu meter baixa no emprego, pedindo um atestado por razões de natureza psicológica, que o clínico caracterizou como stress pós-traumático, sujeito a cuidados especiais, migas e descanso. Como não gostava de migas pediu ao médico se não podia substituí-las por tisanas, que eram mais saudáveis e não engordavam, mas o médico recusou.
No dia aprazado para começar a experimentar a vida de bairro, vestiu um fato e deu uma volta pelas redondezas a sentir o pulsar do que por ali se vivia. Do que viu, concluiu que o pulso não estava mau para a idade dos vizinhos e dos prédios e isso surpreendeu-o, pois estava a contar com um pulso mais fraco, duns e dos outros. Mas não quis criar expectativas em demasia, pois o verdadeiro teste ainda não tinha sido feito.
No bairro, o que mais o intrigava era a proximidade das casas. E quando dizia proximidade queria dizer quase a tocarem umas nas outras, o que não deixava de o apavorar (só um bocadinho, é certo). Vinha habituado a uma maior sensação de largueza e, talvez por isso, a estranheza fosse maior, embora alguém (presumivelmente um vizinho, já não se recordava) o tranquilizasse dizendo que assim era melhor, pois se tornava mais visível a solidariedade e a vizinhança, o que ele aceitava de boa-fé, até porque vinha habituado a uma experiência mais distante, desconhecida disto. Estava disposto a tentar.
E a experiência chegou cedo, mais até do que estava à espera.
Tudo começou à hora do telejornal, quando se apercebeu que uma cabeça lhe tinha entrado na sala, aproveitando a abertura da janela que dava para a rua. Depois de refeito do susto e de ter respondido às boas-noites que a cabeça lhe dera, apercebeu-se que ela pertencia ao seu vizinho da frente, do 5.º esquerdo, que era o andar que ficava em linha com o seu, que era o quarto direito. Continuava intrigado, no entanto, pelo facto de a cabeça lhe entrar pela casa sem grande esforço, pese embora o vizinho nem ser muito alto, como pôde constatar na manhã seguinte, no café. A razão era fácil de explicar: em casa do vizinho só existia uma televisão, que tinha que partilhar com a mulher. Como esta era muito chegada às novelas, a visualização do telejornal tornava-se difícil, sobretudo daquele de que gostava mais, que era pouco dado à exploração de sentimentos e ao voyeurismo. De maneira, que se o vizinho não se importasse… E o vizinho não se importava, está claro, e era para o bem da vizinhança. Para além disso, dispunha de duas televisões. Logo, não haveria problema.
E assim se passavam as coisas, com mais ou menos espírito de bairro, mas sempre em boa paz com os vizinhos. Para além da cabeça a ver o telejornal, noutros momentos, embora em divisões diferentes, continuavam a acontecer os típicos momentos da vida de um bairro castiço e genuíno, fosse a mão que entrava pela cozinha a pedir meia dúzia de ovos ou duas batatas médias para a sopa ou o pé que entrava pelo corredor à procura de graxa ou de um pano do pó. Menos frequente (mas mesmo assim verificava-se), o empréstimo da lixívia ou do champô também aconteciam, mas de forma mais recatada, pois a janela utilizada habitualmente para este intercâmbio era a da casa de banho, mais dada ao recato, como é óbvio…
Demorou a que o vizinho se habituasse a este quotidiano, se calhar explicável pela sua educação noutros moldes. Mas um dia lá se entusiasmou e também meteu a mão pela janela da cozinha da vizinha e pediu-lhe um molhinho de coentros, se não se importasse (que agora não podia ir ao minimercado) e, também, porque já estava farto da salsa nas migas…

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Final feliz 2

Era feia, mas era fruta. E foi o que a salvou do lixo.

(em dívida para com título da edição de hoje do Destak)

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Despejadas

Eram farinha do mesmo saco. Quando o despejaram, ficaram sem tecto.

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Breca

O alongamento alongou-se e teve uma cãibra.

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19 abril 2015

Espirro

Era uma época temida pelos livros. Os sintomas eram os de sempre: espirros e páginas lacrimejantes. Os especialistas estavam intrigados e concebiam os mais variadas planos para lidar com a situação, mas não eram eficazes. Havia solução, no entanto, só que do domínio da mezinha. Quem a descobriu foi uma criada, velha e analfabeta, que dos livros só conhecia o peso e o tamanho das lombadas, quando lhos passavam para as mãos. A mezinha vinha do fundo dos tempos e consistia em espanejar os livros e as páginas, deixando-os sorver um pouco de ar e de sol. Funcionava! E, como funcionava, quiseram mostrar-lhe reconhecimento e gratidão atribuindo-lhe uma comenda. A princípio não queria, mas lá a convenceram a aceitar. O que ela fez, mas impondo uma condição. Uma só: quando morresse, não queria ir para o Panteão.

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18 abril 2015

Sem rede



Resolveu lançar-se um desafio. A causa próxima era uma frase que lera num livro de John Le Carré, onde se colocava a seguinte questão: «Mas como diabo se atira a lógica pela janela fora?». O desafio era aliciante (se bem que lhe fizesse tremer as pernas), pois não era todos os dias que se autodesafiava com uma frase de um escritor, e logo do Le Carré! Recorrendo a uma frase feita (não lhe parecendo que esta era do famoso autor, mas que iria investigar, apesar de tudo) estava a «trabalhar sem rede», o que não deixava de ser um risco grande, mesmo que a altura não fosse grande coisa (o que para ele não contava, uma vez que tinha vertigens).
As dificuldades começavam logo pelo ângulo de abordagem, pois quando resolveu responder ao autodesafio ainda não tinha decido se ele seria agudo, recto ou obtuso ou se, pelo contrário, optaria por uma volta de 360 graus, proporcionando-lhe uma visão global do desafio, mas que tinha o pequeníssimo inconveniente de o colocar precisamente no ponto inicial: «Mas como diabo se atira a lógica pela janela fora?».
Confrontado com um dilema recorria a uma moeda de 50 cêntimos, o instrumento de que dispunha para o ajudar a lidar com dilemas, independentemente da natureza, mas usado habitualmente nos casos mais complicados, como era este. E saiu recto.
Foi a sua sorte, mesmo assim. Tendo saído um ângulo de abordagem recto, logo mais linear, a opção era clara: se houvesse janela, lançava-se a lógica borda fora; se não houvesse, ficava em casa.
Como habitava debaixo de uma árvore, onde é que estava a dificuldade?...

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Estado de tese

_ Estás entretido?
_ Estou a cultivar-me.
_ E então...?
_ Está a ir... Vê-me isto: "Castas", "Como ler um rótulo", "Como servir um vinho", "Como escolher um vinho", "Como provar um vinho", "Descomplicando a degustação", "Designações de origem", "Regiões vitivinícolas", "Produzir vinhos", "Qualidade dos vinhos", "Tipos de vinho", "Vinho do Porto".
_ É pá!... Isso é mesmo um doutoramento!!
_ Ou dois... Depende da graduação...
_ Bem medida... certamente...?
_ A autoria dos textos é uma incógnita, segundo as minhas fontes (que são de confiança, mesmo com os copos...).
_ Uma confraria, certamente...?
_ Nem só: alguns julgam que são ateus.



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