Avanço ou não avanço?

Tentou lidar sozinho com a situação, mas era complicado. Sentia-se dividido e começava a ficar angustiado. Procurou ajuda. Esta veio em forma de código e dizia assim: «Se estiver verde, sim; amarelo, com cuidado; vermelho, não».

Vou ao médico e ele pede-me para dizer trinta e três. Estará correcto?

Segundo a norma, sim. Desconfie se lhe pedir para dizer três vezes nove vinte e sete, noves fora nada.

Misturo água com vinho e quero certificar-me. Posso fazê-lo?

Se a torneira não for DOC, não.

Tenho 1,55 m de altura e uso sapatilhas de 30 cm. Será que posso fazer carreira na NBA?

Se jogar basquete e não cair das sapatilhas, talvez.

Marco muito em pontapé de bicicleta. Faço falta?

Se ninguém se queixou, não.

Não estou a ver-me casada. Estarei a ver-me bem?

Se não foi ao cartório ou à igeja e não vive maritalmente, está.

Festa

_ Sabes que dia é hoje?...
_ Não. Há pão?
_ De certeza que não te lembras?...
_ Não estou a ver. Há vinho?
_ É um dia importante para nós.
_ Desisto. O que é que é o almoço?
_ Não queres ir comer fora, atendendo ao dia?...
_ Ah, já percebi! Não foste ao supermercado, é isso?

Estações

_ Mudou a hora.
_ Porquê, não estava contente?
_ Não, é Inverno.
_ Inverno?! Não estamos no Outono?
_ Na estação sim, na hora não.
_ Está confuso, não?
_ Talvez... deve ser da hora.

Escrito

_ Onde é que vai?
_ Vou entrar. Tenho direito.
_ E quem disse?
_ As considerações. Está escrito.
_ Mas tem de ter credencial, onde é que está?
_ Aqui, na lapela, está a ver? Diz: «facção».
_ Facções não podem. Está escrito.
_ Onde, posso saber?
_ Nas conclusões.

Sou árbitro e só vejo para um dos lados. O que posso fazer?

Troque com o fiscal-de-linha.

Arroto muito, o que é que devo fazer?

Deixar de comer pescada.

Perna

_ Boa tarde, em que posso ajudar?
_ Falta-me uma perna.
_ A polícia é mais abaixo, no 37.
_ Desculpe, talvez não me tenha feito entender: falta-me uma perna.
_ Deixe lá ver: é verdade, falta uma perna. A da frente. Como é que arranjou isto?
_ Foi ontem ao jantar, quando o pai se sentou. Quando dei por mim, estava sem perna. A da frente, como comprovou.
_ Sabe, hoje em dia isto é um problema: os pais sentam-se de qualquer maneira e dá nisto. Enfim... é o que temos. Mas não se preocupe. Temos ali um stock de pernas perdidas e de certeza que lhe vamos arranjar alguma de que goste. Olhe esta, de marmeleiro, o que é que acha?
_ É bonita, sim senhor, mas talvez não seja a mais adequada. É que, não sei se reparou, eu sou feita de mogno...
_ Tem razão, pois claro! Mas onde raio é que teria a cabeça eu, um profissional da marcenaria há sessenta e seis anos!?... Já sei, a porcaria dos óculos, tá-se mesmo a ver!... Mas não fique preocupada, vamos já tratar disto. Deite-se ali naquela banca.
_ Vai demorar?... É que tenho um chá com as minhas amigas e não gostava de chegar atrasada...
_ Não demora nada, vai ver. Põe-se um bocadinho de cola e um parafuso, para reforço. Veja, já está!
_ Que bom! Até pareço mais nova!... Vai ver a inveja que isto vai provocar nas minhas amigas... se calhar, ao verem o trabalho bem feito, ainda lhe vêm bater à porta...
_ Deus a ouça, menina! Deus a ouça! Como isto está...

Só meto golos na própria baliza, mas o meu empresário diz-me que sou melhor que o Ronaldo. A comparação é correcta?

Depende da orientação da baliza e do empresário. No seu caso, estime o seu.

Assobio toda a 9.ª sinfonia de Beethoven. Posso aspirar a uma carreira como solista?

Nos concertos de assobio sim. Nos outros, é melhor aguardar.

Esvoaçantes

_ Trouxeste merenda?
_ Sim, está aqui comigo. E tu?
_ Também trouxe.
_ A que horas é que costumam passar?
_ Ao cair da tarde, quase a anoitecer.
_ E há muitos?
_ Agora há, desde que criaram as reservas.
_ E comem-se como?
_ Há quem goste deles assados, mas ficam melhor fritos.
_ E a saca, achas que serve?
_ Serve. Tens é que ter cuidado com o coice.
_ Mas diz-me: o que é que se sente, da primeira vez?...
_ Depende... mas acabas por te habituar.
_ Olha, lá vêm eles!
_ Prepara-te, é agora! Com os gambozinos não se pode facilitar.

Cinematográfico

Alucinação vê delírio, chama-o e corre para os seus braços. Ao chegar perto dele vê que é uma miragem e desmaia.

Livre

Pelo menos uma vez por semana, à terça ou à quinta, dirigia-se ao aeródromo e fazia um salto. Já o fazia há anos, concretizando um sonho de criança: voar e ser livre como os pássaros, pelo menos enquanto o salto durava. E era nisso que pensava, voar e ser livre como os pássaros, enquanto enrolava o pára-quedas e se preparava para um novo salto. Nesse dia, porém, resolveu ser ainda mais livre e decidiu que não saltava.

Capa

_ Vem buscar a capa?
_ Sim. Já está pronta?
_ Só mais um bocadinho. Falta passar.
_ Vai demorar muito? É que tenho um compromisso.
_ Sério?
_ Mais ou menos.
_ Assunto de saias?
_ Não, de urgência.
_ Coisa de saúde?
_ Pode dizer-se. Tem a ver com o mundo.
_ Resolve-se?
_ Sem a capa... não.
_ Pronto, já está! Vai querer factura?
_ Claro, com contribuinte.
_ Em nome de?...
_ Super-Homem.

A mesa e as cadeiras não combinam. Que devo fazer?

Mude de decorador(a).

Adeptos

_ Falta!
_ Caiu sozinho.
_ Penalty!
_ Fez-se.
_ Golo!
_ Fora-de-jogo!

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Cachimbo, em bom estado, procura fumador compatível.

Mercearia

_ Bom dia.
_ Bom dia.
_ Queria um quarto de romance, meia de novela e uma dúzia de contos, por favor.
_ Poesia não quer? É de hoje.
_ Não, poesia não. Tenho no congelador.
_ Fragmentos, aforismos, ditados, nada?
_ Também não. Cultivo em casa.
_ Muito bem. É tudo, então?
_ Não, falta a pinga.
_ Da casa?
_ Não, de autor.

Entrevista rápida

_ Posso entrevist
_ Não!

Olho

_ Sai-me da vista!
_ Não posso.
_ Porquê?
_ Deixaria de ver-te.

Snack

_ Uma frase, se faz favor.
_ Muito bem. E é como?
_ Feita.

A música é uma paixão, mas não sei tocar. Há alguma possibilidade?

Há, mas custa. Se não tiver os recursos, o assobio é uma alternativa.

Canto, mas desafino. Que fazer?

Cante na mesma, mas baixe o som.

Sou um pândego, mas tenho dúvidas. O que aconselham?

Inscreva-se na associação e recorra ao aconselhamento.

Acabou-se o papel higiénico, que fazer?

Não coma tantas fibras.

Recebi uma chamada de Marte, devo atender?

Se for cobrada no destinatário, não.

Na ponta da língua

Na época de exames era sempre o mesmo: quem sabia, sabia, quem não sabia chumbava. Mas havia umas excepções, como a dela. Sempre que interrogada, pois isto acontecia habitualmente nas orais, a resposta aflorava à ponta da língua, graciosa e insinuante, acabando por pular para a piscina. Condescendente, o professor atribuía a nota técnica e comentava que o mortal tinha sido bom, mas falhara o mergulho, esborrachando-se na ignorância, o que era pena. Talvez na 2.ª época, animava-a, em que a piscina estava aquecida, a entrada já não fosse de chapão. Até lá, chumbada!.

Sou um pêssego e conheci uma pêssega. Devemos juntar-nos?

Depende da enxertia. Às vezes não pega.

A vizinha faz-me olhinhos. Que fazer?

Antes de se mudar, pergunte quanto é o condomínio.

Bebi muito, que fazer?

Beba pouco e evite o muito. Mas não deixe de beber.

A feijoada tem muitas calorias?

Se a comer tem. Se não a comer, arrepende-se.

O meu calo sente-se sozinho. Devo arranjar-lhe uma companheira?

Se for nova sim, caso pensem em calinhos. Se não for, é melhor não.

Dar o nome 3

_ Já deste o nome?
_ Não aceitaram.
_ E agora, que vais fazer?
_ Tirar outro.

Dar o nome 2

_ Onde é que se dá o nome?
_ Ali ao fundo, naquela portinha.
_ Dói muito?
_ Um bocadinho, mas passa logo.

Desaparecer 3

_ Quero desaparecer.
_ Muito bem. E para onde?
_ Para qualquer lado.
_ Para qualquer lado não pode, está cheio.
_ Então... e agora?
_ Tem de desaparecer.
_ Para onde?
_ Para qualquer lado.

Dar o nome

_ Boa tarde.
_ Boa tarde.
_ Venho dar o nome.
_ Muito bem. Tem doenças?
_ As do costume, para a idade.
_ Já matou alguma vez?
_ Pardais, só. Mas era garoto.

Desaparecer 2

_ Devo desaparecer ou não?
_ Dúvidas é ali, no guichet.
_ Mas diga-me: devo desaparecer ou não?...
_ Você é que sabe. Eu só passo o recibo.

Desaparecer

_ Quero desaparecer!
_ Assim, com a exclamação?
_ Não, a exclamação pode ficar.

Bolos e croissants

_ Olá, eu sou a mosca da pastelaria. Como vai?
_ Desculpe, agora não. Estou a ler o jornal.
_ Não faz mal. Posso pousar no seu bolo?
_ Não é bolo, é croissant.
_ Ah, croissant não, obrigada. Só bolo. Para os croissants só a minha irmã, mas está no estrangeiro. Emigrou.
_ Para França?...
_ Não, para o Dubai. A França já era, mesmo para os croissants...
_ Não sabia. Enfim, é a vida. Tenho que ir. O trabalho chama.
_ Está empregado?
_ Não. No desemprego.
_ Há muito tempo?
_ Três meses, mais coisa menos coisa.
_ Se calhar... qualquer dia emigra, não?
_ Talvez... para o Dubai, porque não?...
_ Se for, dou-lhe o contacto da minha irmã. Nunca se sabe se não vai fazer falta...
_ E vai ser fácil de encontrar, a sua irmã?
_ Não há que enganar. Procure nas pastelarias. Mas só nas que tiverem croissants.

Gozos

Gozona, a bola meteu-se pelo meio das pernas. Gozado, o jogador não gostou e deu-lhe um pontapé.

Aviso

A sua escrita era torrencial, por isso exigindo cuidados. Como era consciencioso, alertava a protecção civil.

Cheia

A borbulha bem se espremia, mas sem êxito. Quando deu um pum!, rebentou.

Sobe e desce

Descendia de rica estirpe, mas era um teso. Herdara a verve e o hábito dos nobres, mas não tinha onde cair morto. Invocava fortunas, mas azarava-se dos tostões. Dizia comer do bom e do melhor, mas só arrotava cascas de alho. Morreu a sonhar com o Éden e acabou numa campa rasa.

Portugal pode apurar-se para o Mundial?

Sim, se passar o play-off. Não, se não passar o play-off. Escolher a que lhe interessa.

Toque de campainha

Era uma pessoa simples e crédula, com pretensões à escrita. Quando se defrontava com a velha questão acerca da inspiração, se a criação literária devia ficar à espera dela ou não, ficava sem saber o que fazer. Por isso, aconselhou-se. Disseram-lhe para escrever uma carta à inspiração, pois não aceitava mails, e marcar um encontro para troca de ideias, se possível sentados. E assim fez. Como era uma pessoa simples e crédula, acreditava que quem a aconselhara o fizera por bem e esperava todos os dias pela resposta. E era vê-la, tão simples e crédula, a abrir a porta sempre que lhe tocavam à campainha e a perguntar: «És tu, inspiração?» e a receber «Publicidade!» como resposta .

Idiomático 26

Deu-me a breca e já não sou levada da breca. Com a breca!

Idiomático 25

Pintou a manta e não albardou.

Idiomático 24

Não conhecia cascos de rolha, mas era longe.

A biblioteca

A biblioteca funcionava num edifício bem situado e dispunha de condições confortáveis, umas mais favoráveis ao estudo e à reflexão e outras mais vocacionadas para o lazer e o divertimento. Talvez por isso, os utilizadores eram diversos e coabitavam sem problemas: independentemente da idade, do interesse ou da necessidade, para todos parecia haver espaço naquela biblioteca. Apesar desta noção de inclusão, nem sempre se está preparado para as surpresas que podem ocorrer, como se constatou e se fez prova para memória futura, quando ela se tornar necessária para compensar a que faltará a quem viu ou, neste caso, ouviu: um sonoro e troante ressonar, de pessoa incógnita, mas audível e manifesto nas salas mais recatadas, parecendo anunciar trovoada dentro de portas ou o roncar de aviões da 2.ª Guerra, sobretudo para aqueles mais dados ao estudo do período ou com pretensões ao devaneio literário. Para quem costuma frequentar estes espaços com o espírito e a atitude tributados aos lugares sérios, não deixou de ser gratificante e risível esta manifestação de irreverência sonora, qualquer que tenha sido a sua causa, que alguns interpretarão como cansaço e outros, quem sabe?, como um possível grito de alerta sobre o tema ou a qualidade do autor...

Previdente

Tirara o curso queimando as pestanas. Não esmoreceu e quis mais: um mestrado! Desta vez, tomou as suas precauções e comprou um extintor. Ainda não o usou.

Plantado na área

As conversações com o empresário tinham corrido bem e aguardava-se, com expectativa, a estreia do avançado. O avançado já não era novo, é certo, mas continuava a marcar muitos golos. Só havia que ter cuidado com a sua peculiaridade, alertara o empresário, pois era isso que lhe garantia a eficácia e a fama enquanto goleador: ficar plantado na área! Não havendo oposição dos responsáveis do clube e do treinador, que só pensava utilizá-lo nos jogos em casa, lá foram vendo onde é que o avançado se ajeitaria melhor a estar plantado na área: mais para a direita, mais para a esquerda ou ao centro. Ficou mais à esquerda, até porque era destro. No jogo da estreia os golos lá apareceram, como se esperava e o clube confiara: três a zero, com dois do avançado. No próximo jogo em casa se confirmaria o acerto da contratação, o que se verificou: mais três para o avançado, que teve direito a canção da claque e a reforço na água da rega, feita duas vezes por semana, por conselho do tratador da relva, que aconselhava a poda só de quando em vez. Terminou a época e a carreira em glória, sendo transplantado para a sala de troféus do clube, onde pode ser visitado e regado duas vezes por semana. Foi proposto para árvore centenária.

Assoalhada

A sala era rectangular, pintada de forma sóbria, com móveis e televisão. Era uma sala como a maioria das salas, excepto num pormenor: falava. E falava de quê? De tudo e de nada, umas vezes em tom baixo, noutras em altos berros, como se estivesse zangada. E isto porquê? Porque lhe doíam as paredes, queixava-se; porque não aguentava as luzes, que lhe provocavam enxaquecas. Levada ao médico, disseram-lhe para meter umas férias. Foi o que fez. Ainda lá está e a família mudou-se para a cozinha.

Gravidade

Tinha um sorriso pendurado nos lábios. Não sabia como o obtivera e aguentou-o até poder. Quando deixou de poder, caiu.

Ampulheta

Nasceu e começou a morrer.

Se não puder candidatar-se, não se divorcie...

A história daquele casal, mais do que de amor, era de cumplicidade e de partilha. E a cumplicidade e a partilha não eram (nem são) forças de expressão nem de retórica - tinham força real. Por ser assim, ninguém estranhou que a esposa se apresentasse a eleições por impossibilidade do marido, parece que por razões a ter em conta... Quando as ganhou, a esposa renunciou a favor do marido, que irá exercer o cargo, até ver. «É uma bonita história de amor», suspirarão os românticos; «É o clímax do virtuosismo luso!»,exultarão os patriotas; «Uma história daquelas...», dirão os simples. Os irónicos não dirão nada, desta vez, limitando-se a sorrir (ironicamente, apesar de tudo).

Culpado 2

Roçou a perfeição e ela moveu-lhe um processo por assédio.