Dado o enredo, «O Segredo dos Seus Olhos» (El Secreto de Sus Ojos) é o filme ideal para fazer esta pequena experiência: revisitá-lo com as memórias e os sentimentos que perduram após esse visionamento. E a explicação é simples: tem tudo a ver com a história e a reconstituição dos factos e de vidas que nele ocorre. Para quem não o viu, o mistério e a surpresa em relação ao filme e a este pequeno exercício vão permanecer, se calhar funcionando como um incentivo a um visionamento futuro. Para quem viu, fica a oportunidade de o (re)visitar ou de o (re)experienciar, mesmo que à custa de um terceiro interveniente.
A primeira emoção que resulta do filme é a da sonoridade e da força expressiva, pícara, por vezes, do Espanhol, complemento importante para o desenrolar da acção e da construção das personagens. Mesmo que não houvesse imagens, essa capacidade expressiva seria suficiente e haveria momentos inolvidáveis e plenos de sentido, ainda que só ouvidos. Uma palavra também para os momentos de humor - que os há - mesmo em situações em que a carga dramática, institucional ou histórica parecem soterrar essas manifestações de independência intelectual, cívica e/ou de sanidade mental, de cariz surrealista, por vezes - diria antes e insisto, pícara - característica mais comummente associada, parece-me, a uma vivência integrada nos espaços sócio-culturais de matriz espanhola, pelo menos se comparada com a nossa.
Diria, também, que «O Segredo dos Seus Olhos» é um filme sobre as «paixões», palavra com uma carga semântica e simbólica fortíssimas, como se vai descobrindo e meditando ao longo do filme, com diversas cambiantes, funestas, quantas das vezes, mas também altruístas ou redentoras, noutras. Em todas elas, o retrato do humano.
Por último, uma pequena digressão pelo título. Depois de ter visto «O Segredo dos Seus Olhos» não pude deixar de fazer uma associação imediata - instintiva e intuitiva, diria - para uma incisiva e conhecida expressão popular: «Os olhos são o espelho da alma», afirmação fundada (ou pelo menos aceite) com base numa sobrevalorização do sentido da vista, como meio para e canal de comunicação entre esses dois mundos, o material e o espiritual, sem esquecer as conotações, ao nível do conhecimento e da moral, entre estes «dois mundos», humanos, «ambos». «O Segredo dos Seus Olhos» também é um filme que nos ensina (ou relembra) isto.
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