27 novembro 2016

Equidade

A federação que tutelava a modalidade era uma ferrenha adepta da equidade. Ao constatar que as regras não estavam a garantir isso decidiu modificá-las e instituir o livre duplo, aplicado às duas equipas em simultâneo. Pior foi pô-lo em prática, pois era um problema do tipo da galinha e do ovo. Não chegando a consenso, como se previa, resolveram o dilema por moeda ao ar.

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Grafismos


O encontro com o gráfico surpreendera-a. Saíra recentemente de uma relação e ainda não se encontrava preparada para uma nova. Relacionara-se com algumas pessoas, das mais diversas profissões, mas não se recordava de alguma delas ser gráfica. Poderia estar a esquecer-se de alguém, mas achava que não. Daí a surpresa com o encontro.
Chegou a pensar em recusar, tal o receio, mas o desejo foi mais forte. Insegura, a princípio, mas disposta a seguir em frente, olhou para o gráfico e sondou-o. O que quereria ele e até onde estaria disposto a ir, agora que estavam um perante o outro, apenas com pequenas barreiras a interporem-se?
Quem passou por isto sabe como são fortes as resistências e as cautelas, e o seu caso não era diferente. Mesmo assim, estava disposta a arriscar.
A resposta não ocorreu logo que quereria, vá lá saber-se porquê. Mesmo assim, quando a conheceu a sua face abriu-se num sorriso, cada vez mais radioso.
Os receios tinham sido infundados e do outro lado encontrava-se decerto um cavalheiro, concluiria prazenteira.
Para quem duvidasse, a resposta estava agora ali, atestada pelo gráfico, clara e optimista: no Índice de Felicidade ocupava um lugar acima da média. Oh yeah!

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26 novembro 2016

Nevada


Nevara no país. Nas terras altas, mais precisamente. Como era habitual, a comunicação social dera a notícia e fizera dela um acontecimento, que de facto o era para a maioria das pessoas, sobretudo para aquelas que viviam longe das zonas onde nevara ou para as que nunca tinham visto neve, como era o seu caso. Por isso, ficou atento.
As imagens não eram propriamente originais, com carros, ruas e telhados, e entrevistas aos passantes, mobilizados ou a pé. No entanto, um dos passeantes disse uma coisa inovadora, a de que «a neve era boa para matar a bicharada da terra, e que viesse muita».
Mostrou-se interessado pela receita e contactou a meteorologia para saber onde é que podia encomendar uma nevada, das grandes, para matar a bicharada que lhe andava a comer a imaginação, que custava bastante a criar e a manter, mas mandaram-no passear.
Ir passear não resolvia o seu problema, pensou, mas ajudava a desanuviar a imaginação, que se tinha mostrado neurasténica nos últimos tempos. Podiam ser gases, também, mas não se lembrava de ter comido algo que os provocasse. Iria passear, pois. E foi o que fez.
Contactada a agência, perguntou onde que é que podia ver e arranjar neve, em quantidade e em conta.
Ficou surpreendido com a oferta que lhe propuseram, com estadia e meia-pensão, taxas e taxinhas incluídas, praticamente para toda a parte do mundo onde se podia encontrar neve, em voos low cost, mas não havia nada para as partes altas do país, que não tinham aeroporto nem hotéis com meia ou quarto de pensão, o melhor que se lhe arranjava era uma boleia no limpa-neves e estadia em casa de pasto com lareira, mas com a vantagem do very typical e da descoberta do país profundo, mais-valias sempre atractivas para quem fosse fã. E era o seu caso. Havia apenas um senão: não aceitavam imaginações.

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21 novembro 2016

Mannequin challenge

Levou as mãos à cabeça e ficou assim.

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20 novembro 2016

Pasticho


Sugeriram-lhe um pastiche ou um pasticho, caso não atinasse com o francesismo. Disse que ia pensar. E foi o que fez, depois de vestir as calças. O pormenor das calças não era um mero pormenor, antes pelo contrário, pois implicava dignidade. Já se imaginou o que seria fazer um pasticho sem as calças vestidas? E, caso se tratasse de um casaco, não teríamos antes uma obra, de preferência com gravata? Estava decidido, pois: seria um pasticho e de calças vestidas.
O empreendimento não era fácil. O menor dos problemas seria o de quem ou o quê imitar, pois tinha-se decidido por um mix, à laia de mistura. Problema mesmo era o do tom, mais acima ou mais abaixo, com modulação ou talvez não. O talvez não era mais do seu agrado, num tom nem alto nem baixo, mas a atirar para o mediano, por causa das susceptibilidades, mas mantendo o ‘p’.
Avisado, deveria começar por baixo. Também era mais fácil e, convenhamos, sensato, apesar de nem todos os sensatos se abalançarem ao pasticho. Mas era aqui que também podia entrar a criatividade, para desenjoar do pasticho, e meter um pouco de sal e pimenta, mais ou menos consoante o gosto, de preferência apurado.
Com sorte, poderia ser um pasticho gourmet. Mesmo que nunca viesse a ter uma estrela, como o xerife, poderia vir a ter um crachá, como nos escuteiros. O que não seria mau, pois poupava-se no metal.

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19 novembro 2016

Perplexidades


Ouvira-se um grito na rua, não se sabendo a que propósito. Mas tratava-se de um grito, não havia dúvidas, e fora já confirmado pelos tiradores de dúvidas. O passo seguinte era o de procurar indagar-se a que é que se devia, o que é mais fácil para quem esteja na rua e não pode esconder-se, mais difícil para quem está em casa, porque exige esforço. Mas também acontece as posições inverterem-se. Esta foi uma dessas.
Por sorte ainda não se tinha deitado e estava a ver um programa sobre a forma e o conteúdo. Fora mesmo sorte, pois o conteúdo entrara numa polémica com a forma, que começara por ser interessante mas que se arriscava a terminar em pancada, tal era o nível dos argumentos trocados. Contrariando uma tendência comum, a ameaça de pancadaria dava-lhe sono, levando-o a cabecear várias vezes contra o espanta-espíritos, ali colocado estrategicamente para evitar isso mesmo, o cabecear. Mas o grito despertara-o.
Iria ver o que se passava e aproveitava para comprar pastéis de nata, que já deviam estar a sair do forno, e oferecer um ou dois à super-lua, que passara por ali, e continuava a exibir-se, não por gabarolice mas por convicção. Estava na sua e era deixá-la. Daqui a uns anos voltaria a fazer o mesmo, diziam-lhe os astros e os comentadores.
Ficar alerta quando se ouve um grito é, parece, algo que deve estar inscrito no ADN. Lera algures e estava a confirmá-lo agora. Não interessa o motivo, mas o facto em si. Também acontece o mesmo com os foguetes, mas estes têm um calendário mais restrito. Com os gritos a temporada é constante, sem pausas para descanso ou dias de férias. Olhando-os do ponto de vista laboral, os gritos são explorados. É um absurdo, nos tempos que correm.

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13 novembro 2016

Urbanidades

_ Não se importa?
_ Agora não, mais tarde talvez...
_ Entretanto, fui-me embora...
_ Como é que sabe?
_ Não sei, de facto, mas posso especular... Ou não?
_ Pode. E o que é que ganha com isso?
_ Pouco, talvez. Mas ganharei sempre alguma coisa...
_ Consegue quantificar esse «alguma coisa»?
_ Mais ou menos. Mas não me apetece...
_ Faça um esforço, vá lá!
_ Está bem, já que insiste: pode sair de cima do meu pé?

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Fusões

Era um espaço de fusão. De sabores e de cultura. A adaptação fazia-se ao ritmo de cada um, como naquela mesa, em que se tentava comer com os pauzinhos um sushi, feito com o talento e o cuidado de uma arte. A boa vontade imperava, e o esforço era genuíno. Mas a larica também. A medo, sem levantar a voz, acaba por se desistir e pedir uma colher. Não haveria problema, disseram-lhe. E a colher apareceu, como que por milagre, envolta num sorriso, acompanhada de uma sugestão para algo em conformidade com o utensílio: não seria melhor uma feijoada, vegan ou tradicional?

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12 novembro 2016

Arranjado

Ver e não fazer nada também lhe custava. Mais precisamente, custava-lhe um euro e meio. Incluindo IVA.

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11 novembro 2016

A Web Summit acabou e o metro voltou a ter três carruagens. Haverá relação?

Pensamos que não. Tanto quanto se sabe, estarão contentes com os actuais parceiros.

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Podas (videira)

_ Sem estragar o bago, por favor.

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10 novembro 2016

Liso

_ Como é que vai ser?
_ Curto, sem ondas, tirar no volume.
_ Tem planos?
_ Alguns. Porquê?
_  Por nada. Eu não tenho.
_ Ah sim!?
_ Sim. Estou careca.

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08 novembro 2016

Esquiv(i)a

Era uma personagem esquiva. Na maioria das vezes nem se via, noutras mostrava apenas parte do pé ou a ponta do nariz. Defendia-se com o método, mas corria riscos desnecessários, como entaladelas ou constipações.

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06 novembro 2016

Obra (em aberto)

Pensou em dar volta ao texto. Mas ir do pensar ao fazer não era fácil, como constatou logo. As dificuldades eram mais do que muitas, algumas inesperadas, como a do espaço, que era pequeno e porque tinha um pilar no meio. O artista também não ajudava, pois dizia que só tinha a quarta classe e não estava para aturar as ideias dos «doutores», que funcionavam bem no papel mas que não se aguentavam na realidade, na maioria das vezes caindo. Mesmo assim lá o tentou convencer, dizendo-lhe que a quarta classe dele era quase como uma pós-graduação de agora (baixando o tom de voz no 'quase'), mas que tivesse paciência, engenho e arte para o ajudar a dar a volta ao texto. Não muito convencido, acabou por anuir mediante a proposta de pagamento de mais alguns euros e sem passagem de recibo (ou seja, por debaixo da porta), aproveitando-se a oportunidade para criticar o trabalho dos anteriores, que tinham deixado a abertura maior do que deviam, não surpreendendo porque não eram da profissão, «tudo uns aldrabões», na sua opinião.
Já se sabia que o prazo era uma das questões sensíveis. Com este não devia ser diferente, estava convencido, mas não custava nada voltar a convencer-se e lá lhe perguntou quando é que seria a volta ao texto. Entretido com o metro, o artista disse-lhe que não lhe iria dizer já porque precisava de avaliar o nível, que lhe parecia desalinhado, e a qualidade dos termos, substantivos e verbos, sobretudo, pareciam-lhe de pouca qualidade, esfarelando-se com facilidade e deixando passar a humidade, apesar de se estar em zona seca. Quanto aos adjectivos era melhor não dizer nada, pois tinha consideração por ele, que lhe fazia lembrar o avô, que Deus tenha, e ficávamos por aí. Contudo, lá disse isto: «o trabalho faz-se, descanse, mas precisa de tempo, que é coisa que não tenho agora. Importa-se que fique como obra aberta?».

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Aposentamento

Entrara na faculdade! Ficou contente e fez o seu curso com o aproveitamento e na duração normais. Quando começou a procurar emprego as coisas dificultaram-se, mas não desistiu e seguiu em frente. À cautela, foi reforçando competências e desenvolveu o currículo. Fez de tudo ou quase tudo um pouco, umas vezes mais outras vezes menos, mas lá foi andando. Acabou de se reformar, passados anos. Muitos. Em vez da pensão, recebeu um diploma.

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05 novembro 2016

Mal contada


A história estava mal contada. Foi a conclusão a que se chegou, medindo os prós e os contras, com predomínio destes e a derrota daqueles, que eram poucos ou nenhuns. Não tinha ponta por onde se pegasse, se ela se deixasse pegar, e não se aguentava nas canetas, caso as tivesse. Assim não se ia lá. Mesmo com a ajuda de cuspo a coisa parecia difícil… Chegou a aventar-se a hipótese de uma estaca, daquelas que se espetam e aguentam tudo, ventos ou marés, se bem que neste caso seja mais difícil, por causa da água e do terreno. Recorrer a terceiros estava fora de questão e não se sabia como, mesmo que se quisesse. Restava talvez o recurso aos aldrúbias, que havia muitos por ali e desempregados, e por um ou outro prato de lentilhas eram capazes de dar um jeito, manhoso ou sério, dependendo da qualidade do artista, e se alguns eram bons!...
Arranjado o aldrúbias, que se fez caro porque exigiu um bocadinho de presunto com as lentilhas, mais pão, lá se lhe explicou o que se pretendia. Como aldrúbias que era, não dos melhores, é certo, mas razoável, embora ele próprio se considerasse um craque por uma vez ter escrito uma redacção premiada, escrita em tom críptico e despojado, sobre a vaca e outros ruminantes (embora apenas no título), disse que iria pensar no caso, provocando um burburinho de desaprovação nos presentes, e uma tentativa de agressão num mais afoito, mas também com os copos, que se atrevera a gritar à janela que o rei ia nu, logo ali, numa assembleia predominantemente monárquica…
Apesar do burburinho de desaprovação, o certo é que o aldrúbias se mantinha impávido e sereno, atitudes que resolvera adoptar quando se lembrou que era isso que devia fazer em situações semelhantes, aprendera um dia num retiro e num curso de levitação, algures num boteco de bairro mais ou menos perto, dependia da perspectiva, também aprendera isso no mesmo sítio e contexto. Para além disso, agora num estado de mais excitação, estava à espera de uma chamada de três namoradas, uma loira, uma morena e uma ruiva, se bem que tivesse dúvidas sobre esta, pois estava convencido que ela era falsa, porque pintava o cabelo, mas de todas a mais dócil e simpática, ao contrário das outras, uma pior ou melhor do que a outra, estávamos a falar de feitios, note-se. Quanto à moral, nada a apontar.
Mas o assunto da história tardava em compor-se e começava a fazer-se tarde, que é aquela parte e o momento em que as coisas têm propensão para o descambanço ou para o desenrasca. Além do mais, as lentilhas começavam a esfriar e o presuntinho, mais osso do que febra, saliente-se, mas propositado para o aldrúbias não se esticar em demasia, começava a piscar o olho à gataria e à canzoada que por ali andava, que eram muitos, uns e outros, não se distinguindo aqui se machos ou fêmeas, por não interessar para o que se conta mas para dar um tom local e pitoresco, quiçá romântico ou realista, que é uma coisa de que as pessoas gostam e não ligam muito, é certo, mas que serve para colorir um cenário ou um quadro de vida, sociológico ou não, mas de vida. E esta costuma ter muito que contar… Dizem os aldrúbias, quando as lentilhas se acabam…

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