28 fevereiro 2008

Divulgadores

Qualquer que seja o ramo do saber, é nobre a função do divulgador científico. Na maioria das situações, acredito que o divulgador desempenha esta função de bom-grado, quase como um imperativo de cidadania. Haverá algo de gratificante, suponho, nesta tarefa de partilhar o que se sabe ou contribuir para que outros possam vir a saber. É, se quisermos, o princípio pedagógico na sua dimensão mais sublime.

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26 fevereiro 2008

Inevitável, a Filosofia

Por sorte, mera sorte, acedi a um texto luminoso, de Desidério Murcho, publicado na edição do Público de hoje, 26 de Fevereiro, no caderno P2. Escrito numa linguagem simples e acessível, o texto, intitulado «A inevitabilidade da Filosofia», destina-se mais ao cidadão comum do que ao especialista ou iniciado. Conhecedor das práticas e tarimbado na arte da divulgação das matérias e autores da Filosofia, Desidério Murcho aproveita a recordação de uma obra de Aristóteles, hoje perdida, o Protréptico, para nos vir falar sobre a peculiar «natureza da Filosofia». Ouçamo-lo.
«À parte alguns estudiosos, poucas pessoas sabem que Aristóteles (384-322 a. C.) escreveu uma humilde introdução à Filosofia, hoje conhecida pelo seu título grego: Protréptico. O livro foi muitíssimo importante durante cerca de mil anos - um pouco mais, portanto, do que O Segredo. (...) Por mais que muitas gerações de leitores se sentissem gratos a Aristóteles por ter escrito uma lúcida e iluminante introdução à Filosofia, este não é o tipo de obra que os académicos e os intelectuais - do passado e do presente - tenham tendência para estimar. Acarinharam, releram e mantiveram em boas condições as obras mais sofisticadas de Aristóteles, mas não a sua modesta introdução. (...)
Uma das ideias expostas por Aristóteles nesse livrinho exibe com mestria a natureza da Filosofia. Não temos uma citação directa da passagem em causa, mas temos várias menções indirectas, e todas concordam que Aristóteles usou algo como o seguinte argumento a favor da Filosofia: "Se temos de filosofar, temos de filosofar; se não temos de filosofar, temos de filosofar; logo, em qualquer caso, temos de filosofar."(...)
O que Aristóteles tinha em mente é que para argumentar que não temos de filosofar, temos de usar um argumento qualquer. Mas que tipo de argumento será? Quando pensamos nisso, vemos que não há argumentos biológicos, físicos, matemáticos ou históricos contra a Filosofia. Qualquer argumento contra a Filosofia teria de ser filosófico. Portanto, para rejeitar a Filosofia temos de filosofar. O que demonstra que a Filosofia é inevitável. Argumentar contra a Filosofia é como gritar: "Não estou a gritar!"
Não há maneiras não-contraditórias de argumentar contra a Filosofia porque a Filosofia é o estudo cuidadoso das nossas ideias mais básicas. Mesmo quem pensa que a Filosofia é uma palermice tem ideias filosóficas sobre a natureza do conhecimento (Epistemologia) ou da realidade (Metafísica). Filosofar é avaliar cuidadosamente essas ideias, em vez de as aceitarmos como se fossem as únicas alternativas viáveis. Assim, a opção não é entre ter ou não ter ideias filosóficas. É tão impossível viver sem ter ideias filosóficas como é impossível viver sem ideias físicas. A opção é entre tê-las, estudando-as, ou ter a ilusão de que não as temos, só porque não nos demos ao incómodo de as estudar.».
É uma citação longa, mas que me parece justificada pela clareza da exposição e pelo brilhantismo da argumentação. Também não se perderá, está visto, como, infelizmente, terá acontecido com o Protréptico...

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25 fevereiro 2008

Cassilda

Cassilda era vidente. Era capaz de adivinhar, sem esforço que se notasse, as maleitas de amor ou do infortúnio, os achaques do frio ou do calor, os desencontros ou os desvios do destino. Cassilda era paciente com todos, excepto com uma sorte de clientes: não aturava criaturas carpideiras e desancava-as com as cartas, os búzios, as pedras, o que fosse. No mais, Cassilda era uma profissional. Consulta pedida, consulta feita. E paga, pois era justo ser recompensada pelo trabalho de intermediação com as forças esotéricas e misteriosas. Mas, por uma vez, Cassilda foi traída por essas mesmas forças, das quais era íntima, e está doente. De baixa. Não atende os pacientes. A campainha da porta toca, toca, mas nada. Cassilda ouve, mas não se mexe. Cassilda sofre e pena a sua sorte, sozinha e triste. Cassilda, a profissional vidente, equivocou-se e foi atingida pela desdita. Coitada! Não se precaveu, como era mister do seu ofício. Cassilda, a profissional vidente, partiu uma perna. Não conseguiu previr o futuro e... caiu num buraco, à porta de casa. Cruzes, canhoto, Cassilda!

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Livraria Byblos

Gostei da livraria Byblos. Ia com algum receio - que se revelou infundado -, pois desconhecia o que ia encontrar, indo preparado para torcer o nariz. O espaço amplo e luminoso, a simpatia do pessoal e a facilidade e a intuitividade na utilização dos monitores electrónicos convenceram-me. Achei graça, também, à disposição dos livros nas mesas, incluindo as dos saldos e das promoções, estas com o pormenor simpático e digno da designação «alfarrabista moderno».

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22 fevereiro 2008

Velas e romaria

Muita vela e romaria se deve ter feito hoje, pelo lado dos adeptos do Benfica, à estátua do Santo António, em Lisboa. Quem viu o jogo de ontem, só pode chegar a essa conclusão. A salvação ocorreu já nas últimas, quando tudo parecia perdido: só com intervenção divina é que se poderia lá chegar e, pelos vistos, chegou. Embora com estátua na Praça de Alvalade, o Santo António deve ter atendido à sua condição de padroeiro de Lisboa e fez um milagre para os lados da Luz. E dos difíceis!

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19 fevereiro 2008

Entrevista

Tenho dúvidas sobre se José Sócrates, na sua entrevista à SIC, terá retirado proveitos ou se, pelo contrário, terá acumulado prejuízos. À primeira vista, parece ter marcado pontos na opinião pública, defendendo, até aos limites do (im)possível, as suas políticas. Mas, parece-me, a sua prestação mediática começa a assumir mais aspectos negativos do que positivos. A provocar mais rejeição do que adesão.
Seja pelo estilo, seja pela conjuntura, o que me parece começar a ser inquestionável é um certo cansaço, se não uma recusa, acerca da presença, do discurso e dos gestos do primeiro-ministro.
Falando como telespectador, o que ontem se viu e ouviu na entrevista deixou-me mais incomodado do que aliviado, mais céptico do que entusiasta. E isso deve-se, em minha opinião, ao desgaste que a imagem de José Sócrates padece, mais do que aos temas ou os factos sobre que se exprime. Mais do que qualquer outra coisa, julgo que é o estilo que, cada vez mais, afasta as pessoas. Se isto é assim, fomentar e divulgar, na TV, esta característica é, convenhamos, um tiro no pé.

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Cheias

Passado o dia de ontem, com cheias e uma precipitação descomunal, tudo em Lisboa e arredores retoma à normalidade quotidiana. Mais uma vez, ficaram os avisos, os reparos, as queixas, os lamentos, as insuficiências e as irresponsabilidades. Se calhar, até às próximas. Então, ficarão os avisos, os reparos...

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17 fevereiro 2008

American dream

Os Estados Unidos da América (EUA) são um país incontornável na cena mundial. Goste-se ou não, é um facto. Outros haverá, decerto, mas nenhum com a projecção e a influência exercidas pelos EUA. E é por isso que o processo de eleição do futuro presidente é seguido atentamente em todo o mundo. Ainda para mais, na edição deste ano há uma presença forte de três candidatos, Barack Obama, Hillary Clinton e John McCain, qualquer um deles com hipóteses reais de vir a ganhar a eleição.
De uma forma ou de outra, nesta eleição é provável que qualquer um dos candidatos se reveja como a concretização do american dream. Muita da propaganda e do marketing político é para aí que apontam. Conseguir que essa imagem seja assumida e adoptada pelos apoiantes de cada um dos candidatos e pelo mundo que observa é, parece-me, a «cereja em cima do bolo».
Pode pensar-se que isto se aplicará, com mais propriedade, à candidatura de Barack Obama. Talvez sim, mas também para os outros dois. Hillary Clinton e John McCain, cada um à sua maneira e recorrendo a motivações e anseios diferentes o poderá, também, sustentar. E é bom não esquecer que os EUA, para o bem ou para mal, continuam a ser um país sui generis, sobretudo para os olhos, forma de estar e de ser dos europeus.
Lidar com um cenário como este é, para já, a principal e grande surpresa desta eleição americana. Duvido que alguém pudesse tê-lo vaticinado nestes termos e com estes contornos. Pelo menos aqui, na Europa. Nos EUA não sei, mas também tenho grandes dúvidas.
De uma coisa, no entanto, tenho quase a certeza: não consigo ver, em mais nenhuma parte do Mundo, uma coisa acontecer com características semelhantes. E isto, penso eu, também é o american dream.

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Kosovo

Hoje, o Kosovo tornou-se independente. Para além da declaração de independência, as incógnitas e as preocupações sobre o futuro são as certezas que, neste momento, se têm por certas. Mais do que parte da solução, talvez que a declaração de hoje se tenha tornado na parte (grande) do problema. Que não está geograficamente circunscrito e cujo desenvolvimento é imprevisível.

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14 fevereiro 2008

Tommy Lee Jones

«Notável» e «memorável» são as palavras que me vêm à cabeça, depois de ver o desempenho de Tommy Lee Jones no filme No Vale de Elah.
Na tela, Tommy Lee Jones interpreta o papel de um ex-militar na reforma, procurando manter-se ocupado e continuando a reproduzir, mecanicamente, alguns dos rituais militares quotidianos: fazer a barba e a cama; engraxar os sapatos; vincar as calças; e, sobretudo, disciplinar e conter as emoções. É um patriota e tem família.
A vida, as convicções e as relações, familiares ou sociais, deste ex-militar estão indelevelmente marcadas pela instituição e o quadro de referências militar, nas suas versões mais estereotipadas e clássicas. O passado, o presente e o futuro estão reféns desta ligação, quase umbilical.
A conciliação entre os dois mundos, o militar e o familiar, não é (nunca foi, suponho) uma tarefa fácil para o ex-militar. Bem pelo contrário, ela desenvolve-se numa tensão latente, contraditória e potencialmente conflituosa. Apenas espera que um facto, um acontecimento, um pormenor,
pequenos que sejam, a faça estilhaçar, sendo as suas repercussões imprevisíveis. E esse facto ocorre.
Este ex-militar e a sua mulher - espantosa interpretação, também a de Susan Sarandon! - tiveram dois filhos. Ambos passaram pelo exército. Um já morreu, vítima de acidente na tropa, e o outro foi destacado para o Iraque, de onde regressou há pouco. Contudo, após o regresso aos EUA, este filho é dado como ausente não autorizado do quartel, incorrendo numa possível sanção como desertor. Comunicado este facto ao progenitor, ex-militar, como se disse, mas também pai, este decide procurá-lo. Não o sabe, mas está prestes a fazer uma viagem desconhecida, de contornos e resultados tenebrosos. Mas isso, ele (ainda) não sabe.
A intervenção americana no Iraque é o pano de fundo de No Vale de Elah. É este o contexto em que decorre e se explicam (?!...) as cenas e o desenrolar do filme. Por agora, deixemos isso e voltemos à interpretação de Tommy Lee Jones.
Para o espectador, quase que chega a ser desumana a capacidade de controlo emocional e de representação de Tommy Lee Jones na criação do seu personagem. Da mesma forma que se tornam catárticas (e bem-vindas, note-se!) os (poucos) excessos temperamentais do protagonista, mesmo que violentos. Como arte de representação um exemplo fabuloso, recreando, dentro dos limites do (in)imaginável, uma dolorosa e insuportável experiência, a raiar a demência.
Em No Vale de Elah, Tommy Lee Jones talvez tenha feito o ou um dos grandes papéis da sua vida. Tal como na história de «David contra Golias», que se defrontaram no «Vale de Elah», talvez ele tenha vencido a sua batalha contra o «gigante», munido de pedras ( a arte de representar) e de uma funda (o talento).
No Vale de Elah termina com uma imagem e um simbolismo fortes. Falo do momento em que o protagonista, o ex-militar interpretado por Tommy Lee Jones, já conhece as circunstâncias da morte do seu segundo filho, recentemente regressado do Iraque e desaparecido misteriosamente do quartel. Ao chegar a casa, o ex-militar e patriota encontra a bandeira que o seu filho tinha levado consigo para o Iraque. Pega na bandeira americana e decide hasteá-la ao contrário, propositadamente. Em cena anterior do mesmo filme, ficámos a saber que esse gesto, hastear a bandeira ao contrário, significa, num código reconhecido internacionalmente, um pedido de ajuda. Temos, pois, uma cena, protagonizada por um ex-militar americano, de convicções e empenho patriótico, em que a bandeira do seu país, regressada do Iraque, pelas mãos do seu filho, já morto, é hasteada, ao contrário, como se implorasse auxílio. Mas isso é uma outra história, mesmo que conexa com o argumento do filme No Vale de Elah.
Sobre Tommy Lee Jones, no entanto, as certezas ficaram, definitivamente, estabelecidas: a interpretação que ele tem, em No Vale de Elah, é fabulosa! Dêem o Óscar ao homem!

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11 fevereiro 2008

O fim da inocência

Os acontecimentos em Timor devem ter ajudado a minar, ainda mais, o ânimo dos portugueses e do país. Cai uma das últimas utopias, a da inocência.

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Malsão

Se quisesse definir o actual clima sociopolítico utilizaria a palavra «malsão». Nota-se na cara das pessoas, nas ruas, nas reacções. É um misto de desencanto, cansaço e desalento. Até o bom tempo, por paradoxal que seja, cheira a falso.

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07 fevereiro 2008

Um, dois, três toques... golo!

Não prestei muita atenção ao jogo Portugal-Itália. Quando prestei, deu para ver e confirmar o que já sabia: as equipas italianas, a feijões ou não, são implacáveis - um, dois, três toques... golo! E apanhando-se a ganhar... mais um, dois golos. É assim e está nos livros.
Jogar com elas é um problema e, já se sabe, com poucas perspectivas de êxito. Nos dias normais, como o de ontem, a derrota costuma estar garantida. Nos anormais, talvez um empatezito, o mais frequente, ou uma vitória, rara.
A diferença de andamento e de exigência dos campeonatos, o italiano e o português, também ajudam a explicar algumas coisas, designadamente no que ao aproveitamento das oportunidades diz respeito. O primeiro golo do jogo é disso exemplo: três portugueses contra um italiano deram em nada; contra-ataque italiano rápido, um, dois toques, lance que parece perdido e controlado... golo! É dos livros e os italianos já os conhecem de cor.

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05 fevereiro 2008

Previsão?

No Domingo, a notícia passou praticamente incólume. Ao correr do dedo e do browser, sondei a imprensa na net e nada. Excepto o Pulido Valente e o editorial do Público. Das duas, uma: ou a notícia era irrelevante ou então andava-se distraído. E que notícia era essa? A do texto do general Garcia Leandro, responsável máximo pelo Observatório de Segurança, Crime Organizado e Terrorismo. A afirmação de mais impacto era a de que o país estaria à beira de uma «explosão social». Pelos vistos, matéria e opinião sem importância... Além do mais, até estamos no Carvaval...
Ontem, na SIC, lá apareceu o homem, de viva voz, a dar conta das suas apreensões. Se alguém o escutou ou lhe prestou atenção, não sei. Se calhar, é por estarmos no Carnaval...

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Petisco

Bacalhau, batatas, tomates, cebola, alhos, pimento, bróculos, sal, azeite e forno. Acompanhado a pão e com um Douro, Três Bagos. O estômago e a alma agradecem. O ego também não fica mal, dada a satisfação dos comensais.

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01 fevereiro 2008

Palavrário (letra b)

Nenhum dos carros se movia, bloqueados pelo número e pela falta de espaço. Balanceando, uma cabeça e um corpo evidenciam-se: trata-se de um ciclista. Monta uma bicicleta velha, fora do tempo e do lugar - não é uma bike, mas uma pasteleira. Indiferentes aos bonitos da moda, o ciclista e a bicicleta balançam e avançam, como um barco à vela. Pelo meio do trânsito, caótico e bruto, o ciclista pedala com brio. Fá-lo com dignidade e parece-nos um bravo. O contraste tem o seu quê de belo. O ciclista, alto e magro, com a sua bicicleta velha, no meio do trânsito, caótico e bruto, assemelha-se a um D. Quixote. Sabe que é uma luta inglória. Indiferente, segue o seu caminho. Lá longe, e isso lhe basta, espera-o o amor da sua Dulcineia...

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