«Notável» e «memorável» são as palavras que me vêm à cabeça, depois de ver o desempenho de Tommy Lee Jones no filme
No Vale de Elah.
Na tela, Tommy Lee Jones interpreta o papel de um ex-militar na reforma, procurando manter-se ocupado e continuando a reproduzir, mecanicamente, alguns dos rituais militares quotidianos: fazer a barba e a cama; engraxar os sapatos; vincar as calças; e, sobretudo, disciplinar e conter as emoções. É um patriota e tem família.
A vida, as convicções e as relações, familiares ou sociais, deste ex-militar estão indelevelmente marcadas pela instituição e o quadro de referências militar, nas suas versões mais estereotipadas e clássicas. O passado, o presente e o futuro estão reféns desta ligação, quase umbilical.
A conciliação entre os dois mundos, o militar e o familiar, não é (nunca foi, suponho) uma tarefa fácil para o ex-militar. Bem pelo contrário, ela desenvolve-se numa tensão latente, contraditória e potencialmente conflituosa. Apenas espera que um facto, um acontecimento, um pormenor,
pequenos que sejam, a faça estilhaçar, sendo as suas repercussões imprevisíveis. E esse facto ocorre.
Este ex-militar e a sua mulher - espantosa interpretação, também a de Susan Sarandon! - tiveram dois filhos. Ambos passaram pelo exército. Um já morreu, vítima de acidente na tropa, e o outro foi destacado para o Iraque, de onde regressou há pouco. Contudo, após o regresso aos EUA, este filho é dado como ausente não autorizado do quartel, incorrendo numa possível sanção como desertor. Comunicado este facto ao progenitor, ex-militar, como se disse, mas também pai, este decide procurá-lo. Não o sabe, mas está prestes a fazer uma viagem desconhecida, de contornos e resultados tenebrosos. Mas isso, ele (ainda) não sabe.
A intervenção americana no Iraque
é o pano de fundo de
No Vale de Elah. É este o contexto em que decorre e se explicam (?!...) as cenas e o desenrolar do filme. Por agora, deixemos isso e voltemos à interpretação de Tommy Lee Jones.
Para o espectador, quase que chega a ser desumana a capacidade de controlo emocional e de representação de Tommy Lee Jones na criação do seu personagem. Da mesma forma que se tornam catárticas (e bem-vindas, note-se!) os (poucos) excessos temperamentais do protagonista, mesmo que violentos. Como arte de representação um exemplo fabuloso, recreando, dentro dos limites do (in)imaginável, uma dolorosa e insuportável experiência, a raiar a demência.
Em
No Vale de Elah, Tommy Lee Jones talvez tenha feito o ou um dos grandes papéis da sua vida. Tal como na história de «David contra Golias», que se defrontaram no «Vale de Elah», talvez ele tenha vencido a sua batalha contra o «gigante», munido de pedras ( a arte de representar) e de uma funda (o talento).
No Vale de Elah termina com uma imagem e um simbolismo fortes. Falo do momento em que o protagonista, o ex-militar interpretado por Tommy Lee Jones, já conhece as circunstâncias da morte do seu segundo filho, recentemente regressado do Iraque e desaparecido misteriosamente do quartel. Ao chegar a casa, o ex-militar e patriota encontra a bandeira que o seu filho tinha levado consigo para o Iraque. Pega na bandeira americana e decide hasteá-la ao contrário, propositadamente. Em cena anterior do mesmo filme, ficámos a saber que esse gesto, hastear a bandeira ao contrário, significa, num código reconhecido internacionalmente, um pedido de ajuda. Temos, pois, uma cena, protagonizada por um ex-militar americano, de convicções e empenho patriótico, em que a bandeira do seu país, regressada do Iraque, pelas mãos do seu filho, já morto, é hasteada, ao contrário, como se implorasse auxílio. Mas isso é uma outra história, mesmo que conexa com o argumento do filme
No Vale de Elah.
Sobre Tommy Lee Jones, no entanto, as certezas ficaram, definitivamente, estabelecidas: a interpretação que ele tem, em
No Vale de Elah, é fabulosa! Dêem o
Óscar ao homem!
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