30 abril 2022

Questão de voz(es)

_ Por que razão não dá nome às personagens?

_ Não precisam... Mas têm voz!

_ Acha que chega?

_ Sim. Se se estiver atento, consegue-se identificar e diferenciar cada uma...

_ Não ficava mais fácil dar-lhes nomes...?

_ Perdia-se o trabalho de interpretação do leitor... Também tem de trabalhar, não concorda...?

_ Visto assim... Quais são as vozes que aconselha?

_ Depende da música...

_ Soprano/tenor... Baixo/contralto...?

_ Porque não Rombo/embotado... Ligeiro/insignificante...?


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De(talhe) 3

Não era para ter sido assim. Desta vez, ao contrário das outras, não saíra para fins de investigação, mas de sustento. A despensa esvaziara e era preciso repô-la. Mas a sina do investigador (lá está, mais um detalhe, sempre um detalhe!...) é destinada, é fatal, como se diz, e não é com duas cantigas que se sacode para detrás das costas, ou trás das costas, já nem sabia bem, mas que era para as costas tinha a certeza... E isto porquê, pergunta o «estimável público»? E a resposta era simples, para não dizer pueril: porque sim!

Certo é que, com mais ou menos detalhe, poderíamos dizer que já estávamos na dimensão que lhe interessava, desde há algum tempo, que era a da investigação que se propusera fazer sobre o «detalhe», aquele je ne sais quoi que os franceses aplicam quando a coisa está difícil de responder ou de fugir, mas que fica sempre bem quando se pretende fazer uma figura de profundo e habilitado conhecedor das profundezas e das especificidades da alma humana, mas não só, pois aqui também estamos a pensar no cérebro, no esqueleto, e nos músculos, numa descrição anatómica mais ou menos arrevesada, mas necessária para dar conteúdo e espevitar as mentes de quem nos segue ou ouve falar, caso seja essa a situação. E era este o caso, se bem que me tenha perdido um pouco na sequência argumentativa...

Retomando a inspiração inicial, complementada com mais três ou quatro expirações, para ganhar balanço e sossegar o ânimo, a frase entrou de supetão, à laia de míssil (desculpem, mas é a palavra adequada à caracterização), aquando da expedição para repor a despensa, atirada para o ar, assim como quem não a quer a coisa, por uma de duas passeantes com quem se cruzara: «A dor da perna passou-me. Tal como veio, assim foi...». E foi como uma espécie de click (não daqueles que estão pensar, credo!), daqueles habitualmente associados à nobre e sempre necessária actividade da investigação e afins, aquela que eu julgara ter abandonado, sossegado em casa, fazendo inspirações e expirações, alternadas, como convém...

O dilema era claro: a que perna, se referia a transeunte: a direita...? Ou a esquerda? 

E aparecera como: à boleia...? Ou em veículo próprio?

Rematando para canto, já agora: e porque é que a dor se fora embora: não gostara da perna...? Ou, gostando, talvez estivesse a enganar a dona da perna para voltar a aparecer mais tarde?

Como se vê, tudo questões pertinentes e claramente adequadas ao tema da investigação/tese. Teria que ver, era óbvio. Até lá, porém, uma coisa era premente: saber, porque raio, é que ficara com uma dor num dos braços, era estranho, só para fugir ao padrão!...



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27 abril 2022

Elevação

_ Porque é que não faz um plano...?

_ Dá muito trabalho...

_ Mas o trabalho eleva-nos, não acha...?

_ Não sei... Acha que sim?

_ Acho, acho! Porque não experimenta...?

_ E elevo-me, mesmo...?

_ É fatal como o destino!

_  E isso não o torna perigoso?...

_ Só para quem não se eleva.



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26 abril 2022

É cedo... ainda

Torceu o nariz em dar para aquele peditório... A torcidela fora suave, mas assertiva. Com mais um esforço, tinha sido ele o destinatário do peditório... Ainda esboçou um gesto, mas conteve-se. Desta vez, iria em frente. Vendo bem, o tostãozinho para o Santo António ainda vinha um pouco longe...

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24 abril 2022

Ensaio, 1,2, 3

«Este é uma história em formação. Vacilante, no princípio, mas firme nos propósitos. Preocupa-se com o estado das coisas e, correndo tudo bem, chegará a bom porto». Na cabeça dele, esta seria a primeira frase do livro. Idealizava qualquer coisa como 300-400 páginas, talvez mais, mas sempre as necessárias para desenvolver a acção e o compromisso das personagens (tinha pensado em trinta). Começaria por um ensaio, nos sentido real e figurado, a ver como corriam as coisas, e para apalpar o pulso... Estava confiante.

 

 

 

Comentário: embora desafiante, para ensaio parece-nos um pouco desafinado. É a convicção real, não figurada. A formação da história, como é que está pensada: em regime presencial ou à distância? Por módulos ou exame final? E a vacilação, como é que se processa: de forma suave ou em vagas alterosas? E as personagens, não serão poucas...? Quanto ao pulso, tudo o que for superior a 120 pulsações por minuto é capaz de ser arriscado... Concluindo: a coisa é capaz de não funcionar.




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Um-dó-li-tá

_ Escolha um autor!

_ Não me apetece...

_ Tem medo?

_ Tenho vergonha...

_ Porquê?

_ Só conheço os obtusos...

_ Antigos ou contemporâneos?

_ Não, só os do meio.

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23 abril 2022

Abanic(ar)

Abanou-se. Ao princípio, com hesitação e alguma tremura. Depois, com mais intensidade. Quando deu por si, tinha levantado voo!...

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17 abril 2022

Um outro olhar

O homem olhava para o céu e não despegava. De vez em quando, utilizava a mão como se estivesse a chamar algo ou alguém. Era estranho, pois o destino do chamamento era o céu azul, onde não se vislumbrava o que fosse entendível como o destinatário ou destinatária desse gesto. Nem pássaros se viam. Era bizarro, no mínimo. 

_ Bom dia. Desculpe... Passa-se alguma coisa...? Está bem...?

_ Sim, estou bem. Não se passa nada... É só uma memória que me fugiu... Não se preocupe... Quando se cansar, ela volta.

E sorriu.

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16 abril 2022

Suposto era...

_ Não era suposto as coisas terem-se passado assim...

_ E era como...?

_ Não sei!

_ Não sabe!?... A sua frase não indicia um sentido diferente, uma certeza ou quase...?

_ Sim, podia ser... mas não!

_ Então...?

_ Já disse: não sei. Mas a frase tem impacto, profundidade, talvez... não acha...?

_ Não, não acho... Diria que é mais do domínio da superficialidade e da vacuidade... Desculpe, mas assim não vamos lá!...

_ Compreendo... Mas olhe que não era suposto ser assim!...

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13 abril 2022

Constatável

_ Não prevejo, antevejo, antecipo... É uma constatação!

_ Não está no ramo certo. É outra!

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12 abril 2022

Safra(do)

A safra não fora grande coisa... Fosse do frio, da chuva ou do calor, o balanço era esse. Olhou para o céu, como quem diz «E agora...?», na esperança de alguma coisa, pouca que fosse, mas boa, de preferência... Aparentemente, nada. Resignava-se. Um brilho no chão despertou-lhe a atenção. Aproximou-se. Era um diamante. E dos bons!

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10 abril 2022

Passei por aqui, a ver em que param as modas... Que me dizem?

Que volte mais tarde, pois estamos a mudar de colecção...

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(Des)credenciar

_ Mostre-me as credenciais.

_ Não trouxe. Ficaram em casa.

_ Então porquê...?

_ Pesam muito...

_ Pesem muito ou pouco, tem que as trazer...

_ Não posso!...

_ Não pode...!? Essa agora!... Em trinta e cinco anos disto, nunca deixei as minhas em casa!... O que é que me diz, agora...?

_ Que os seus bolsos não estão rotos...

_ Está a insinuar alguma coisa...? Ponha-se a pau!...

_ Não estou a insinuar nada, sossegue... Que feitio!... É só uma constatação! Nada mais...

_ E de quê, não me esclarece...?

_ Já lhe disse: que os seus bolsos não estão rotos!...

_ E daí...?

_ Daí, nada!... São só o contrário dos meus, que passam a vida rotos...

_ E o que é conclui, pode saber-se...?

_ Que quem os fez, não deveria ter as credenciais necessárias...



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05 abril 2022

Donaire

Era um melro com pinta... Diziam-lho, pelo menos. Constituía o sinal distintivo, marca de diferenciação que lhe permitia, sem baquear, lançar o trinado característico e sedutor, cheio de donaire, que se traduzia mais ou menos assim: «Doce pomba, para aonde voas...?».

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03 abril 2022

É só da cambra

Vendo a inspiração em baixo, decidiu dar uma ajuda. À falta de bomba, decidiu soprar. Mas o resultado e o som que se ouvia era só o do «pffffff...». Tratava-se de um furo, concluiu. Pelo menos, o juízo funcionava bem.

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Por via das dúvidas...

_ Aviso já: não tentem enganar-me!...

_ Fica o registo. E isso porquê, pode saber-se...?

_ Sou especialista em postas!...

_ De pescada...?

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Estólido

Há rotinas e hábitos «fatais como o destino». Uma delas é esta, não é segredo: curiosidade pela palavra do dia no dicionário on-line. E a de hoje, «Basbana», com o significado de «desprovido de inteligência ou discernimento», apresentava como seus sinónimos algumas outras palavras, entre as quais uma que se destacava, talvez pela sonoridade: «Estólido»!. E o isco era demasiado apetecível para se tentar conhecer mais alguma coisita acerca dela, que se mostrava com duas linhas quanto ao significado: um, dizendo que significa o que se disse já com «badana», e outro, que se definia assim:«que mostra falta de bom-senso ou sensatez = absurdo, descabido, disparatado, insensato», em suma, toda uma gama de significados que se aplicam, «como uma luva», à maioria dos conteúdos deste local de encontro. Resumindo: o significado de «estólido» pode considerar-se uma alma gémea destes correr ao longo da pena... E com origem no latim, o que lhe dá logo um sainete diferente, olá, se dá!... Saia, pois, um «estólido» para o escriba da praça! A gerência agradece.

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02 abril 2022

Quero contar um conto, mas falta-me um ponto... O que é que faço?

Esqueça e tente fazer uma quadra.

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De(talhe) 2

Alguém lhe terá dito que a melhor abordagem talvez fosse a do camuflado... Ficou intrigado, para não dizer ligeiramente incomodado, receoso de que ainda não fosse desta que a sua investigação/inquérito sobre o detalhe tivesse avanço ou desenvolvimento. Mesmo assim, teria de confiar no que lhe disseram ou julgara ouvir, não conseguia responder a esta dúvida, sob pena de a coisa nunca mais se concretizar. Tinha de avançar, pois não queria problemas com a entidade que lhe adiantara a verba para a investigação. O problema era decidir como se adaptar a esta imposição do camuflado... O melhor era começar por uma loja especializada no artigo.

_ Bom dia.

_ Bom dia. O que vai ser, então...?

_ Ainda não sei muito bem... Dê-me só alguns minutos para dar uma vista de olhos pela loja e ver um ou outro artigo. Depois falo consigo, pode ser...?

_ Claro. Quando quiser.

A loja estava muito bem composta, não havia dúvidas: botas, sapatos, anoraks, pullovers, malhas, meias, luvas, gorros, chapéus, polares, impermeáveis, mantas, e muitos mais artigos de que não sabia para que serviam, mas serviriam para alguma coisa, decerto, de toda a qualidade e feitio, incluindo preço. Obviamente, alguns tinham-lhe despertado mais a atenção do que outros, mas sentia-se confortável para decidir sobre o escolha do «camuflado». Procurou o funcionário que o atendera ao entrar na loja e foi falar com ele, decidido a efectuar a compra.

_ Ora viva, desde há bocado, encontrou alguma coisa de que tivesse gostado...? Posso ajudá-lo...?

_ Sim, certamente. Ando à procura de um camuflado...

_ Para que fim: caça, pesca, fuga, rebuliço, despercebimento...?

_ Não sei... Despercebimento, talvez...? É para um inquérito/investigação...

_ Como nos detectives...?

_ Não. Mais para uma tese/ensaio...

_ Deixe-me ver... Tem prazo...?

_ Sim. Uma bolsa.

_ Há risco...?

_ Só se for de chumbo, parece-me...

_ Muito bem. Por favor experimente esta, a do despercebimento. Que tal...?

_ Boa, sim senhor. Muito confortável. Levo esta!

_ ?... Onde diabo é que o cliente se meteu...!? Colega, ó colega: viste alguém com um camuflado de despercebimento...!?

_ Não, pá. Não ficaste com o talão...!?



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