28 fevereiro 2017

Dizem que não tenho papas na língua. Isso é bom ou é mau?

Depende do regime alimentar.

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Factos (e fatos) alternativos


Olhou para a mochila e verificou se estava tudo: roupa, saco-cama, merenda, água. A lanterna, os binóculos e o canivete suíço, prenda do Macgyver, iam consigo no colete e nos bolsos das calças. Nem sabia bem para o que ia, mas à cautela levava as coisas que lhe pareciam o básico para este tipo de expedição, da qual pensava estar de volta por horas do jantar, talvez um bocadito mais, logo se veria.
A curiosidade tinha sido mais forte do que a acomodação (e se esta era forte!), irresistível para um aventureiro como ele, passadas tantas e tantas, umas melhores, outras piores, mas aventuras de se lhe tirar o chapéu (ups!, falha grave esta, pois tinha-se esquecido dele, ainda por cima oferecido pelo Indiana, ia já a correr pô-lo), por montanhas, vales e florestas, menos pelos águas revoltas, sobretudo no Inverno, também por ser um bocadinho atreito ao frio e à humidade, daí os problemazitos nos ossos, mas nada que pusesse em perigo a segurança e o desempenho na actividade.
Tudo começara por uma conversa que ouvira no café, depois do almoço, que é uma hora costumeira para o distender da língua e da imaginação, também para passar pelas brasas, sobretudo se estiver num sítio confortável e quente, mas menos provável nos cafés, por causa do barulho das conversas e do tilintar das chávenas. A conversa era entre dois compinchas de longa data, o Tico e o Teco, danados para a reinação e para a balbúrdia, apesar de estarmos no Carnaval e ninguém levar a mal (mentira, pois a senhora que dormitava na mesa ao lado acordara, sobressaltada, e começou a rezar um terço, assim, sem mais nem menos, mas percebia-se que era por fé, deixando-se sossegada depois de lhe ter sido prometido que o que estava a ouvir era fruto do sonho e que não se preocupasse, pois logo, logo ia voltar a adormecer, agradecendo ela e aproveitando a passagem do empregado para pedir mais um cálice daquele licor, de sabor muito suave, que lhe fazia muito bem à tosse e também era digestivo, se fizesse favor e quando pudesse)... Mas deixemos a nossa devota e continuemos para o que nos conduziu à decisão sobre a expedição, se bem se lembram e que está no início da história, logo no primeiro parágrafo, aquele onde se fala do arranjo da mochila e do que se vai meter lá dentro.
E o que a conversa entre o Tico e o Teco revelara (para seu espanto!), era a existência, supostamente comprovada por eles, de fatos alternativos, algures, já não se lembravam bem, pois já era ao lusco-fusco, mas ali para os lados da Moita de Cima, mais ou menos nos limites com a Moita de Baixo, divergindo eles sobre as características da espécie ou das espécies, não tinham a certeza se era um com muitos olhos e pernas ou muitos com olhos e pernas ao mesmo tempo, uns brilhantes, outros nem por isso, mas assim para o baço. E a luminosidade ou a falta dela é que lhe chamara a atenção, pois a referência aos fatos alternativos, só por si, volta e meia aparecia referenciada em crónicas e teses diversas, daí já não ser grande originalidade. Agora, fatos alternativos brilhantes aí é que a porca torcia o rabo! Tinha que ver.
As indicações eram imprecisas, pois os limites entre Moita de Cima e Moita de Baixo são grandes e extensos, e não dispunha de muito tempo. Tentaria a sorte pelo velho método da moeda ao ar, sempre infalível e de interpretação segura: ou cara, e vais para a esquerda, ou coroa, e vais para a direita. Como a moeda ficou a meio, em equilíbrio, o que não deixava de ser um sinal, seguiu em frente.
Sinal de que a escolha em frente tinha sido boa e oportuna, os vestígios sobre os fatos alternativos brilhantes apareciam aos molhos, como o alecrim, ou como as fitas de carnaval, que havia muitas por essa altura, fazendo-se ouvir uns apitos e umas pandeiretas que, da sua experiência, lhe davam indicação de que se tinha aproximado de outro continente, ali mais em direcção ao hemisfério sul, era o que lhe dizia a bússola, mas que devia estar enganada, pois Moita de Cima e Moita de Baixo eram do hemisfério Norte, distrito da capital, ainda se lembrava… A análise teria que ser mais fina, concluía, e bebeu um gole de água, que lhe pareceu com um ligeiríssimo travo de aguardente, o que até soube bem, pois estava com um bocadinho de frio.
À medida que se aproximava, o barulho e a berraria aumentava. Sem se aperceber, tinha aterrado num corso de foliões e de folionas, de todas as cores e feitios, mas compenetrados do seu papel ou da falta dele, mas não importava, estávamos na altura e havia que dar corda ao desfile.
Num valezito à frente, mas à vista, que tinha de fazer as vezes de uma cratera, que não havia, estava estacionada uma nave, de alta cilindrada, mas com pouco consumo, fruto de uma tecnologia avançada, pronta para fazer as vezes de um drone gigante e fazer umas filmagens, por cima do corso, e atirar uns confetes. O passeio era de borla, mas só para convidados.

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26 fevereiro 2017

Erros de percepção (mútua)

_ Olá, boa-tarde. Posso mandar uma mensagem?
_ Pode, claro. Já estava à espera.
_ Estava...? Já tínhamos falado?... Não me lembro...
_ Não se lembra?! Pense lá melhor... Tínhamos combinado, então não se recorda?
_ Ao certo, ao certo... não. Era sobre quê?
_ Sobre o trabalho, é claro! Duas marquises. Com vidros duplos. Chave na mão!
_ Duas marquises? Vidros duplos?... Mas eu só tenho uma janela! Será que viu bem?
_ Ih!... Que barraca!...
_ Que barraca?!... Não lhe admito isso, ouviu?
_ Calma, calma... Não quis ofender... Tratou-se de um erro de percepção...
_ Só falta dizer que é mútua... Será?
_ Não diria tanto... Eventualmente, se achar melhor.
_ Acho. E sobre o trabalho?
_ Já não quero.
_ Não quer!?
_ Não, não quero.
_ Então porquê?
_ Lembrei-me de uma coisa...
_ E então...?
_ Estou de folga.

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25 fevereiro 2017

À hora


Não imaginava que a decisão viesse a ser polémica. Na sua cabeça tudo fazia sentido e se encaixava. Na cabeça dos outros, pelos vistos, não. Continuava sem compreender, mais a mais porque o processo tinha sido participado e, na altura, toda a gente achara bem e não pusera objecções. Agora, num golpe de mágica (ou palaciano, talvez), as pessoas do seu círculo desdiziam-se e voltavam com a palavra atrás. Gostaria que o processo não começasse de novo e voltassem à estaca zero. Ainda pensou em não lhes dar ouvidos, mas a sua consciência opunha-se. Estava convencido de que os convenceria de novo e que tudo se iria resolver e que os faria chegar à razão. Mesmo contrariado, lá iria promover uma reunião extraordinária e ouvir o que tinham para lhe dizer sobre o projecto. Certo disso, fez as convocatórias e mandou as sms.
Apareceram todos e isso agradou-lhe. E à hora, note-se, o que o satisfez ainda mais, pois o costume vigente não era esse. Depois das boas-vindas, a reunião iniciou-se com a explanação do assunto que levara à sua convocação, que todos já conheciam, tendo sido feito referência ao seu carácter extraordinário e à necessidade imperiosa de sair uma posição concertada e, se possível, unânime, dada a natureza e o melindre do que estava em causa. Aparentemente, todos anuíram e a reunião desenrolou-se, uns apresentando os seus argumentos a favor e outros rebatendo-os, mas também os corroborando, quando conveniente. A principal discórdia, sempre o fora, prendia-se com o timing e a forma de que se revestiria o anúncio público, pois era disso que se tratava. Tinham-se promovido inquéritos, feito estudos e sondadas pessoas competentes sobre o que fazer e como o fazer bem. Mais ou menos todos concordavam que o projecto tinha que ser assumido com dignidade e comunicado com a gravidade e a pompa inerentes. Não o reconhecer e aceitar, reforçavam, era uma manifestação de grande indigência intelectual e social, nada abonatórias para a figura em causa, para eles mais do que um líder, um verdadeiro guru.
Tendo ouvido os considerandos, que pesou com gravidade e com a consideração adequadas, atendendo ao esforço e às pessoas envolvidas, reconheceu que não lhe seria fácil tomar a decisão que iria tomar, mas que ela se impunha, pois achava que seria a melhor para ele e para o grupo.
Assim, e como dispunha de voto de qualidade (que desculpassem, mas era assim que as coisas funcionavam), mantinha-se inamovível no seu propósito de se declarar oficialmente louco à hora a que o sino tocasse.

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24 fevereiro 2017

Mecanismo

_ Funciona ou não funciona?
_ Funciona, claro. Só que a coisa tem segredo...

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22 fevereiro 2017

Leitura

Leu a sina e assinalou os erros, quer de concordância quer de sintaxe. Publicou os resultados com uma ressalva: não ia haver 2.ª época.

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19 fevereiro 2017

Etereamente

Nem sempre queria ver. Quando isso acontecia, procurava uma justificação e entabulava uma conversa, só para si próprio, mas audível para quem visse ou estivesse a passar. Fora o que acontecera naquele dia.
_ Queres ver?
_ Não, não quero.
_ Porquê?
_ Já não estou habituado... Desinteressei-me.
_ Aborrece-te, é?
_ Nem por isso... Não vejo, ponto.
_ Porque não queres ou porque não vês?
_ Nem sei... Deve ser uma fase. Deve passar. Vou experim...
_ Desculpe! Posso dizer uma coisa?
_ Ah?!...
_ Aqui em cima, no alto! Pode ajudar-me?
_ Quem fala?
_ Aqui em cima. Sou eu!
_ Eu?... Não estou a ver bem... É de cá?
_ Mais ou menos... Não se lembra de mim?
_ Não estou a ver... Mas diga lá, o que é que me quer?
_ Preciso de uma informação, pode ser?
_ Depende da informação... Se for para fazer mal, digo-lhe já que não!
_ Qual mal, qual carapuça! Nada disso... Onde é que se compram etéreos, por aqui?
_ Etéreos?... De criação ou dos outros?
_ Dos outros, claro. Os de criação são muito caros...

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Preocupações

Espalhara-se ao comprido. Piedosas, algumas almas perguntaram-lhe se se tinha magoado. Outras, mais sérias, verberaram-no por não ter vergonha.

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Títulos

_ Viste as gordas?
_ As gordas?!...
_ Sim, as gordas.
_ Não costumo tratar as pessoas dessa forma... Não me parece correcto e acho deselegante. Não concordas?
_ Pessoas?... Correcto?... T'ás falar de quê?
_ É óbvio sobre o que estou a falar... Não percebes?
_ Não, não percebo... Estava a falar de notícias. E só.
_ Ah!, essas...

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18 fevereiro 2017

Imprevidente

Atirara-se ao trabalho com unhas e dentes. Fora corajoso, reconheciam os próximos, mas imprevidente, pois não medira as consequências: para a guitarra ficara sem unhas e para as dentadas a placa fora-se, condenando-o a uma dieta de papas.

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16 fevereiro 2017

(Ás)segura

Fez o pisca e ultrapassou o medo.

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14 fevereiro 2017

Torrente

Possuía uma escrita torrencial. Mas tinha que ter cuidado, pois estava sempre a receber alertas da Protecção Civil, sobretudo nos meses de precipitação. Por via das coisas, até já pensara em construir um dique. E ainda bem que a ideia não avançou (sorte a sua), porque a escrita foi descoberta pelos adeptos dos desportos radicais, que a adoptaram como espécie em vias de extinção e digna de medidas de protecção, tendo a ideia do dique sido recusada, liminarmente. O entusiasmo e a satisfação eram enormes e pensava-se que nada voltaria a ser como era... Infelizmente, a escrita secou.




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12 fevereiro 2017

Cascas d'alho

_ E o que temos?
_ Umas cascas d'alho.
_ Só!?
_ E um baraço.
_ Um baraço!?... Para que é que queremos um baraço?
_ Este segurava uma asa de frango... que era mergulhada na água a ferver. Foi muitas vezes usada para fazer canja...
_ E o frango, era do campo ou de aviário?
_ Não sei. Mas o do presunto sei.
_ Ah, agora temos presunto!... E diz-me lá: Pata Negra ou dos outros?
_ Pata Negra, sem dúvida.
_ E como é que sabes?
_ Estava lá escrito.


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11 fevereiro 2017

Com ar de maresia

Descobrira de que lado é que soprava o vento. Para uns intuição, para outros sorte, o certo é que costumava acertar na previsão. Como nesse dia, em que suspeitava que não era dia de bacalhau mas de sardinha... Contra os que lhe argumentavam que não era época de sardinha, e eram muitos, mas sim de caldeirada, mais apropriado à época e ao estado do mar, respondia que não era bem assim, pois tinha dado ordens. Que era para serem cumpridas, senão arrimava-lhes com o tridente... Ou não se chamasse Neptuno.


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Ala!

Olhou para o ranking e viu que não tinha leitores. E leitoras também não, subentende-se, até porque não estava em saldo, o que era algo que não se recomendava, pois estávamos na época e as leitoras costumavam ser implacáveis neste domínio. Era algo a rever para a próxima campanha, sem aplicação às de promoções, pois havia que manter o nível.
Era desesperante. Teria que fazer algo. No frio, aconselhava-se o quente; e no quente, aconselhava-se o frio. Podia ser um caminho. Que não poderia ou deveria ter pedras. A não ser que os leitores e/ou leitoras fossem adeptos das caminhadas. Com jeito talvez desse. À cautela, ia arranjar um bordão...
Ala, que se faz tarde!

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10 fevereiro 2017

Definido

_ Como se definiria?
_ Individualista.
_ Arrependido?
_ Impenitente.

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05 fevereiro 2017

Mal passada

Dispunha de 10 minutos para conceber uma história. Teria que gerir bem o tempo. Para não se perder, começou a atirar ideias para o ar. Via como caíam e decidia se eram aproveitáveis ou não. Com uma caçarola tentava apanhar as mais interessantes, fazer-lhes um rápido check-up e ver como se aguentariam em condições de pressão e temperatura mais exigentes. O relógio continuava a girar, parecendo acelerar à medida que o fim se aproximava. Começou a sentir alguma apreensão, mas ainda acreditava que era possível. O nível cardíaco intensificava-se, o que era mau para a saúde, mas bom para a ficção - por via disso, teria que ter cuidado com o sal. A angústia acentuava-se. Voltou a olhar para o relógio: faltava minuto e meio! Pensou em desistir. Recompôs-se. Ouve-se uma campainha. Conseguira! E antes do tempo, o seu grande rival, desclassificado por deslealdade e manipulação do relógio. Fizera-se justiça. Os ovos tinham ficado bem. E as ervilhas também.





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Queria fazer um reality show em volta de um jogo de sueca. Acham que funciona?

Se não houver renúncias, sim.

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De passagem

Para não perder competências, resolveu ir dar uma volta. Desta vez, de dia. Acabou por entrar onde tinha que entrar, dada a hora e a circunstância, sem adivinhar o que se avizinhava. A princípio, tudo normal. Já no fim, as coisas começaram a complicar-se, se bem que fruto do acaso. A mulher não se calava. Começou a pensar numa saída airosa, mas estava difícil. Lembrou-se do comando e solicitou o teletransporte. Pediram-lhe para aguardar, à espera de vez. E a mulher continuava, desta vez pela enésima. Finalmente aconteceu o ok e desapareceu dali, a velocidade relâmpago. A mulher, rapidamente recomposta da surpresa, ainda tentou lançar-lhe a mão, mas em vão. Lá longe, o ET passou a mão pela testa, cheia de suor, e comentou que, com ele, idas à Terra só à noite. De dia não, obrigado.

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04 fevereiro 2017

Aforismo

Ter as costas largas nem sempre se ajusta ao tecido.

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Estado

_ Finado.
_ É nome?
_ Não. É estado.

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Rigor(osíssimo)

O dito popular «Sabes muito, mas andas a pé» só se lhe aplicava por metade, precisamente a do andar a pé. Quanto ao «saber muito», só se fosse de «inglês de praia» (com ligeiro sotaque), ou de «música da treta» (parcialmente fora de tom), recusando, por conseguinte, tal distinção ou honraria. Mesmo o andar a pé tinha que se lhe diga, em bom rigor, pois a maior parte do tempo deslocava-se nos transportes públicos. Assim, com propriedade, no seu caso o dito popular deveria ser adaptado para «não sabes nada ou sabes pouco e, às vezes, andas a pé». A bem do rigor.

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