29 setembro 2013

Idiomático 23

- Dê-me dez reis de mel coado, por favor.
- Tanto?!...
- É verdade. Hoje estou um mãos-largas.

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Posta

«Vou passar pelas brasas», disse. Assim fez. Quando se levantou, estava mais de um lado do que do outro. Voltou a deitar-se. «Dêem ao fole e não abusem do sal», pediu. Ficou no ponto. Foi servida na mesa seis.

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Boato(s)

O Boato acercava-se e fazia por meter conversa. Já todos o conheciam e à conversa também, mesmo que mudasse o tema ou os protagonistas. Havia quem fosse amigo dele, outros nem por isso. Alguns desses amigos eram falsos e já o tinham avisado, sobretudo os verdadeiros, que gostavam dele. Também era sensível e melindrava-se com o que dele diziam, às vezes boatos. Seguia em frente, porém. Um dia emigrou, deixando os amigos tristes e os falsos contentes. Mais tarde se soube dele, embora sem muitas certezas. «O Boato morreu» - diziam uns - «O Boato está vivo» - afiançavam outros. Por via das dúvidas, perguntaram ao Consulado se sabia do Boato e se estava vivo ou morto. Até à data ainda não responderam a quem perguntou. Consta. Mas isso são boatos.

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Internar

Sentiu uma dor e resolveu dirigir-se às urgências. O diagnóstico foi claro e preocupante: dor de alma.

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28 setembro 2013

Rogar pela alma

Nem sempre a expressão «rogar pela alma» está imbuída de sentimentos piedosos ou revela preocupações do domínio do religioso. Nalguns casos tem até pouco de piedoso, pois pode envolver pensamentos ou acções pouco dados à espiritualidade ou à mundividência religiosa, sendo mais do universo da justiça terrena.

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Ordens

Pegou no aspirador de folhas e dirigiu-se para o seu posto, como era de hábito e função. Quando o ligava afastava os transeuntes, enchendo-os de pó e de barulho, mas não ouvia os impropérios (que os havia e não eram poucos, muitos entredentes). Aos que se queixavam, respondia: «São ordens». Entretanto choveu, que já não era sem tempo e os transeuntes e a terra reclamavam. Nesse dia o aspirador não servia para nada (e ele já sabia), levando o homem a dizer, entredentes, por doce ironia: «Foram ordens».


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Idiomático 22

Serôdio chegou tarde. Mas isso já se sabia.

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27 setembro 2013

Roleta russa

A luz apagou-se e ouviu-se um tiro. Ninguém se magoou, foi uma sorte. Quem disparou atirou a matar, mas ao calhas. Foi um tiro no escuro. Teve azar.


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26 setembro 2013

Papão

Meteu o dedo no nariz e os macacos começaram a chorar, com medo: chegara o homem do saco.

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Pontada

O guarda-costas descuidou-se e apanhou uma pneumonia. Não lhe servia. Deitou-a fora.

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Estão todos bem

Uma pequena descoberta, via televisão: Estão todos bem.  Uma história dos nossos dias, contada com sensibilidade e permitindo a Robert De Niro mais uma interpretação para recordar. Mais uma.

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25 setembro 2013

Patuscada

O pombo disparou um tiro certeiro e atingiu o homem, que não morreu logo. Foi para a panela ainda a mexer-se, mas acabou cozinhado como os outros. Serviram-no com arroz. Era mais ossos do que outra coisa e o arroz não estava mau, mas faltava-lhe sal.

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22 setembro 2013

Duche

Estava atrasada, mas ainda com tempo para um banho rápido. Molhou o corpo e aplicou o champô que estava mais à mão, não cuidando do ph. Quando deu por isso, era tarde: a alma desbotara.

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21 setembro 2013

Heróis

Nesse dia, recusaram-se a ir para a linha da frente. Cansados de serem carne para canhão, uniram-se e fizeram frente a quem assim os obrigava. Muitos deles desertaram e fugiram, mas aqueles tinham ficado, vá-se lá a saber porquê. Apesar das ameaças e das represálias, mantiveram-se inamovíveis e resolveram inscrever o seu gesto na história, que se iria contar um dia, estavam certos, mesmo que já não estivessem cá para a ler, ouvir ou reproduzir. E assim foi. Esse dia ficou na história como o dia em que, em Las Vegas, os pinos de bowling se recusaram a ser colocados na pista.

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Penetra

No congresso da ficção, a micro entrou pela fechadura.

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Fred Astaire

Ensaiou o passo e tombou, rodando sobre si próprio. Os entendidos aproximam-se e dialogam, com ar de entendidos:
- Parafuso a menos?
- Não. Rosca a mais.

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Binária

. Lembras-te?
- Não.
- Recordas-te?
- Sim.

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Reencontro

A história e o conto-do-vigário encontraram-se, pois não se viam há muito. Quando se despediram, o vigário ficou sem o conto e, da história, nem vê-la.

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TGV

O comboio do tempo não pára nem espera por ninguém (... em dívida para com texto publicado no Público, «O tempo move-se rapidamente na Síria, e contra o mundo», de Sofia Lorena, a 20 de setembro de 2013).

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Epitáfio

Era bom, mas esquecia-se muito.

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20 setembro 2013

Rasou

Lançou-lhe um apelo, mas ele desviou-se.

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O Gangue de Hollywood

Um grupo de adolescentes fica fascinado com o mundo e a vida das celebridades: o que elas são, como são e o que mostram. Os ídolos que se deseja imitar estão ao alcance de um clique, de uma fotografia ou de uma festa. Se esses ídolos são como são e gostamos disso também queremos ser como eles, muitas vezes não medindo as consequências ou calculando por fácil aquilo que nos dizem que assim é ou parece ser. Quando isso se torna absorvente, a fronteira entre o poder e o dever torna-se ténue e imprevisível, conduzindo a resultados não esperados ou surpreendentes para os envolvidos e as suas famílias.
A emulação de ídolos ou de figuras mediáticas não será moda nem invenção recente, se bem que mais divulgada e explorada nos nossos dias, alimentada nos dois sentidos e, aparentemente, de boa saúde. Algumas destas histórias até podem desembocar em filme, como acontece com «O Gangue de Hollywood», de Sofia Coppola, recorrendo a uma situação que de facto ocorreu e que não deixa de ser perturbante, pela descrição dos pressupostos e dos factos que lhe estão subjacentes.

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19 setembro 2013

Asar

A rabanada fê-lo levantar voo. Quando aterrou, queixou-se dos fritos e enjoou o açúcar.

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15 setembro 2013

Lanche

Os recursos eram escassos. Quando teve de optar entre o caviar e o champanhe, escolheu uma sandes.

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Foi-se

No grupo era sempre a abrir. Quando se acabaram as portas, desfez-se.

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Transacção

Apanharam a fruta com uma mão e com a outra a venderam. Veio a inspecção e não souberam que dizer, empanturrados que estavam. Foi tudo dentro e a fruta estragou-se.

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Triagem

- Consome livros?
- Consumo.
- Então, temos que internar.

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14 setembro 2013

Idiomático 21

Arremessou-lhe um insulto como quem atira uma pedra e rachou-o.

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Salamaleques

Encontraram-se para trocar impressões mas tiveram cuidado para não sujar as mãos.

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Noc noc

O autor rejeitara as suas primeiras obras e fez por esquecê-las. Um dia, porém, elas bateram-lhe à porta e chamaram-lhe pai.

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08 setembro 2013

Pluf!

O canhão recusou-se a disparar, invocando objecção de consciência.

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Na feira VI

As autoridades tinham alertado, mas ninguém ligou. Como elas tinham previsto, a proximidade no tabuleiro entre facas e navalhas era potenciadora de conflito sério, dada a rivalidade entre os dois grupos. Foi um pandemónio e pancadaria generalizados, tudo tendo início na provocação de uma navalhinha a uma faca de sobremesa. Terminou com a intervenção da brigada de púcaros, que tiveram apoio dos vasos e das floreiras. Para além de uns cortes e de umas perdas de cabos, não houve danos de maior.

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Na feira V

Para as ovelhas o espectáculo já era habitual, aquele de os carneiros exibirem os cornos. Entre risinhos, limitavam-se a comentar que eles não passavam de uns parvos e imaturos, ao contrário dos bodes, figurões e já com barba.

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Na feira IV

Foi mais forte do que ele, apesar das restrições ao piropo. Quando a cabra passou por ele, o bode não se conteve e assobiou-lhe às tetas.

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Na feira III

A Vermelhinha apercebeu-se, mas já foi tarde. Quando gritou por socorro, já a malandra da Ovelha lhe fugira com uma das Caricas.

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Na feira II

Depois de lhe ver os dentes, o fato e os sapatos, o burro comprador disse para o burro vendedor que aquele homem estava velho e precisava de albarda e de ferraduras novas.

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Na feira I

O burro, com o homem pela corda, chegou ao recinto da feira e perguntou quanto é que lhe davam por ele.

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Piropa-te!

As associações representativas dos Galanteios e a dos Piropos começaram já a preparar-se para uma eventual decisão do politicamente correcto contrária aos seus interesses, muitos deles ancestrais e património imaterial de gerações. Para além da informação e divulgação aos associados, as associações prevêem a realização de acções comuns e de plenários, bem como de campanhas nos meios de comunicação social, sob o lema «Piropar é bom e dá desconto». A criação de um curso específico sobre Piropos e Galanteios, a leccionar no sistema de e-learning, e a promoção do «Dia Nacional do Piropo e do Galanteio» estão também previstas, dependentes, no entanto, da obtenção de financiamento.

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07 setembro 2013

Jesus Cristo Bebia Cerveja

Jesus Cristo Bebia Cerveja, de Afonso Cruz, é um livro que se lê de um trago ou dois, se for mais lento ou quiser saborear mais devagar. Começa por um título interessantíssimo e invulgar, pormenor que tantas vezes afasta ou aproxima um leitor que vai à descoberta, e continua com o esgalhar de uma história e de desenvolvimentos de que se gosta, até com umas surpresas filosóficas pelo meio, identificando um gosto, bem como as máximas, essas pérolas de síntese e significado, visualmente apelativas e muitas vezes servidas para ornar um humor ou uma ironia.

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Vê-se melhor

O funâmbulo pousou a vara e recusou-se a continuar. Passadas a incredulidade e a aflição, o director de pista perguntou-lhe porquê.
- Por nada - respondeu o equilibrista - Só quis ver as vistas. Vou também aproveitar para pensar na minha vida e talvez mudar de número, desta vez como bala humana. Podes fazer-me chegar um fino, por favor?

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Apertar as calças

«Trato do gado desde que aperto as calças». Há frases assim, que revelam e falam de um mundo, ainda que distante ou inimaginado. Apanheia-a numa edição da Pública, publicada em 18 de Agosto de 2013, ouvida e recolhida numa reportagem sobre Sernancelhe, lá no Portugal profundo. É a frase de alguém que, desde muito cedo, se tornou ou é pastor, e que foi requisitado para o ofício e as suas responsabilidades numa fase da vida em que, muitos de nós, mal nos temos em pé ou desconhecemos a força que é preciso fazer para apertar as calças, acabados de deixar as fraldas e dos aconchegos maternais. Para este amigo, porém, como para muitos como ele, a aprendizagem tinha que ser rápida e pouco compadecida com a fase etária, até porque a necessidade e o envolvimento familiar e social o exigiam. Para estes, está visto, a maturidade e a transição para a idade adulta não se fizeram à custa do bilhete de identidade e da comemoração e acumulação de aniversários, antes do desembaraço para vestir e apertar umas calças.

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Sobe, desce e salta

Há jogos de futebol que contam esta história e que outros irão repetir: como quem não está à espera, primeiro a coisa anima-se, estraga-se a meio e compõe-se no final. A seguir, dê-se-lhe um nome e carimbe-se uma data: Irlanda do Norte 2 - Portugal 4, 6 de Setembro de 2013, apuramento para o Mundial do Brasil. No dia em que o Ronaldo bateu o número de golos do Eusébio e fez o seu primeiro hat trick na selecção, com destaque para dois belíssimos golos de cabeça, especialidade não lusa ou só praticada por poucos. Na memória também, o happening da rapaziada que para aquelas bandas assiste às futeboladas pintadas com cores de selecção: se aquilo não é um arraial, digam-me lá onde é que os há.

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05 setembro 2013

Crime e absolvição

O ar, aparentemente descontraído, traiu o homem. Foi isso que chamou  atenção do detective, que por ali passava, passeando um cão. Uns passos à frente, o cheiro confirmava as suas suspeitas, rapidamente tornadas certezas quando detectou a mancha na parede, imperceptível a olhos não treinados ou, quiçá, ofuscados pela luz da tarde: uma mijadela! Indiferente a estas congeminações, mas provavelmente sugestionado pelo crime do seu «irmão» de duas patas, o canito alçou a perna e também se aliviou de águas... Sem ar comprometido, constatou o detective.



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As voltas

Os fantasmas perseguiam-na e ela despistou-os.

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O calçado

A pé-de-chinelo foi às compras. Cruzou-se com a do sapato-de-marca, que lhe pediu uns trocos, e mandou-a trabalhar.

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A palavra

- Escuta a palavra.
- Não quero.
- Lê os textos.
- Não me apetece.
- Tens fósforos?
- Não fumo.

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A luz

- Viste a luz, irmão?
- Vi, ali ao fundo. Era de uma bicicleta, só não sei se de corrida ou BTT.

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01 setembro 2013

O Ano da Morte de Ricardo Reis

Depois de ler O Ano da Morte de Ricardo Reis, de José Saramago, só me resta concluir, de novo, que a leitura é um campo propício ao fascínio, por mais que esta frase cheire a feita. Não sem alguma temeridade ou inconsciência iniciais, atendendo ao estilo do autor e as referências ao universo pessoano, o fascínio começou a insinuar-se lentamente, foi crescendo e explodiu no final, várias vezes me levando a proferir exclamações entusiásticas e em voz alta face ao que lia e percepcionava, feitas naquele vernáculo elogioso que só se emprega para os amigos e as situações que aprazem, por contraditório que pareça, sublinhando, com gosto e para memória ou leitura futuras, as palavras, expressões ou frases que, para mim e naquele particular momento, mais me chamavam a atenção pela expressividade ou riqueza do que falavam e/ou mostravam.

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