28 março 2021

Cronologia fatiada

Esgotado e estafado o tema da mudança da hora, poucas são as alternativas para um dia como o de hoje, entrado às primeiras badaladas na hora de Verão. Também não iremos falar do golo da selecção, pois para esse peditório já demos, é pena, mas é verdade, golo foi, mas não contou, suspeito que por causa do relógio, resvés ao final, e o árbitro tinha mais do que fazer, por exemplo acertar o relógio para a nova hora. E marcar uma consulta no oftalmologista, já agora, como terá confessado ao seleccionador, mas não terá tido tempo, lá está, pois a coisa acelerou um pouco, sempre se perdeu uma horita...

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Versuto

'Versuto' é uma palavra pimpona, descoberta hoje como palavra do dia no Priberam (1), significando: «que sabe voltar-se para onde convém, hábil, esperto, astucioso, velhaco». Como todas as palavras ´pimponas', terá os seus 'quês', mas a maioria 'quês' largamente abonatórios, parece-me consensual e tendo em mente os significados listados. Em caso de dúvida, é só fazer o teste e aplicá-lo a si próprio. Por isso, esteja confiante se algum dia alguém disser de si que é «versuto». Antes que se abespinhe, poderá acontecer, considere antes que podem estar a elogiá-lo, sendo elevadas as probabilidades de isso estar a ocorrer.

 

 

 

(1) ("versuto", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/versuto [consultado em 28-03-2021]).

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27 março 2021

À la minuta

Desconhecia o que lhe passara pela cabeça. Chegou a fazer-lhe alta, mas não parou... Por isso, a solução era seguir em frente com o que projectara: uma obra minimalista, na senda de algumas que tinha produzido em tempos, mas que nunca divulgara. Sendo a primeira, convocou a comunicação social e apresentou-lhes a obra, um atacador estendido sobre um prato, que intitulou como O Estiraçado.

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Cumprimentos

Responder aos bons-dias, boas-tardes ou boas-noites não era só um gesto de urbanidade e de cortesia. Também tinha a ver com a segurança. Como o comprovavam quem não o fazia, sem tempo para surpresas: o tiro era sempre fatal.
 

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26 março 2021

À la tensão

O Chefe reuniu os colaboradores e informou-os de que quais eram os seus projectos. Começou pelo enquadramento, afirmando:

_ Eu, que sou o Chefe, tracei um rumo a direito. Sem desvios.

Os colaboradores entreolharam-se e manifestaram algum desconforto, visível na pose corporal, decidindo o mais afoito de entre eles tomar a palavra:

_ Desculpe, Chefe. Mas isso não pode ser assim, tão linear. Temos que contar com entorses, às vezes necessárias.

O Chefe olhou para o colaborador e meneou a cabeça, suspirando:

_ O amigo é jovem, compreendo. Mas quem é o Chefe...?

_ É o senhor, Chefe - respondeu o visado.

Então, o Chefe sorriu. E, apaziguador, propôs:

_ Amigos, como dantes...?

_ Não, Chefe. Exijo nova contagem.

O Chefe franziu o sobrolho, talvez pela falta de hábito de ouvir a palavra 'exigir', tendo-o a ele como destinatário. Inquiriu o desafiante:

_ E o nosso amigo, sugere que...?

_ Nova contagem - disse este - Sem viciação de resultados!...

Fez-se silêncio. O Chefe suspirou. Controlava-se, era óbvio. Mandou trazer de volta as malgas que preparara. Quando as trouxeram, o Chefe pegou na faca de cozinha e apontou na direcção do colaborador mais próximo:

_ Confiram lá os pedaços de frango de cada canja!...



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25 março 2021

Linhas

_ Quanto é que me dá por estas linhas...?

_ São vincadas?...

_ Não. Superficiais.

_ Pouco. Podem cruzar-se...?

_ Talvez... E se forem sobrepostas?

_ Depende do traço...


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Fasquia

Elevou a fasquia e ficou à espera. Como não aconteceu nada, baixou-a. O recorde manteve-se.

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21 março 2021

Gesto

_ Dê um exemplo de um gesto considerado digno.

_ Pode ser um qualquer...?

_ Pode. 

_ Levantei o dedo do meio para uma situação de iniquidade.

_ E foi eficaz...?

_ Passou ao lado.

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20 março 2021

Tragam a magirus

Passava pela praceta quando o viu, sentado na escadaria e em pose de meditação. Chamou-lhe a atenção o estado de transe, mas pensou que fosse consequência da exposição ao sol, que lhe incidia na cara. Seguiu em frente, aparentemente afastado do que acabara de presenciar, mas a imagem mantinha-se na memória. Procurou afastá-la. No regresso, talvez por impulso inconsciente ou subconsciente, não sabia, resolveu passar pelo lugar onde tivera aquele vislumbre, julgava agora, já sem tanta a certeza. O homem já não estava na escadaria. Começou a ouvir um «Pst, Pst, ó amigo, faz favor!». Levantou os olhos e reparou que o homem da escadaria estava agora em levitação, aí a uns bons 30 metros do solo. Espantado, perguntou-lhe se estava tudo bem e se precisava de alguma coisa. E ele disse que sim, mas que fizesse o favor de chamar os bombeiros e que trouxessem uma escada, de preferência a magirus.


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Arrebitar (o) cachimbo

É uma espécie de tiro e queda! Quando menos se espera e sem se saber ou se perceber porquê, ei-la (palavra, frase ou expressão) que aparece no cérebro e se manifesta após longa ausência, com ou sem vergonha, a maioria das vezes sem, e toma conta do palco ou, pelo menos, de um momento consciente na vida mental e «arreganha a taxa» (outra) ou responde arrogantemente, significado de «arrebitar (o) cachimbo», que é a expressão a que hoje se dá publicidade, com a dúvida quanto à utilização do artigo definido. Sobre a escolha do cachimbo como símbolo de alguma coisa (estatuto, provavelmente), é matéria para entendidos nas artes do psíquico ou similar, mas curioso, sem dúvida.

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18 março 2021

Cor da camisola

 _ Estou muito à frente!

_ Bô!?... Então, é uma espécie de camisola amarela, é isso?

_ Não. Sou é um visionário!

_ Um camisola rosa, portanto, como na Volta à Itália...?

_ Não, que raio!... Não tem nada que ver com bicicletas, mas com ideias, com projectos, com iniciativas, percebe?

_ Sim, percebo. E não tem nada a ver com a cor das camisolas, mas com a essência e com o arrojo, certo?

_ Sim, é isso. Como é que chegou lá?

_ Por causa da camisola.

_ Não estou a perceber... 

_ Sim, por causa da camisola. Sou trepador.

_ Trepador!? Não estou a alcançar...

_ É natural. Você é um velocista.

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14 março 2021

Edição em condições PTN (ou talvez não)

 _ Bem-vindo ao nosso programa e obrigado por ter aceitado o convite. Define-se como um autor de livros experimentais, testados em laboratório. Quer explicar-nos como isso se processa?

_ Sim, bom dia, e obrigado pelo convite. De facto, é assim. Antes de editar costumo testar a mistura em laboratório, em tubos de ensaio que eu próprio concebi. Só publico quando considero a mistura adequada. Se não estiver, não publico.

_ Em condições PTN (condições normais de pressão e temperatura)...?

_ Umas vezes sim, outras não. Devo dizer, aliás, que a maioria é não cumprindo essas condições. 

_ Por alguma razão?

_ Não. Decorre da experiência.

_ Não quer revelar um pouco o segredo da mistura...?

_ É melhor não... Sabe, ainda não patenteei o método. Quem quiser, terá que fazer um esforço e adivinhar o que se misturou. Mas tem funcionado bem, devo confessá-lo.

_ Já editou muitos?

_ Nenhum.

- Nenhum!?... Como assim?

_ Edições = 0; Experiências = 14327.

_ Como é que explica esses resultados?

_ A mistura ainda não está como eu quero.


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13 março 2021

Ao vivo e a cores

Desentorpecia as pernas, rua acima, rua abaixo, quando olhou para a tarja dependurada numa das casas, apontando para a entrada.

O anúncio à porta era convidativo: «Reunião de Cromos. Faça favor de entrar». Olhou lá para dentro e constatou que a assistência era escassa, se bem que fossem nítidas as separações entre as diversas famílias de cromos (explicaram-lhe depois): a dos desportistas, a dos artistas, a dos das tecnologias e afins, a dos sem actividade reconhecida e a dos curiosos sem apelo.

Sondou os organizadores a propósito do número de participantes, que lhe disseram que não era fácil reuni-los, até porque alguns recebiam esse reconhecimento precisamente por terem essa particular característica de parecerem a leste de qualquer tipo de orientação, como o de conseguirem encontrar o local da reunião, por exemplo, daí o investimento na tarja e no cartaz. Tomou nota e captou a seguinte conversa:

_ Quantos cromos é que temos hoje?

_ Está fraco. Só meia-dúzia deles. 

_ Só meia...!? Não dá para arranjar uma dúzia completa...?

_ É difícil. Compatibilidades diferentes, percebes?

_ Percebo. Não temos quórum, assim. Vamos apanhar uns poucos.

(Para quem não sabe ou já não se lembra, os cromos não são uma invenção moderna, supostamente pelas gerações mais novas, mas já com uns anitos, dedicados a consagrar as vedetas do que era popular na altura, estamos a falar de artistas, cantores, actores, desportistas, sobretudo). 

Era pena que nesse dia aparecessem tão poucos, lamentavam-se-lhe, pois contava-se com um convidado especial, representante da associação dos cromos, que iria fazer uma palestra sobre o «Ser Cromo, esse desconhecido», que previa a tradução simultânea, na eventualidade da presença de cromos de outras partes do planeta ou extra-terrestres, na sequência da recepção de sinais rádio captados dias atrás, solicitando a reserva de três, quatro cadeiras, junto do palco. Como o representante da associação não dava sinais, perguntaram-lhe se não quereria fazer uma perninha para desenrascar, coisa ligeira e apenas para cromo ver, agora que tinham apanhado a meia-dúzia que faltava e já tinham quórum. Perguntou se era preciso cartão ou licença e garantiram-lhe que não, mas ajudava se tinha alguma competência atribuível ao universo cromo, como um super-poder, ou algo semelhante. Disse que talvez, se conseguir fazer um medley de assobio de cantigas brejeiras, muito populares na altura, servia e se era adequado, pois dispunha de tempo até ter que ir para um concerto. Disseram que sim, que era óptimo e vinha a calhar. E que ficasse descansado, que lhe pagariam a actuação. Era só escolher a colecção de cromos que quisesse.





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12 março 2021

Sendo o caldo verde considerado uma das sopas top do mundo, a versão da minha avó vai ter direito a estrela Michelin?

Não lhe podemos dizer, pois é segredo. No entanto, avise a avó de que vão aparecer convidados na próxima vez que fizer o caldo.

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09 março 2021

Questão de irmandade

Não se lembrava de ter feito isso. Numa vida anterior, talvez, não podia jurar. Na actual, era difícil. Mesmo assim, era necessário confirmar. Pegou no telemóvel e digitou um número. Quando atenderam, perguntou: «Ouve lá, já alguma vez penámos por este sítio?», aguardando resposta, que veio logo a seguir: «Não. Isso é coisa de outra irmandade. Com outras regras. Nós é mais da via da rambóia».

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07 março 2021

À procura da paisagem interior - amostra 7

Preparava-me para passar um dia sossegado, na base de uma comidinha frugal, tipo feijoada, uma garrafinha de vinho, queijo e pão, complementados com uma sesta e uma leitura de jornais ou um livrito de aventuras, quando o telefone tocou com uma estridência inabitual, também pela hora, fazendo o Senupe dar um salto e emitir um uivo de desconforto, pois com o susto batera com a cabeça na mesinha da sala, enquanto ensaiava os seus exercícios de Tai Chi, nível 2. Olhei para o visor e imediatamente atendi. A PI nem me deu oportunidade de fazer ou ensaiar uma laracha, pois só berrava e pedia que fosse acudir-lhe, que estava tudo fora de controlo e não conseguia dar resposta à barafunda, desligando logo de seguida.

É triste quando os planos idílicos, feitos com amor, carinho e muita paciência, não podem ser executados ou concretizados. Que podia fazer, contudo, mais a mais quando uma alma simples e ingénua, como a PI, parecia estar num aperto e a necessitar de verdadeira ajuda, quem seria o coração, por mais empedernido que fosse, que não estaria disponível para ajudar?... Poupo a resposta, para não melindrar e forçar as meninges: ninguém!

Quando cheguei a casa da PI, a barafunda era de tal ordem que um caos era considerado eufemismo para descrever a situação, embora com algumas partes cómicas, como as corridas que a Marmela dava atrás de algumas daquelas faunas, eram várias, a cadela a pensar que aquilo era brincadeira, e as «presas» a berrarem «Ai, quem me acode, que o animal quer-me roubar o cromo do Eusébio, o de 66, que é o mais valioso!» e «Socorro, quem me ajuda com os cromos dos Reis da Rádio de 62, que o raio da cadela está possuída!...», e outros que tais, era indescritível!... A PI, então, estava pálida, deitada num dos sofás, com rodelas de batata na cabeça, atadas com um lenço garrido, de uma anterior viagem ao Brasil, a lamentar-se: «O que fui fazer!... O que fui fazer!...». Consegui acalmá-la. Perguntei-lhe que rambóia era aquela, o que é que se tinha passado. E ela explicou-me que estava arrependida, mas que a sua intenção fora pura e inocente (eram sempre, aqui para nós), mas que para ela era uma dor de alma ver como as pessoas se relacionavam e falavam dos cromos, das diversas espécies, não podia suportar esse tratamento ou desconsideração... Tinha que fazer qualquer coisa e promovera um encontro para cromos através das redes sociais e tinha dado naquilo... Estava envergonhada... Perguntei-lhe que famílias de cromos é que tinham respondido e ela não sabia, bem como muitos deles, acreditava também, pois as manifestações eram tão bizarras e fora da caixa que era de supor que muitas daquelas almas tinham aterrado ali como provindas de outros e desconhecidos planetas, ainda que terrestres. Mas que se não preocupasse, pois estava ali um dos maiores especialistas em encontrar e lidar com cromos, fosse qual fosse a agremiação: eu! E deu-lhe um fanico...



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06 março 2021

A minha imaginação recusa-se a trabalhar. Que devo fazer?

Marcar uma reunião e propor-lhe um aumento.

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05 março 2021

Cromo a cromo

_ Donde é que me saiu este cromo...?

_ Dali, daquele lote. Mas são certificados. É o que diz o rótulo.

_ Estás a falar de quê?

_ Do lote de cromos. Do Mundial de 86. Não era a esses que te estavas a referir?

_ Não, pá. Estava era a falar daquele, que está ali sentado. O do fato azul e de boina.

_ Não sei. Mas veio recomendado pela agremiação. 

_ De cromos?... 

_ Não. De provadores de vinhos. Disse que vinha para a convenção.

_ Qual, a dos escanções?

_ Não, pá. A dos cromos.



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04 março 2021

Disponível para amar

Filme de uma cinematografia que na maior parte das vezes me passa ao lado, a chinesa, de Hong-Kong, mais concretamente, foi visto na televisão, sinal dos tempos, a pedir revisão num ecrã. Com uma fotografia em tons acentuados, o que pode causar alguma estranheza, e com a utilização da música como parte integrante da narrativa, uma história de construção de uma relação amorosa, contida e sujeita a constrangimentos culturais  e emocionais provavelmente muito dependentes do local e da cultura onde se inscrevem, transmitindo e envolvendo-nos, à semelhança dos protagonistas, num cenário e numa vivência com o seu quê de claustrofóbico, ainda que matizada supostamente por relações e regras de convivência ancestrais. Uma descoberta interessante e fascinante.

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03 março 2021

Apetece-me deitar tudo cá para fora. Devo fazê-lo?

Pense bem, não vá dar-se o caso de ter que guardar tudo outra vez.

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01 março 2021

Pequenas coisas

Decidira-se por um inventário das pequenas coisas. Trabalho exigente, ou insano, talvez, mas necessário. Sim, não nos iludamos, as pequenas coisas não remetem apenas ou não querem significar o irrelevante ou o sem importância. Questão de critério e de valoração, é certo, dependendo de cada um. Pelo contrário, para muita gente as pequenas coisas, ou como tal apelidadas, são as que mais se valorizam, se calhar porque extraordinárias ou difíceis de obter ou alcançar. É um paradoxo, ou parece. A vida tem muitos. Ainda bem.

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