20 fevereiro 2012

Acordo Ortográfico – modo de usar

Por causa do Acordo Ortográfico, agora escrevo de duas formas distintas: procurando aplicar as normas no texto institucional e não as aplicando no texto privado. Não me parecendo grave esta dissociação, ela resulta de práticas distintas: mais consolidada e fluida a da norma pré-acordo, mais frágil e hesitante a que utiliza a do acordo. Se a duplicação se manterá ou não, havemos de ver. Por enquanto, conforto-me com um pequeno gesto de irreverência e de liberdade.

Etiquetas:

J.Edgar

Vou especular: fazer um filme sobre J. Edgar Hoover, criador e director do FBI, era capaz de ser um empreendimento que a maioria dos realizadores não quisesse ou estivesse disposto a fazer, admito que até por razões de natureza pessoal, dada a polémica que existe à volta desta figura e ao papel que se lhe atribui, relevante ou insignificante, nos meandros da política e sociedade americanas, durante vários anos e diferentes administrações presidenciais. Se calhar pela polémica associada à personagem, talvez Clint Eastwood tenha querido fazer esse filme, contribuindo com o seu ponto de vista para um debate que vai continuar a fazer-se.
Sendo um filme realizado por Eastwood, é sabido que se vai olhar para ele e analisá-lo tendo por referência o seu trabalho de realizador e as boas coisas de que já deu provas. Não adianta fazer de conta que as coisas não são assim que se processam, uma vez que a associação do seu nome a um filme costuma funcionar como um cartão-de-visita para o respectivo visionamento, o que claramente se verifica com este J. Edgar.
Não foi dos filmes de que mais gostei, talvez até um pouco desapontado, atendendo ao potencial da história e da figura de Hoover. Há para lá boas coisas, como o trabalho dos actores, por exemplo o de DiCaprio, a banda sonora e sua habitual sensibilidade para lidar com temas ou situações do universo da intimidade, mas parece saber a pouco ou não suficiente. Se calhar a expectativa era demasiada e pagou-se esse preço.

Etiquetas:

Reduzir, reciclar, reutilizar

«Tempos de crise, tempos de oportunidades» soa a frase feita. Contudo, mesmo que o seja, é grande a tentação para cuidar que o não seja. E isso é um bom prenúncio, pois evidencia optimismo.
Recorrendo aos conceitos ambientais dos 3 R (reduzir, reciclar, reutilizar), as pessoas têm procurado adaptar-se a uma situação adversa, rentabilizando esses conceitos nos mais variados domínios, da alimentação à cultura. Para além dos evidentes benefícios ambientais, resulta também desta opção uma mais-valia pessoal e emocional, com resultados apreciáveis, constituindo um bom indicador acerca da capacidade individual para criar algo diferente, mais ou menos elaborado.

Etiquetas:

15 fevereiro 2012

Ir ao cinema para aprender

A primeira informação acerca de um tema ou acontecimento (mundano, artístico ou científico) ocorre, muitas vezes, através do cinema. Para os espectadores, esta possibilidade pode representar uma mais-valia e um atractivo suplementar para a frequência das salas, pese embora o desconforto que esta perspectiva possa provocar nos cinéfilos mais puristas, que invocarão (provavelmente com razão) que este não é o objectivo primordial do cinema, podendo apontar a literatura, a imprensa ou outros meios de comunicação e divulgação como os mais consentâneos para satisfazer a necessidade de informação a que acima se aludiu.
Quando a ida ao cinema revela a descoberta ou sensibiliza para determinado tema ou contexto retratados, isso pode ter acontecido na sequência de uma experiência não-premeditada, desconhecida antes do início do filme, ou premeditada, isto é, fruto de uma opção para privilegiar o registo cinematográfico como a forma mais acessível ou «fácil» para que um público generalista possa aceder a temas complexos ou especializados, sob a forma de «ficar a saber algo mais sobre este ou aquele assunto», dispensando o investimento intelectual e os recursos documentais que isso implicaria, caso a opção fosse de outra ordem.
Os frequentadores das salas de cinema fazem-no porque gostam de cinema, independentemente das razões que os levam lá: lúdicas, profissionais ou artísticas. Muitos aproveitam a mais-valia informativa e de divulgação proporcionadas pelo cinema, que poderão rentabilizar ou não de outras formas, mas não esquecendo que foi graças ao cinema que essa aquisição se fez e em que condições. Qualquer um de nós poderá aferir acerca da sua experiência neste domínio e concluir se, sim ou não, isso se verificou alguma ou várias vezes. Quem sabe (?), talvez se descubra que foi duma experiência dessas, precisamente, que acabou por nascer um cinéfilo…

Etiquetas: ,

10 fevereiro 2012

Quando o telefone toca…

Tinha e era um coração generoso, como só os corações generosos podem ser: grandes, imensos, fraternos.
Nutria uma paixão por gatos e pelos gatos exprimia a sua paixão, generosa e imensa também, como o coração, que sintetizava na frase: «Tenho gatos para dar à Humanidade toda!». Eram muitos…
Um dia, tocou o telefone e ela atendeu:
-Daqui fala a Humanidade - disse a voz - Arranja-me um preto, com riscas brancas?…

Etiquetas:

09 fevereiro 2012

Roteiro de(a) crise (parte 2)

(continuação)
Por falta de atenção, desprendimento ou ausência de hábito, raramente atendia à mensagem e ao fim dos painéis publicitários plantados nas ruas ou avenidas das terras, cidades de seu nome, umas grandes, outras médias, sem esquecer aqui as pequenas, pois a colocação do painel não escolhe o tamanho dos lugares, esforçando-se por lhes gabar os méritos com a máxima de que não se medem aos palmos, tal como no humano padrão, e sem esquecer que também é conforme aos seus fins, pois de publicidade se trata. Descobriu-se no fim do passeio que algo o diferenciava dos anteriores (e, quem sabe, talvez dos futuros…), pois apresentava características que o singularizavam, dependentes e relacionados com o aparecimento dos ditos painéis, publicitários de seu fim, como se disse já, mas que pareciam possuídos de um outro (surpreendente, intrigante, com vida que parecia própria), mais do domínio do fantástico do que do rotineiro pedestre, impondo a sua presença como se dissessem: «Estamos aqui! Olha para nós! Lê a nossa mensagem! Medita sobre ela!». E assim se fez, seguindo os passos e as instruções ordenadas, pois não é mester desobedecer aos sinais, para mais de exclamação, que de ordens também se assinam. Obedeçamos, então.
E para que é que o alertavam os painéis, os tais com vida que parecia própria, parecendo mais fantásticos do que concretos, que se impunham com as suas mensagens e apelos, pois já se vira que eram mais do que um só, ainda se não sabendo se serão mais, dois que sejam, três, quatro, mais um ou menos um? Apresentemo-los, então.
Cioso da importância na enumeração e do papel na simbologia, o primeiro deles não defraudava os pergaminhos, parecendo animador pela mensagem referente a um evento, pois de uma celebração se tratava (e feliz, melhor ainda!), convidando o passeante a orgulhar-se pelo «Fado, Património Cultural da Humanidade», e uma acarinhada maratonista subscrevia, risonha o incentivando: ‘Orgulhe-se!». E ele, bem comportado e educado, também se orgulhava, mais não fosse porque era o que esperavam dele. Deixaria para mais tarde outras apreensões, que as havia, e que se prendiam com significados outros para ‘Fado’, menos dados a euforias e tradicional carimbo para o País, que era o dele, e para a história de nós todos, o Povo que por cá andou, anda e, esperemos, andará futuramente. Como se não bastasse esta arritmia semântica em relação a ‘Fado’, a sua costela pessimista dava-lhe conta de achaques que provinham das funduras subconscientes, relacionadas com a especialidade da ex-atleta, a maratona, pelo que se antevia ou julgava antever… Apressemo-nos, pois, que se faz tarde.
Controlada a semântica e sossegada a inquietação, eis que se chega ao painel das coisas do tudo e mais qualquer coisa, do compre que está barato, vá lá antes que esgote e a nós dá jeito: «Equipamentos a preço de custo!». Quais seriam eles, os equipamentos?... Dos bons e baratos?... Dos caros e maus?... Dos inúteis?... Como o passeante não sabia ou não se achava capaz de responder, apenas a expressão «a preço de custo» o incomodava e o alertava para um sintoma, ténue, a princípio, mas que ameaçava crescer, crescer… Seriam estes os sinais da crise de que ouvia falar?... Ver-se-á se assim é, a preço de custo ou não, trocado por miúdos mas com impactos graúdos e tonalidades sociais afins, algumas delas nem por isso… Aguardemos, talvez.
Mas não foi preciso ao caminheiro esperar muito, soube-o logo e agora reforça, quando se confrontou com o terceiro que apareceu, especificidade de painel publicitário, que em títulos avançava: «Guia indispensável do emprego. Crie as suas próprias oportunidades. De 7 de Janeiro a 11 de Fevereiro, aos sábados, grátis com o JN». «Crie as suas próprias oportunidades» - ressoava-lhe a mensagem - «Tudo o que precisa para conquistar e manter o seu trabalho» - sussurrava-lhe o complemento – «Vá lá, não seja piegas!» - o tempo o justificará mais tarde… «Precate-se!»; «Ouse!»; «Abalance-se!»; «Sem medos!» – dirá o coro, todos nós, cada um em particular. «Força!». Com tanta força, inglório ou imprudente seria resistir, concluiu o passeante. Abalançou-se, por isso: de forma suave, ao princípio, mais destemido, depois. E dispôs-se a ousar.
«Faço salgados. Informe-se aqui no quiosque». Não podia ser partida por conseguida que fosse, mas facto concreto e palpável, o daquela folha branca afixada na parede de madeira, que teimara em lhe saltar para os olhos em vez de jornais e de outra imprensa, poiso habitual de tal sítio, agora também ele reconvertido, estava bom de ver, na evidência do que se prometia no painel terceiro, e que recordava, aclarando o seu sentido: «Crie as suas próprias oportunidades»… E ali estava um exemplo, sob a forma de pastéis, rissóis e croquetes! «Curioso» - filosofou o passeante - «Curioso» - repetiu…
Este era para ser um passeio a pé como os outros, mas não foi. Andara muito o nosso passeante, contudo. Sentou-se. Pegou no telemóvel e marcou um número. Quando atenderam, pediu:
- Uma dúzia de croquetes, por favor…




Etiquetas:

08 fevereiro 2012

Pão do dia

Considerava-se um cronista e propunha-se retratar o quotidiano. Faria disso a sua rotina e o seu ofício. Reverenciava o pão. Talvez por isso, não estranhou o simbolismo da mensagem no saco de supermercado: «pão do dia». Encontrara a sua pedra-de-toque, o seu modo de olhar para esse quotidiano de que queria dar conta. Começou assim: 'Pão do dia tantos, do mês e do ano de tantos»...

Etiquetas:

07 fevereiro 2012

E o artista fazia assim...

Sherlock Holmes, Jogo de Sombras, é um filme de acção, muita acção, surpreendendo os habituais conhecedores das façanhas do célebre detective inglês, mais familiarizados com um estereótipo que se construiu à sua volta, sobretudo por causa da tv. Apesar de manter intocadas a sua sagacidade e inteligência, só que agora enroupadas pelo realizador numa coreografia e pirotecnia apreciáveis, lá continua Holmes a tirar coelhos da cartola junto com o seu companheiro Watson, personagem que também teve que acompanhar esta adaptação física e movimentada, juntos a enfrentar um vilão que pede meças a Holmes. Com esta versão, é curioso, vem-nos à memória o renascer do mito e da performance do «artista», o protagonista da linguagem infanto-juvenil, que após mil e um tormentos ressurge fresco e pronto para outra... Também por isto, que viva o cinema!

Etiquetas:

04 fevereiro 2012

Roteiro de(a) crise (parte 1)


Era para ser um passeio a pé como os outros: distância aceitável; itinerário conhecido; destino certo. Era para ser um passeio a pé como os outros, mas não foi. E tudo se deveu ao acaso, não de trajecto ou de rota, mas de atenção. Também de circunstância, há que dizê-lo. Nos dias que correm e nas terras que se habitam, aproveitar a circunstância não é pequena coisa. Pelo contrário, é grande e celebrada coisa. Como foi outrora e provavelmente o será depois de agora, tal e conforme a circunstância de então… Mas voltemos ao passeio.
Aceite a distância, conhecido o itinerário e certificado o destino, poderia pensar-se que o nosso passeio a pé se fazia ao abrigo de roteiro pré-determinado, com pausas para descanso e momentos para desfrute, como é costume de roteiro que se preze. Não era o caso, no entanto. Nem roteiro, nem desfrute, muito menos descanso: só um imperativo de marcha, numa ânsia de papa-léguas, por metros que fossem. E nisso, o nosso passeio a pé não se diferenciava de outros. Julgava ele.
Mas o impensável aconteceu, transformando um passeio a pé igual a tantos outros num passeio a pé que se iria diferenciar de todos os outros. Saber porquê também o confirmará, sob pena de o caminheiro se desacreditar em relação ao que afirma, que afiança por bom e por verdadeiro. Veremos se o consegue.
Estava um dia bonito, destes que já foram habituais naqueles dias atrás e o são nestes também, com o sol a lembrar Primavera e um frio a não fazer esquecer o Inverno, ainda que arredado de chuva, pois que a crise, em tempos de crise, pelos vistos também não escolhe desígnios, por climatéricos ou de precipitação que se (não) vejam… Não contando, por enquanto, com a chuva dos céus para esconjurar o mau-prenúncio, só nos resta que avancemos pelo roteiro, que embora se diga não-existente à partida se deu por bom e verdadeiro, e urge tornar conforme com a lógica do título e o factual da sua efectivação. Confiemos, por isso. (continua)

Etiquetas:

01 fevereiro 2012

Religiões - escolha a sua


Etiquetas: