31 outubro 2014

Os mortos podem votar?

Se pagarem as quotas, sim.

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Pregador

Pregou muito e bem, sem nunca atingir os dedos. O mesmo não se aplicou às almas, que foram muito marteladas.

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Subi um lanço íngreme de escadas. Posso considerar-me um alpinista?

Se não encontrou neve, não.

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Pagamento

Iludiu a morte e ela cobrou-lhe.

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Trocado

_ Dê-me uma moeda...
_ Só tenho notas!
_ Dê-me uma nota...

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26 outubro 2014

Mudança da hora

Foi ao baú buscar a hora de inverno e deu-lhe uma arejadela, pois era a altura de voltar a ser utilizada. À hora de verão deu banho, pô-la a secar, dobrou-a e arrumou-a na arca, com um bocadinho de naftalina por causa das traças.

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25 outubro 2014

Norma

Muitas pessoas, não todas, sabiam que a razão da zanga entre o predicado e o complemento tinha a ver com a interposição de uma vírgula entre eles. Talvez pela diferença de estatuto - pois de um lado estava um «predicado» e do outro um «complemento» - o que é certo é que a zanga nunca foi levada muito a sério. Com o «sujeito», porém, a coisa fiava mais fino. E tão fino fiar era que teve de ir para tribunal, por via das dúvidas. Para quem não esteve no julgamento ou não pôde consultar a sentença no Prontuário, aqui fica ela: não se separa por vírgulas o sujeito do predicado e este do complemento.


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Tardego

Aposentara-se. Finalmente. Rodeou os olhos pela sala e pousou-os no objecto pontiagudo, comprado recentemente. Quis recusar a tentação mas ela impunha-se, porque senão não o era. Ajeitou uma baraça e saiu para o quintal. Mediu o sol e lançou-o com um gesto firme, expectante do resultado. Conseguira! Orgulhoso, mas emocionado, levantou os olhos para o céu e proclamou:
_ Já sei lançar o pião!


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Justiceiro

Afiou a côdea de pão e apunhalou a fome.

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24 outubro 2014

Levantadiças

Quando lhe bateram à porta, já estava de pijama. Pensou em não abrir, mas a curiosidade foi mais forte. Para mal dos seus pecados fê-lo e arrependeu-se logo, quando viu quem eram: as palavras, aparecidas assim, sem mais nem menos, desfraldadas, trôpegas e balbuciantes! Quis pô-las fora (bêbadas que estavam!), mas condoeu-se e fez-lhes um chá. Estas agradeceram e pespegaram-se a dormir, pois eram levantadiças. Ele também.

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19 outubro 2014

Aforismo

Uma parede é uma parede e uma porta é uma porta. Se tiveres dúvidas, bate-lhe.

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Pexote 12

Abriu o cofre e entalou-se no manípulo.

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Pexote 11

Colheu limões para fazer uma limonada e saiu-lhe uma sangria.

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Análise

_ A minha escrita não é orgânica.
_ Temos que ver isso.
_ Há risco?
_ Vamos ver. Certezas, só depois das análises.

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Pingentes

Escolheu um dos penduricalhos e olhou para o espelho a ver como ficava. Ao lado a mesma coisa, só que de sexo diferente e noutro espelho. Torceram o nariz e, com isso, os penduricalhos viram traçada a sorte comum.

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À margem

«Sem margem para dúvidas», disseram-lhe. Não se conformou, pôs-se em bicos dos pés e fez um acrescento. Desequilibrou-se e foi posto fora.

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18 outubro 2014

Posso sentar-me?

Escolhera aquele lugar por ser sossegado. Os bancos eram poucos mas confortáveis, propícios para o descanso, a leitura e a conversa, esta menos do que os outros dois, que se repartiam metade-metade, uma consequência do tempo de que dispunha e os outros nem por isso, excepto para passear os cães. Que corriam, todos contentes (mais os cães do que as pessoas, note-se).
Trouxera guarda-chuva, não fosse dar-se o caso, e um livro, que esperava ler no banco do costume ou noutro qualquer, pois desconfiava que o dia seria mais de leitura do que de «passar pelas brasas». Mas estava enganado e o leitor também... E de quê? pergunta o leitor (se por acaso o houver...), incomodado por alguém ter posto em causa a lógica da interpretação, que afirmava que o dia seria de leitura ou de soneca, e afinal parece que não seria assim, pois doutra forma não se diria que tinha sido enganado... Mas fora e de propósito, pois tapara-se-lhe, mais ou menos, a terceira hipótese, a conversa.
Tudo começara por um pedido, formal, para a partilha do banco, rapidamente anuído. A seguir, à pergunta sobre o nome seguiu-se uma outra - que provocou algum embaraço, a princípio, e uma risada franca, depois - confirmando o (re) conhecimento mútuo de duas pessoas, um homem e uma mulher, que não se viam há anos e que se reencontravam, refazendo o fio da memória. E assim ficaram, ela e ele, no banco que o acaso escolhera. Os cães continuavam a correr e não chovera.

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Confiante

_ Sou um rebelde. Dos bons.
_ O que pretende, concretamente?
_ Fazer um depósito.
_ Um depósito?... Não quer a revolução?
_ Talvez mais tarde. Por agora, só um depósito.
_ E tem a certeza de que é aqui?
_ Absoluta.
_ Sabe que estamos com algumas restrições... Não quer pensar melhor?
_ Não.
_ Sendo assim agradeço-lhe, em meu nome e em nome do banco, que por acaso é o mau.
_ Não é preciso. Como lhe disse, sou um rebelde dos bons. É a minha natureza.


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Acontece

Costurava os textos com jeito, cerzindo letras e palavras com esmero. Usava dedal, é certo. Quando não o fez, picou-se.

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Sina

Era uma pessoa fadista. Por acaso do destino (desconhecia qual), também cantava o fado. E era no fado que se revelava a sua natureza. Revolucionária, por acaso. Mas submissa, também, sobretudo com os copos (que não precisavam de ser muitos). Cantava com sentimento e pose militar (embora não tivesse ido à tropa e desconhecesse as patentes), até arranjar empresária. Esta fê-lo aprumar-se e abandonou o fado (este sabia qual era). Tornou-se cantor de charme. Nas horas vagas é activista. Como são poucas, descansa. Tornou-se um mito.

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17 outubro 2014

Sir

_ É um mister!
_ Inglês?
_ Não. Treinador de futebol.

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11 outubro 2014

360º

Resolveu-se a dar uma volta e ficou tonto.

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O que devo fazer para não me afogar em dívidas?

 Aprender a nadar. De costas. Evitar o mariposa.

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A história

Na floresta, Afonso Henriques, rei de Portugal, vê-se cercado por lobos. Invoca Nossa Senhora e os lobos são afugentados. Foi um milagre. Mas também uma história como aconteceu.

(Foi uma história como aconteceu. Assim, tal e qual. Acreditem, se quiserem; não acreditem, também podem. No fim, fica o mesmo: foi uma história como aconteceu).

(em dívida para com J. Rentes de Carvalho)

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04 outubro 2014

Ourado

Teve uma oira e não ligou. Mas, com a oura irmã caiu.

(em dívida para J. Rentes de Carvalho)

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Seca

No país não choviam muitas oportunidades. Quando isso acontecia, era preciso ter um balde para as apanhar e fazer figas para que não caíssem na cabeça. Um dia, foi isso que aconteceu: choveram oportunidades, não fez figas e caiu-lhe uma em cima da cabeça, pois não tinha balde. Emigrou.

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