26 agosto 2010

Obrigatório Não Ver

A lembrança já me andava a palpitar na memória e ontem foi o dia decisivo, quando vi o título do programa num livro da autora. «Obrigatório Não Ver», de Ana Hatherly, foi um programa que passou na televisão, nos finais da década de 70, e que tinha como tema central a divulgação de temas culturais de «vanguarda»: prosa, poesia, pintura, escultura, música. Não sendo, nem de longe nem de perto, um conhecedor, entusiasta ou interessado por aí além em movimentos ou atitudes artísticos de vanguarda, não deixa de ser curioso ou surpreendente esta revisitação memorialística de um programa que vi na televisão há muitos anos. Apesar de o contexto sócio-cultural em que visionei o programa, poucos anos após o 25 de Abril, poder ajudar a explicar a apresentação e os motivos (nobres e louváveis, sem dúvida) de um programa desta natureza, ainda hoje me espanto com a sensação hipnótica que o programa exercia sobre nós que o víamos e no enquadramento em que o víamos: num café de província, aos domingos, depois de um serão de dominó, cervejas e resumos (de cerca de 3 minutos) dos jogos do campeonato português de futebol da 1.ª divisão - se não era antológico, era (quase) surrealista! Fosse pelo inesperado, o nosso desfasamento ou pela forma de estar da apresentadora em frente das câmaras, o que é certo é que houve momentos em que nos tornámos quase uns «devotos» do programa. E não deixava de ser curioso, depois de devidamente «amaciados» por sessões de dominó, cervejas, penalties e foras-de-jogo (pouco elucidativos, aliás, dada a distância e a qualidade das filmagens...), nos resguardávamos para o nosso «momento» cultural de vanguarda, disponíveis para ouvirmos e sentirmo-nos embebecidos por mais uma dica ou uma explicação sobre a «poesia pictórica» ou a última composição musical de Jorge Peixinho...

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23 agosto 2010

Fa(c)to

Deve passar com o tempo, suponho, mas é uma sensação do domínio da estranheza, aquela que se sente ao ler textos e palavras escritos com a nova ortografia. Tenho constatado isso nos jornais e como sintomas só posso constatar essa sensação de estranheza, característica daquelas situações em que se nota «algo» de diferente no «formato» e no «aspecto» da palavra até aí conhecidos. Por exemplo, quando leio «ato» onde antes lia «acto» há essa reacção de estranheza de que falo, como se o meu cérebro teimasse em alertar-me para uma situação que ele (ainda) reconhece como desenquadrada ou não apropriada. Decerto, alterar-se-á com o tempo e o uso. Até que isso aconteça, a sensação de estranheza irá manter-se, mais ou menos presente. É um «fa(c)to».

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21 agosto 2010

O vendedor de figos

Como se diz na minha terra, dificilmente aplicaria ao fruto «figo» a expressão «pelar por», usada para caracterizar um gosto muito grande por qualquer coisa, habitualmente comestível. Que a coisa seja de respeito compreende-se, uma vez que até se está disposto a perder algum cabelo e de uma forma nada apelativa - pelar!
Até agora, este pouco entusiasmo em relação ao figo tem-se aplicado, mais concretamente, ao figo fresco, pois com o figo seco a coisa já seria mais do meu agrado, sobretudo se no meio fosse enfiada uma lasca de amêndoa ou um pedaço de noz.
Mas a coisa está a mudar, parece-me, e aplica-se ao figo fresco, que passei a experimentar mais amiúde (e com satisfação, sublinhe-se). Dentro de pouco tempo, palpita-me, sou talvez capaz de me começar a «pelar por» figos - só um bocadinho, é certo, que eu cá sou muito cioso do meu cabelinho em cima da tola...
Passando do tom ligeiro para um mais sério, confesso que foi justamente por causa de uma compra recente de figos, na rua, que este texto se «pôs a jeito», servindo de enquadramento para ilustrar mais uma lição de vida e de agradável surpresa com episódios do quotidiano, tais como os que se verificaram, por exemplo, nesta venda de figos.
A cena passa-se ao ar livre, numa banca de rua, e tem como protagonistas o vendedor, cujo nome vou omitir mas que é um nome próprio pouco vulgar (aliás, reconhecido pelo próprio detentor), nome esse que já não ouvia há anos e que até pensei que estivesse extinto, passe o exagero! (para aguçar a curiosidade pelo nome, caso se queira e para dar um tom de mistério - nostalgia, talvez?...-  direi que o nosso vendedor de figos tem o mesmo nome de um célebre goleador do Real Madrid na década de 60...), e eu próprio, abalançado, nesse dia, para a compra de figos. Ao olhar para o vendedor, já com idade, um olhar duro e com cara de poucos amigos, quase que estava convencido de que não lhe iria comprar nada, coisa que não me preocuparia por aí além, uma vez que só estaria naquele lugar poucos mais dias. Pese embora este preconcebido, lá perguntei o preço dos figos e, como não tinha a quantia completa para comprar um quilo, disse ao vendedor que me vendesse o equivalente ao dinheiro que comigo tinha na altura, precisamente a quantia certa para poder comprar meio quilo. E foi aqui, ao saber a quantia de que eu dispunha, que o vendedor de figos com nome de craque do Real Madrid  da década de 60 me surpreendeu, ao fiar-me, a crédito e por sua exclusiva iniciativa, o outro meio quilo, fundada numa análise da «honradez» da minha pessoa, «rapidamente» afirmada e atestada pelo vendedor na sequência de conhecimento adquirido em dois cursos «um de filosofia e um de psicologia» (sic) tirados, «por correspondência (!), na universidade americana de...» (infelizmente não fixei o nome e tenho pena, pois talvez me viesse a dar jeito...), podendo pagar quando por lá voltasse a passar e que não me preocupasse. E lá levei eu o quilo de figos, com a promessa de pagamento futuro da quantia em falta e afiançado na minha «honradez», atestada por dois cursos por correspondência de uma universidade americana...
E pronto, pela enésima vez se confirmou, por factos e bons motivos, a conhecida e reconhecida história de «quem vê caras não vê corações», desta vez à volta dos figos, que eram bem bons!
Ah, e já me esquecia, paguei o dinheiro que tinha ficado a dever, tal como como tinha ficado combinado e os «cursos de filosofia e de psicologia americanos» já previam... Também passei a comprar mais umas coisas: uvas, pêssegos, tomates... e concluí, por mim, que os «cursos» devem ser mesmo bons e muito, muito completos, pois até noções de «marketing» providenciam...

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18 agosto 2010

A «escala» da mentira

Começa-se por uma afirmação, cujo objectivo é fazer graça. Uma «pequena» e «inocente» mentira associada à afirmação conduz a uma pergunta curiosa: «Estás a mentir ou a falar a sério?». E é aqui que a questão ganha asas, apesar das suas (aparentes) ingenuidade e informalidade. Provavelmente não sendo original, não deixa de ser uma reflexão interessante, esta acerca da valoração e da maior ou menor aceitação social atribuídas à mentira, sujeita e susceptível, como no exemplo inicial, a uma escala ou a uma gradação de nível de censura ou de reprovação sociais.
Neste exemplo da mentira «humorística» (chamemos-lhe assim), não sei se muito comum ou rotineiro, a questão não deixa de se colocar, pois de uma «mentira» se trata, para todos os efeitos, e aqui é que toca o ponto, mais sensível ou menos, consoante o interlocutor, o contexto e/ou o(s) protagonista(s). À cautela, parece-me então justificável o uso das aspas, pois, tratando-se de uma «mentira», alguém pode não achar graça que seja qualificada como «pequena» ou «inocente».
O mesmo se poderia dizer ou aplicar a uma «outra» forma de mentira, a chamada «piedosa» - pese embora as circunstâncias em que é utilizada (na maioria das vezes, raramente associadas a contextos lúdicos ou irrelevantes) - pois o dilema ético que lhe está subjacente, dizer ou não dizer a verdade, permanece. E assim por diante, poderíamos continuar nós a estabelecer uma escala ou gradação de mentiras - se é que isso é admissível, mais uma vez se quisermos levar o dilema ético a sério ... - subindo (neste caso, descendo) na (suposta) escala do grau de aceitação social da mentira até atingirmos aquele patamar - apesar de tudo, dificilmente aceitável - em que a mentira visa atingir objectivos inimagináveis (ou talvez não....) à maioria dos mortais.
Seja como for, a questão inicial permanece e à procura de resposta ou respostas. Afinal, no que ficamos: «Estás a mentir ou a dizer a verdade?»...

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Tatuagens

 A ver pela amostra, nas ruas ou nas praias, a tatuagem está a tornar-se um «desporto» nacional. Sem distinção de sexo ou de idade, cada vez mais conterrâneos o praticam e, calculo, a profissão de tatuador deve ser actualmente uma das mais «promissoras», a rivalizar - quem sabe?... - com a de atleta do pontapé da bola, dado o número de «adeptos»... Será que também já têm «empresários»?...

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Nós nos sacos

Dar nós nos sacos de plástico parece ser uma tendência comum nas padarias e nos supermercados. Provavelmente por boas e justificadas razões - quero crer que sim - é uma tendência bastante transversal, constatável nas pequenas ou grandes superfícies comerciais, no interior ou no litoral, que habitualmente rejeito quase de imediato e por reacção automática, vá-se lá a saber por quê: «Pancada», dirão uns; «Mau feitio», acrescentarão outros; «Ingrato», concluirão mais uns poucos; «Talvez promessa...», afiançarão os crentes... Seja como for, por hábito ou embirração, nos meus sacos ninguém dá o nó, caiam o pão ou as laranjas...

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17 agosto 2010

Estado de Guerra, take 2

Tinha curiosidade e uma expectativa grandes em ver de novo o filme «Estado de Guerra», desta vez num ecrã maior e ao ar livre, pormenor aparentemente sem importância. Depois de o ter visto em sala, acabei por ficar algo desapontado com a experiência ao ar livre, se calhar por as curiosidade e expectativa serem grandes e não pelo filme, de que tinha gostado muito. Embora nunca tivesse pensado nisto até agora, terei que concluir que não são irrelevantes o local e o enquadramento espacial e emocional em que vemos filmes como este. Mesmo que isto não se aplique a todos, seguramente que se aplicará a «Estado de Guerra», que terá que ser visto e fruído em sala para que se sinta de forma intensa a adrenalina e nos confrontemos com o clima esquizofrénico e (quase) sufocante em que decorre a acção. Fora do cenário da sala, pelo menos no contexto em que o revi, parece que nos falta algo, precisamente a adrenalina e o ambiente de esquizofrenia, delírio e absurdo que caracterizam (e bem, julgo eu) o «Estado de Guerra».

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08 agosto 2010

Eça, sempre!

Em boa hora, o jornal i começou a editar e a distribuir pequenos livros com textos de Eça de Queiroz. Ler ou reler Eça é um prazer e dos bons. É um autor que mantém uma actualidade espantosa, com um estilo inconfundível. Sendo uma leitura muito agradável, perpassada de erudição e ironia, reconheço, com humildade e honestidade, que ela também faz aflorar as nossas actuais lacunas de ordem cultural e simbólica, por de mais evidentes na interpretação e apreensão de alguns excertos ou frases. É algo muito fácil de constatar e nem é preciso avançar muito nos textos - dois, três parágrafos bastam. Seja como for, com mais ou menos dicionário ou recurso assíduo à enciclopédia sobressai sempre o que interessa: ler ou reler Eça é um prazer!

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