26 novembro 2017

Volta

Mandaram-no ir dar uma volta ao bilhar grande. Poderia tê-lo feito ao bilhar pequeno, mas perdeu-se.


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25 novembro 2017

Negociação

_ Não se importa de tirar os óculos?
_ Porquê?
_ É melhor.
_ Melhor, porquê?
_ Para não os partir.
_ Partir como?
_ Quando levar o murro.
_ E quando é que vai ser isso?
_ Quando tirar os óculos.
_ Não troca por uma canelada?
_ É melhor não.
_ Melhor não, porquê?
_ Por causa dos pés.
_ O que é que têm?
_ São frágeis.

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Black Friday

O anúncio parecia-lhe inquietante. Quase assustador, disseminado que estava. Ainda pensou em fugir, mas não sabia bem para aonde. Tentou a abordagem clássica, a de passar pelos pingos da chuva, mas não teve êxito, devido à seca. Sacou da alternativa, a do assobio para o ar, mas ficou afónico e sem fôlego. Não tinha escapadela. A medo, pois, tentou colocar um pé na calçada. Debalde! Logo um engraxador o abordou com uma proposta de truz, daquelas que lhe alumiam as ventas e as costas. Iludiu-se e caiu.

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19 novembro 2017

Livro

Canário, de Rodrigues Guedes de Carvalho.

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Aforismo

O tempo passa por nós e não faz pisca.

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11 novembro 2017

Partida de(os) unicórnios

O visor do telemóvel indicava «número desconhecido». Não tinha por norma atender nestes casos, mas também gostava de ladear a norma algumas vezes. Este seria um deles. Atendeu e uma voz perguntou-lhe se aceitava a chamada, que era a pagar no destino. Nem pensou e disse que sim, mas também podia ter dito que não. Era só ter pensado um bocadinho... Depois de aceitar, outra voz cumprimentou-o e perguntou-lhe como é que estava. À semelhança da primeira, também não conhecia a segunda voz. Não se preocupou com isso e pensou que talvez houvesse algum parentesco entre elas, apesar de não as conhecer. É uma das tendências do ser humano, esta de atribuir lógica às coisas e aos factos. Outra é de não lhe atribuir lógica nenhuma, mas aí já estamos no domínio da conspiração. Da teoria, não da prática, apesar de tudo mais fácil. Mas a voz insistia e pedia-lhe um minuto do seu tempo, se não fosse pedir muito. Não era, até porque estava a promover precisamente um minuto do seu tempo, recordava-se agora. Por isso, pegou no cronómetro e dispôs-se a ouvir. Se a coisa corresse bem, talvez concedesse dois minutos, três, no máximo. Lá fora, começaram a bater-lhe à porta. Era uma gaita, pensou, logo agora é que tinha de ser, mas de gaita não tinha nada - era a voz da consciência, essa chata, ainda por cima inconveniente, praticamente de madrugada e no dia de S. Martinho, vejam só! Falou para a voz do telemóvel e pediu muitas desculpas, que tinha que aguardar uns minutinhos mas que não se preocupasse, pois era pessoa de palavra e a dispensa do minutinho do seu tempo mantinha-se de pé, só mais um bocadinho. Estava frio. Talvez por isso e por não se agasalhar convenientemente, já a avisara, a voz da consciência estava um pouco afónica e com vontade de entrar. Mas não estava para isso, que viesse mais tarde. Ela ainda lhe lançou aquele olhar de carneiro mal morto, mas não se demoveu, o que a levou a fazer-lhe um manguito e a mandá-lo para uma parte que nem sabe bem onde fica, mas que presume pr'a longe. Já a conhecia e não estranhava, pois aquilo passava-lhe passado pouco tempo, sendo consequência de uma vida difícil, como era aliás a de todas as vozes da consciência, até havia um curso para isso, queixavam-se de quê? Não tinha sido a vida que escolheram, não era uma vocação? O que é que queriam?
Retomou a chamada com a voz em espera no telemóvel. Lamentou o atraso e as circunstâncias, que a voz do lado de lá compreendesse, mas há sempre imprevistos, como a voz da consciência, por exemplo, e voltou a carregar no cronómetro, estava disponível agora, podia dizer. A voz do telemóvel disse que não fazia mal, que compreendia, mais a mais agora, com a crise, a seca e quejandos, palavra que não reconheceu à partida, mas que suspeitava tinha a ver com dietas, e para isso não estava virado. Ficou alerta, por isso, mas a voz do telemóvel tranquilizou-o com aquele tom com que se costuma tranquilizar as mentes e as pessoas, recheada de oportunidades, oportunidades, enfim, através de um pequeno investimento, lógico, mas sempre visto como um incentivo, uma aposta nos jovens, na economia, no futuro e nas viagens interplanetárias, em low-cost e com direito a 30 kg de bagagem e lugar à janela, se não era uma boa ideia? A coisa não lhe desagradava de todo, reconhecia, mas precisava de garantias, da indicação de referências ou de fiador, que compreendesse pois se tratava das suas economias, ganhas com esforço e habilidade, mais esta do que aquela, não lhe custava reconhecer, mas que também funcionava como sinal distintivo na classe a que pertencia, a dos carteiristas da escola velha mas honrada, com pergaminhos e curso tirado nas melhores carreiras de transportes do país e arredores, se bem que aqui, menos. Iria ver o que se arranjava, mas que fizesse a finura de se identificar, não levasse a mal mas era para um post nas redes sociais e para deixar uma indicação aos netos, esses jovens impenitentes que não estavam a pensar em seguir a carreira da família e só pensavam em start-ups e em computadores e, imagine-se, até se tratavam por «unicórnios», vejam lá, se era possível um animal só com um corno!?

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Grau(zices)

Quando a gata pariu, houve quem dissesse «gatinhos» e quem dissesse «gatos», coisa de grau. E a discórdia começou assim. Quando foi a vez da cadela, uns a dizerem «cachorros» e outros a dizerem «cães», gerou-se um tumulto.

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À parede

Começou por atirar o barro à parede.  Fez várias tentativas. Esteve próximo em todas, mas não chegou. Disseram-lhe que era um problema de força. Também da qualidade do barro, talvez... Mas ninguém lhe falou da parede, apesar de parte interessada. Tinham razão. Na primeira oportunidade deitou-a abaixo. Depois, foi fácil bater o recorde. A parede contestou e conseguiu um embargo. Mas já foi tarde.


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Molho de chaves

O molho de chaves caiu-lhe aos pés. Era no que dava o buraco no bolso das calças e o efeito da gravidade. Por sorte caíram em solo sem bosta, mas podia não ter sido assim. De manhã, a motoreta da junta passara por ali, com aquela mangueira que parece a dum aspirador, e sugara o que havia para sugar, plantas incluídas, e uma carta a candidatar-se a um emprego numa repartição, em part-time e ao abrigo de um qualquer fundo mandado lá das Europas. Pelos vistos o emprego teria que esperar por outra carta ou por outro qualquer fundo, logo se veria... Quanto às chaves, depois de as limpar com um sopro, que também servia para lhe puxar o lustro, pôs-se a olhar para elas. Algumas já nem sabia para que serviam, se para boa ou má coisa, mas de certeza para algum uso, isso era certo. Outras, pelo contrário, sabia bem para o que eram: para abrir um coração, para aquecer um motor ou para abrir ou fechar uma porta, janela que fosse. Mas teria que tratar do buraco no bolso. Sem isso, não haveria chave que lhe valesse.

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05 novembro 2017

À cobrança

A voz interior telefonou-lhe. Estava sem rede e a chamada era à cobrança. Aceitou.

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04 novembro 2017

Morada nova

Algo não batia certo. O som não deveria ser aquele mas outro, mais cavo. Apesar de múmia, continuava a ouvir bem. O mesmo não se podia dizer do esqueleto, que incomodava toda a gente e ainda amuava. Já faltava a paciência e tinha que decidir-se. Esperar não era solução e o tempo urgia. Voltou a procurar os papéis e encontrou-os enfiados numa das ligaduras, um pouco amarrotados mas fáceis de ler. Quando acabou, decidiu-se: iria para o mausoléu.

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Aforismo

Sendo diferente das outras, use capacete para as lapidares.

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