25 setembro 2016

Ordem

Ordenou ao sofá: «Mexe-te!». Como não o obedeceu, concluiu pela insubordinação.

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Timing

Caía por volta das 10 horas. Nos dias anteriores tinha sido a mesma coisa, mais minuto, menos minuto. Dada a regularidade, aventou-se a possibilidade de constituir uma promessa, mas foi abandonada por falta de fé. Em alternativa, sugeriu-se a do estabelecimento de um recorde. Havia dúvidas e testou-se o cronómetro: era de cebola e não estava homologado. Os treinos findaram.

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24 setembro 2016

Açulado

Todos os dias açulava o cãozito. E todos os dias se convencia da superioridade da sua raça. Nesse dia (de festa, ainda por cima!) não seria diferente. Por isso, quando se cruzou com o cachorro, fez o que sempre fazia e sorriu para quem estava a ver, puxando o casaco e ajeitando a gravata para dar mais ênfase à performance e ao domínio da situação. Estava um dia bonito e o fato novo, claro e de bom corte, tinha sido feito por medida num alfaiate. Nesse dia (talvez por ser dia de festa...), o canito começou a correr na sua direcção em vez de fugir do açulamento, estacando junto a si. Depois de o cheirar, alçou a perna e mijou-lhe para as calças. Talvez pelo estralejar dos foguetes, disseram, uma mancha escura começou a alastrar na zona da braguilha das calças do açulador... Mais afastado, o cão lambeu-se e deitou-se a dormir.


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18 setembro 2016

A comuna

Viver em comunidade é um ideal partilhado por muita gente, provavelmente, mas se calhar com poucas concretizações efectivas, comparativamente ao ponto de partida e ao anseio de quem o advoga, pela simples razão de que a utopia que o sustenta raramente se compadece com as exigências e vicissitudes do quotidiano e das idiossincrasias dos seus membros. Mesmo nos casos em que este ideal de vida funcione mais ou menos harmoniosamente, de certo que estas questões permanentemente se colocarão e, por isso, serão sempre matéria que poderão determinar o êxito ou o fracasso da experiência. É curioso ver como neste filme estas questões se colocam e nos fazem reflectir, sobretudo acerca da complexidade e das implicações que um projecto com estas características pode ter na vida e nos anseios do membros da comunidade em causa (mesmo que inicialmente predispostos para aquilo a que se comprometem), sobretudo ao nível dos afectos, mas não só, situação que, quando é extremada, pode atingir níveis insuportáveis de violência psicológica, apesar da utopia.


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17 setembro 2016

Fama


A fama colara-se-lhe à pele de uma tal forma que não havia meio de se libertar dela. Isso preocupava-a e chegou a pensar consultar um dermatologista, sendo disso dissuadida rapidamente quando lhe explicaram que poderia ser ainda pior, uma vez que aumentaria a sua fama e a do dermatologista, transformando o seu actual calvário numa brincadeira de crianças comparado com o que então viria, e que não era difícil de adivinhar. Por isso, quando o telemóvel sinalizou a entrada de mais uma mensagem começou por ficar angustiada, pensando tratar-se de mais uma declaração de um fã prometendo-lhe amor e vida eternas num paraíso à beira-mar ou na montanha, cheia de filhos, de animais domésticos e com uns quilinhos a mais, adivinhando um futuro risonho para os petizes e as petizas, aqui ou no estrangeiro, não interessava, mas com um futuro radioso, sempre… Enganava-se, no entanto, para sua sorte e a desfavor dos delírios e projectos dos fãs, pois a mensagem mais não era do que uma singela promoção de carne de porco, polvo e de lulas, «tudo a 35% e só hoje!», conforme proclamava a cantilena do marketing, que entrava no ouvido, note-se, e que até já tinha ganho um prémio, award para os anglo-saxónicos, que nestas coisas são sempre lembrados quando se quer dar um toque de mundo e de glamour, não dando muito jeito o recurso à língua materna, pois não é a mesma coisa... Iria ver o que era, pois, não sem tomar as devidas cautelas com o sol e o assédio dos fãs, e aproveitaria para reabastecer a despensa. À cautela, aconselhou a fama a também vir e a levar um saco, reciclável e com asas, pois não se sabia o que se poderia encontrar…

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10 setembro 2016

Aumente(-os)

_ Trouxe o microscópio?
_ Não.
_ Uma lente?
_ Não.
_ Uns óculos...?
_ Também não... Era preciso?
_ Claro!
_ Não sabia...
_ Não vinha ler?
_ Sim, sabia. Mas estava à espera de livros. Onde estão, que não os vejo?
_ Aqui, não vê?
_ Não, não vejo..., mas vejo uns papelitos, muito pequeninos... São de quê?
_ Ficção, claro!... Micro, percebe?


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Temperaturas

Previa-se uma sessão quente. Visto o filme, uns disseram que era frio, outros que foi escaldante e os críticos acharam-no morno. Os bombeiros, que estavam de prevenção, recolheram ao quartel sem tocar a sirene.

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Jason Bourne

Acção, actualidade, teoria da conspiração e acção. Filme de género e com espectadores certos.

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04 setembro 2016

O peso da ironia

«O convite à ironia era irrecusável», lera num artigo de jornal. Como não era o autor da frase, embora a tivesse já lido ou ouvido mais vezes, seguia o que a regra ditava e transcrevi-a entre aspas. Deixou-se tentar pela ironia, também, e resolveu omitir o autor ou a fonte, aqui se afastando da regra. No entanto, como lhe «pesava a consciência» (pese a ironia), resolvia dar pistas aos leitores sobre quem era esse autor e onde é que tinha lido a frase. A frase tinha sido escrita sobre um filme e um festival, que decorria fora do país, e o autor era um dos críticos de cinema do jornal, propriedade de uma empresa da área da distribuição e comunicações, sediada na segunda cidade do país, publicada na edição de sexta-feira. Achava que as pistas eram mais do que suficientes e ficava-se por aqui, «protegendo as fontes», pese a ironia.

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03 setembro 2016

Ensaio(s)

_ Fiz um ensaio.
_ Correu bem?
_ Mais ou menos... Podia ter corrido melhor.
_ Então?...
_ Não sei se consegui. Talvez me tenha baralhado... Já não tenho a certeza.
_ Quer contar-me?
_ Dispõe de tempo?
_ Claro. Chute, vá!
_ Não sei se deva... é um bocado confuso. Levou-me dois anos!
_ Dois anos!?...
_ Sim, dois anos... Podia dispor de mais dois, mas não quis arriscar.
_ E o árbitro e os jogadores não se importaram?
_ Não. Estava lá com uma bolsa. Os outros também. Uns fazem-no em dois, três anos no máximo. Não costumam chatear muito. Mas a média é esta: dois, três anos.
_ Dois, três anos, diz você?... E como é que fazem?
_ Então... : lemos, investigamos, fazemos os seminários e publicamos.  O que é que estava a pensar?
_ Não estávamos a falar de rugby?!...
_ Não, que ideia!... O meu ensaio é sobre hortícolas. Quer que lho leia?
_ Talvez mais tarde... tenho um compromisso.
_ Sério?
_ Pode dizer-se que sim, mas ainda não tenho a certeza...

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02 setembro 2016

Quo vado ou já foste!

São inúmeras as histórias sobre a função pública e os seus funcionários, umas abonatórias e outras não. Neste filme italiano, uma comédia, o retrato destas realidades, a da administração e a dos funcionários, é feita com aquele toque típico do humor e da comédia italianos, susceptível de agradar a quem defende e a quem ataca a função pública, consoante a perspectiva e a óptica de quem o vê, porque aí se encontram pontos de referência e situações que convêm a cada um.

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01 setembro 2016

Ao balcão


Dirigiu-se ao balcão e pediu um café. Olhou em volta e viu que era o único que assim procedia. Os outros, que eram em maior número, estavam sentados às mesas. Sorriu e concluiu que fazia parte de um grupo à parte, que podia ser identificado como «o grupo dos encostados ao balcão», apenas com um único membro, ele próprio. Ao contrário do que se pensa, as revelações, como esta, têm pouco de extraordinário. Chamar-lhes epifanias talvez seja um exagero, mas andam por aí, mesmo assim. Mas a explicação era simples: tinha a ver com a disposição das garrafas, alinhadas de acordo com o gosto do patrão ou da patroa, umas vezes mais, outras menos, mas sinal de alguma sensibilidade estética e apurado sentido comercial, sobretudo para quem aprecia. Também havia quem se esmerasse nos copos, mas era mais raro.
Mas nem sempre o significado do «encostado ao balcão» era tão benigno como se tratava agora, que era mais do domínio da reflexão filosófica, ao preço de uma moeda ou duas de cêntimos. Não que nas mesas não se reflectisse, nada disso, mas fazia-se de uma forma mais densa, daí mais cara e a necessitar de cadeiras.
Deu por si a constatar que o café estava frio. Era uma revelação, também. Olhou em redor e resolveu sentar-se numa mesa. Iria almoçar ali.

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