A fama
Olhou para o relógio e viu que só daí a vinte minutos, mais ou menos, é que passaria outro autocarro. Iria aproveitar o momento para pensar algumas coisas a respeito da sua vida. Uma delas prendia-se com a busca da fama, coisa que o preocupava há algum tempo, designadamente depois de ter lido (ou ouvido, não se recordava) que todos tinham direito a quinze minutos de fama. Como estava a ir para velho, receava que a oportunidade de usufruir dos «seus quinze minutos de fama» (um direito, por conseguinte) pudesse escapar-lhe, mais a mais porque suspeitava de que a fama era capaz de ser efémera, pois estava cheia de força e tinha que se pôr a andar para outras paragens, porque permitir quinze minutos de fama a toda a gente era uma tarefa digna de um «Pai Natal da Fama», por analogia com o «Pai Natal das Prendas», que tem uma trabalheira desgraçada na noite de 24 de Dezembro, como toda a gente sabe, talvez mais desgastante do que a do Pai Natal da Fama, que pode fazer o trabalho ao longo do ano e sem limite de prazo, pois não está escrito em lado nenhum que a fama tenha que ocorrer no dia 'x' ou 'y' do ano 'z'. Sendo assim, iria ver se tinha a sorte pelo seu lado e se a sua fama estava na disposição de se manifestar agora, enquanto esperava pelo próximo autocarro.
Ao contrário das prendas no Natal, em que se escreve num cartão o que é que se quer ter ou ser, na busca da fama não existe nada parecido com um cartão, podendo servir qualquer tipo de suporte ou de meio, embora sujeito à validação da entidade competente para a fama (a televisão, na maioria das vezes), que nisso leva o seu papel muito a sério, inclusive divulgando os critérios nos intervalos das emissões e das novelas, quaisquer que elas sejam, para todos os gostos, o que não surpreende, pois nestas coisas da fama as coisas têm que ser pensadas até ao mínimo pormenor, com mais ou menos glamour, ingrediente necessário e conveniente, sobretudo nos dias de festa, que não costumam ser poucos.
Mas o tempo urgia e havia que fazer os possíveis para alcançar a fama, alguém lhe mandara um sms a avisá-lo, não fosse perder-se a oportunidade e entretanto chegasse o autocarro, por sorte atrasado em relação ao horário previsto, segundo lhe garantia um outro sms, diferente do anterior, bem entendido, pois este vinha da própria transportadora.
Depois de alguma reflexão, decidira-se por um pino em cima de um banco, estrategicamente colocado junto da paragem, enquanto trauteava uma canção revolucionária do seu tempo de militante (revolucionário, também), mas dita da frente para trás, num efeito que se pretendia inovador e muito próximo da música atonal, coisa mais do que susceptível de piscar o olho à fama, caso ela estivesse nas imediações ou de passagem.
Esperava um sinal de que a fama estaria ali, «à mão de semear», mas equivocava-se, conforme podia constatar, pois o único sinal de que podia dar-se conta era o de uma câimbra numa das pernas, pormenor que o impedia de continuar a performance e esperar pela fama, mesmo que ela pudesse estar perto. Não se resignaria, contudo, e tentaria mais uma vez, pois ainda dispunha de mais dez minutos até que o autocarro passasse, com um bocadinho de sorte ainda lhe permitira trocar umas palavrinhas com a fama, onde tentaria saber, por exemplo, como é que poderia fazer render os quinze minutos de fama para, digamos, 16 minutos e meio, talvez com um programa mais intenso ou com mais alongamentos, não sabia, mas gostaria de saber a opinião dela sobre se era possível e, quiçá, se, com isso, lhe era permitido ser seleccionado para os campeonatos mundiais da fama, que ainda não sabia aonde se realizariam, mas que costumavam ocorrer lá mais para o Verão, disso tinha a certeza.
Na sequência da câimbra, mudou para a prática do Tai Chi em cima de um corrimão, situação que lhe permitiria, estava certo, alcançar os seus quinze minutos de fama, isto depois de pedir autorização à porteira do prédio se o podia fazer, garantindo-lhe que, se quisesse, também poderiam partilhar a fama, fifty-fifty, se achasse bem. Ela disse que iria pensar, mas que precisava de fazer um telefonema.
Passado pouco tempo, aparecerem uns senhores de branco que levaram «o famoso». Não eram muito faladores, mas mesmo assim ainda disseram duas ou três palavras para as câmaras, entretanto aparecidas, mas que se tinham atrasado por causa do trânsito. Quem ouviu, não percebeu grande coisa mas parece que tinha a ver qualquer coisa com o Napoleão...
Lá longe, desfazendo a curva, o autocarro aproximava-se. Não vinha muito cheio e cruzara-se com a carrinha dos homens de branco. De dentro, mas via-se mal, alguém juntava os dedos e fazia um desenho de um coração. Foi abertura no telejornal.
Ao contrário das prendas no Natal, em que se escreve num cartão o que é que se quer ter ou ser, na busca da fama não existe nada parecido com um cartão, podendo servir qualquer tipo de suporte ou de meio, embora sujeito à validação da entidade competente para a fama (a televisão, na maioria das vezes), que nisso leva o seu papel muito a sério, inclusive divulgando os critérios nos intervalos das emissões e das novelas, quaisquer que elas sejam, para todos os gostos, o que não surpreende, pois nestas coisas da fama as coisas têm que ser pensadas até ao mínimo pormenor, com mais ou menos glamour, ingrediente necessário e conveniente, sobretudo nos dias de festa, que não costumam ser poucos.
Mas o tempo urgia e havia que fazer os possíveis para alcançar a fama, alguém lhe mandara um sms a avisá-lo, não fosse perder-se a oportunidade e entretanto chegasse o autocarro, por sorte atrasado em relação ao horário previsto, segundo lhe garantia um outro sms, diferente do anterior, bem entendido, pois este vinha da própria transportadora.
Depois de alguma reflexão, decidira-se por um pino em cima de um banco, estrategicamente colocado junto da paragem, enquanto trauteava uma canção revolucionária do seu tempo de militante (revolucionário, também), mas dita da frente para trás, num efeito que se pretendia inovador e muito próximo da música atonal, coisa mais do que susceptível de piscar o olho à fama, caso ela estivesse nas imediações ou de passagem.
Esperava um sinal de que a fama estaria ali, «à mão de semear», mas equivocava-se, conforme podia constatar, pois o único sinal de que podia dar-se conta era o de uma câimbra numa das pernas, pormenor que o impedia de continuar a performance e esperar pela fama, mesmo que ela pudesse estar perto. Não se resignaria, contudo, e tentaria mais uma vez, pois ainda dispunha de mais dez minutos até que o autocarro passasse, com um bocadinho de sorte ainda lhe permitira trocar umas palavrinhas com a fama, onde tentaria saber, por exemplo, como é que poderia fazer render os quinze minutos de fama para, digamos, 16 minutos e meio, talvez com um programa mais intenso ou com mais alongamentos, não sabia, mas gostaria de saber a opinião dela sobre se era possível e, quiçá, se, com isso, lhe era permitido ser seleccionado para os campeonatos mundiais da fama, que ainda não sabia aonde se realizariam, mas que costumavam ocorrer lá mais para o Verão, disso tinha a certeza.
Na sequência da câimbra, mudou para a prática do Tai Chi em cima de um corrimão, situação que lhe permitiria, estava certo, alcançar os seus quinze minutos de fama, isto depois de pedir autorização à porteira do prédio se o podia fazer, garantindo-lhe que, se quisesse, também poderiam partilhar a fama, fifty-fifty, se achasse bem. Ela disse que iria pensar, mas que precisava de fazer um telefonema.
Passado pouco tempo, aparecerem uns senhores de branco que levaram «o famoso». Não eram muito faladores, mas mesmo assim ainda disseram duas ou três palavras para as câmaras, entretanto aparecidas, mas que se tinham atrasado por causa do trânsito. Quem ouviu, não percebeu grande coisa mas parece que tinha a ver qualquer coisa com o Napoleão...
Lá longe, desfazendo a curva, o autocarro aproximava-se. Não vinha muito cheio e cruzara-se com a carrinha dos homens de branco. De dentro, mas via-se mal, alguém juntava os dedos e fazia um desenho de um coração. Foi abertura no telejornal.
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