30 abril 2016

Suburra

Aviso: trata-se de um filme. Implacável e duro. Se remete para a realidade, uma realidade... cuidado!

Etiquetas:

23 abril 2016

Bravo

Umas vezes mais, outras vezes menos, a mensagem foi-lhe sendo passada de forma explícita. Era um teste a que teria que se submeter, dele dependendo o juízo com passaria a avaliar-se. Não havia alternativa à provação. Por isso, no dia aprazado, cumpriu o ritual e proclamou, para todos ouvirem, que «um homem não chora»!... mesmo quando corta cebolas.

Etiquetas:

22 abril 2016

Sorteio


Decidira arriscar e governar-se com o que lhe saísse em sorte. Apesar de não muito seguro da opção, iria conformar-se ao destino ditado pela roleta, apesar de não o ser. Mesmo assim, não ia voltar atrás. Acedeu pois à internet, ao dicionário electrónico, e aguardou o resultado, sob a forma de «palavra do dia». Saiu-lhe «basta» e acatou.

Etiquetas:

Ups!

Podiam acusá-lo de tudo, menos de falta de habilidade. Não havendo espaço para todas as letras, resolveu tirar uma. Escolheu aquela que, no seu entendimento prático, lhe parecia menos útil. Decidido, escreveu a palavra sem o agá, ficando, então, 'abilidoso'. Satisfeito, verificou que assim já cabia... Surpreso, constatou que chumbara. Em ortografia.


Etiquetas:

Incógnito

Ninguém sabia quem era. Quando se descobriu, ajoelharam-se e cantaram-lhe loas. Voltou a cobrir-se e desapareceu. Supõe-se que ande por aí. Usa chapéu.

Etiquetas:

Lacónico

Nasceu e logo morreu. A vida foi breve. A ficção também.

Etiquetas:

17 abril 2016

Olho para o espelho e não me revejo na imagem. Estarei louco?

Provavelmente não. O mais certo é ter-se esquecido dos óculos.

Etiquetas:

Ao desafio


O repto, sob a forma de desafio, foi lançado com pompa e circunstância. Havia quem não concordasse e preferisse os foguetes em vez da pompa e da circunstância, que eram mais caras e não faziam as lágrimas do fogo preso, mas tinham que se adaptar ao ar dos tempos, tendencialmente mais leve ou mais pesado consoante o boletim meteorológico consultado… Ainda havia coisas por esclarecer, no entanto.
Uma delas, que era importante, prendia-se com a delimitação do âmbito: estávamos a falar de um desafio, de um repto, de um duelo, de uma prosápia ou de uma «zabumba» (obrigado, dicionário on-line)? Como no meio é que está a virtude, mesmo nos desafios e equivalentes, tratava-se de um duelo, e aqui a coisa mudava logo de figura.
Em primeiro lugar, sobre a escolha das armas: branca, de fogo ou com a mão nua? A escolha podia parecer óbvia para um amador, mas não para ele, que era um profissional. Seria a fisga, para a qual estava credenciado e com as licenças em ordem, uma mistura das três hipóteses, coisa que lhe parecia acertada e de acordo com os regulamentos, parecia-lhe, no momento em que começara a exercitar os elásticos e logo deitara abaixo uma fiada de latas colocadas em cima de um muro. Se aceitassem, por aqui estava safo.
Quanto aos padrinhos havia novidades, estabelecidas pelos regulamentos, e não havia volta a dar: ou a paridade ficava assegurada ou não havia duelo para ninguém! No seu caso, já tinha decidido convidar uma madrinha, que também tinha desempenhado este papel noutras guerras, decerto que não se importaria. Só teria que fazer-lhe o convite numa hora apropriada, depois da missa. Mas estava confiante.
Outra novidade, também, era a declaração de responsabilidade por distúrbios ou transtornos na via pública, previsíveis dada a natureza do evento, que poderiam dar origem a desenvolvimentos que poderiam fugir ao controlo, o que não se desejava. Havendo concordância das partes desavindas, o problema estava resolvido, tendo sido feita uma declaração conjunta, reconhecida no notário, de que as responsabilidades eram apenas dos envolvidos.
Quanto à data, subsistem as discordâncias. Um dos contendores quer que a coisa se faça logo que possível e o outro logo que lhe dê jeito. Continua-se num impasse e receia-se que dure. Uma das madrinhas, pois ambos as escolheram, sugeriu entretanto uma data: seria lá para as calendas…

Etiquetas:

16 abril 2016

Corte

Era seguido. No início, não quisera saber. Depois, a coisa tornara-se desagradável. Acabou por se fartar e desamigou-a... Mas só no Facebook.

Etiquetas:

Perigo, frágil!

O aparecimento do sol, ainda que fugaz, trouxe muita gente para a rua. Os passeios estavam cheios e as pessoas afadigavam-se no transporte de sacos, com mais ou menos coisas das compras. De repente, num dos passeios, uma pessoa afasta-se ligeiramente do seu trajecto e colide com outra, que vinha atrás, e que tentava uma ultrapassagem suave, mas não de acordo com o código, felizmente sem danos de maior, excepto para uma garrafa de vinho, que se partiu e derramou o conteúdo, com muito pesar e consternação, seguidos dos pedidos usuais de desculpa, aceites com uma vénia e com uma mancha de vinho nas calças, pelo menos para um dos envolvidos no incidente.
Interrogados pelas autoridades, aos costumes disseram  nada.



Etiquetas:

Luz(es)

O surgimento da luz animara-o. Era a luz ao fundo do túnel!, reconhecia-a agora. Aproximou-se, confiante... Mas logo teve que se afastar, pois tratava-se do comboio.


Etiquetas:

10 abril 2016

Lengalenga

Regressara às origens. Agora queria descansar, ler, ouvir música, plantar batatas e reflectir. Tinha-se acabado o corrupio e as tácticas, para as quais já não tinha paciência. O mundo que abandonara parecia estar longe, muito longe. No entanto...
Não era habitual baterem-lhe à porta, mas era o que estava a acontecer. Estranhava que não usassem a campainha, gesto que constituía um hábito no mundo de onde se afastara, mas que batessem à porta como se a quisessem derrubar. A não ser...
Abriu a porta e não ficou surpreendido. De chapéu na cabeça, sorrindo, uma cara conhecida, mas envelhecida, abriu os braços e solicitou um abraço. Mais atrás, igualmente de chapéu, mais duas pessoas, uma presidente da junta e outra dona de um comércio, solicitando também os seus abraços, que foram dados, quer à primeira pessoa, quer às outras duas, as três convidadas a entrar e a beber qualquer coisa, que recusaram, pois estavam com pressa.
Vinham fazer-lhe um convite, disseram-lhe, em nome da terra e do seu clube representativo, que se encontrava mal, à beira da descida... Se ele não se importasse de lhe «dar uma mãozinha», agora, nesta hora difícil, dados a sua experiência e conhecimento, e porque era verdade que «o bom filho à casa torna»... Contavam com isso e tinham a certeza que iria aceitar, para eles era mais do que certo.
Ainda pensou em recusar, garantindo-lhes que estava reformado e desactualizado, sem vontade para retomar rotinas e hábitos de um mundo que deixara para trás e queria esquecer, reforçando a tentativa de recusa com um princípio que eles conheciam, embora fizessem por não se lembrar, mas que ele lhes recordou: «santos da casa não fazem milagres». Debalde...
Passaram dois meses. A equipa da terra, sem se saber muito bem como, mas a que os entendidos atribuíam o dedo do mestre e velha raposa das tácticas, recuperara do atraso e estava agora numa posição salvaguardada da descida, o que agradava a todos e era motivo de festa...
Meses depois, quando lhe perguntaram como é que conseguira, o velho treinador sorriu, pousou o livro e baixou a música, dispondo-se a revelar como.
«Deu algum trabalho», começou, «até porque não havia muito que enganar. Apesar de bons rapazes, a qualidade e o jeito para a bola não eram muitos. Compreendia-se, pois as suas vidas eram outras, e aí sim, tinham que mostrar qualidade para garantirem o seu sustento ou, caso o não tivessem, passariam mal... A bola era um divertimento, um esforço e um exemplo de amor pela terra, uns com jeito, outros nem por isso, mas todos eles conscientes de que faziam o melhor que sabiam e podiam... Havia que ter noção desta realidade e mandar para trás das costas os aspectos técnico-tácticos mais elaborados e ensinar-lhes o básico, de forma a perceberem minimamente o que fazer, quer a atacar, quer  a defender. Lembrei-me de lhes ensinar uma lengalenga, pois acreditava que este expediente iria ser mais eficaz do que outros. E a lengalenga que lhes ensinei, até a saberem de cor, era esta: 4-3-3 p'ró  ataque da primeira vez e 4-4-2 p'rá defesa todos depois... Milagrosamente, funcionou. E ainda tiraram um prémio nuns jogos... Florais, se não me falha a memória».







Etiquetas:

Final feliz

Deixara-se seduzir pela capa e a sua vida transformou-se num inferno...
Efabulara uma vida de sonho, com glamour e fantasia, mas confrontou-se com um cenário de submundo, sórdido e miserável.
Tentou e buscou afectos, um gesto, uma esperança, e só recebeu traumas, boçalidade e mau-gosto.
Ainda chegou a ter esperança num dito, num espírito, numa graça...
Farta, mas irredutível, pegou no livro e pô-lo debaixo de uma cadeira, a servir de calço. E sentou-se em cima.

Etiquetas:

Capricho

Era linda, brilhante, suculenta, com uma pele lisa e cheirosa. Uma tentação... Mas, a não ser que a passassem por água, a maçã recusava-se a ser trincada.

Etiquetas:

09 abril 2016

Aviso

Não dê de comer à escrita.

Etiquetas:

Serviço de mesa

Desdobrou-se até aonde lhe foi possível, sempre com um corte irrepreensível e muito elogiado.
Um dia, porém, enxotaram-na para uma cómoda.
Foi encontrada num sótão, desbotada e com sinais evidentes de vincos.
Chamava-se toalha e nada deixou aos guardanapos.

Etiquetas:

Andança

Elogiavam-no por ser um grande leitor, que lia muitos livros. Sorria, encolhia os ombros e dizia que era um exagero, pois os livros tinham poucas, muito poucas páginas, a maioria das vezes só a capa, dura, é certo, mas que servia para iludir quanto ao número e à qualidade do texto. Não acreditavam, mesmo assim, desconfiando da modéstia. Por isso, deixou de lhes ligar e continuou na sua rotina: uma página para ele, outra para os pombos e outra para os patos.

Etiquetas:

Novela

A moça ia passar perto e resolveu atirar-se. Vestiu o casaco, ajeitou a gravata e tomou balanço...
Acordou no hospital. Na cama ao lado, lia-se um jornal. Destacava-se uma manchete: «Karateca sova atrevido».

Etiquetas:

Desigual

Lutou contra o tempo mas ele era mais forte. Não admirava, pois o tempo tinha andado nas artes marciais. O resultado era o que se esperava: pele caída, sem dentes e ossos a doer.

Etiquetas:

4, 3, nota

Escrevia os seus textos como sonetos: dois parágrafos com quatro linhas cada e dois com três. Às vezes, ditava também uma quadra, mas sempre como nota. De rodapé.

Etiquetas:

É do tempo

A pessoa cruzou-se com ele e saudou-o, com entusiasmo: «Finalmente temos sol!». Sentiu-se ofendido e deu-lhe com o guarda-chuva. Escureceu.

Etiquetas:

Penar

Quis libertar-se do tempo e abandonou o relógio numa valeta. Foi denunciado à segurança social, julgado e condenado a prestar trabalho comunitário. Numa relojoaria.

Etiquetas:

Aforismo

Meter na cabeça custa, não meter pode custar muito mais.

Etiquetas:

As pessoas com monocelha podem vir a ter problemas?

Tirando a lua cheia, nenhuns.

Etiquetas:

A glória fora efémera. Mas deram pelo erro no registo e atestaram-no com testemunhas.

Etiquetas:

Aforismo

Dava sem contar receber nada em troca. Vantagens de entregar o dinheiro certo.

Etiquetas:

Expire (mas com força)

O médico aconselhara-o a expirar. Foi o que fez e a lava começou a sair.

Etiquetas:

Notícia

Após perseguição, foi capturado um leitor compulsivo que entrara, por arrombamento, numa biblioteca. Confessou o crime no interrogatório, justificando-o como uma recaída.

Etiquetas:

Aos molhos

_ Os diálogos são bons?
_ Frescos são. Tem que provar.
_ Têm sal? Gosto deles com um bocadinho de sal. Têm...?
_ Médio. Sabe como é... E pimenta, um bocadinho?
_ Pode ser. Mas só qb.
_ Então, que me diz...?
_ É melhor levar umas cerejas.

Etiquetas: ,

03 abril 2016

Generalizações


«Todas as generalizações são perigosas, ainda que vacinadas». Esta afirmação, que lera num almanaque, deixara-o intrigado e sobressaltado, logo agora que tinha adquirido uma generalização num produtor de confiança (aparentemente), com pedigree certificado e boletim de vacinas em ordem, pelo menos era o que pensava até ter lido a dita frase.
É certo que os tempos andavam difíceis para as generalizações, pese embora a sua utilidade (reconhecida por toda a gente, aliás). Na verdade, quem podia pôr em causa que uma boa (ou má) generalização não dava jeito numa conversa ou cena de pancada no restaurante ou no café da esquina, na sala de recepção de um consultório ou de um centro de saúde, num transporte público ou numa praia, numa recepção ou numa vernissage? Mesmo para as pessoas cépticas (que as há sempre, seja lá onde for e a propósito de quê), isso trazia vantagens, mais não fosse porque lhes permitia pôr em prática essa sua característica, a de ser «céptica».
Julgando-se com bom fundo, não queria acreditar que isso também se aplicasse ao mundo da ciência, sobretudo no domínio das induções, que julgava ser um parente próximo (embora mais rico) das generalizações comuns, mas provavelmente estaria enganado, conforme lhe começavam a ladrar os cépticos, uma raça danada sempre disposta a morder os calcanhares a tudo o que mexesse… E que teriam razão, garantiam-lhe os próprios criadores de induções, pois só assim se garantiria o avançar e o validar do conhecimento científico. Iria admitir que sim, por educação e respeito para com esta rapaziada dos laboratórios, assumindo o sábio princípio de que, na dúvida, se devia favorecer o réu, o que eles também lhe tinham dito, mas em latim (língua que não dominava), mais ou menos assim: In dubio pro reo.
Mas estava na hora de passear a generalização, diziam-lhe o relógio e os latidos que começou a ouvir na casota do quintal, tendo que se deixar de filosofias e pôr-se a fazer coisas. Por via das dúvidas, no entanto, iria reforçar a dose da vacina e comprar na farmácia mais uns anti-inflamatórios, «não fosse o diabo tecê-las». E isto não era uma generalização.

Etiquetas:

02 abril 2016

Costelas


Não fosse a carta que recebera dos impostos e o problema não existiria, pelo menos assim queria acreditar. Para falar verdade, no entanto, a questão sobre que a carta versava já se lhe tinha colocado há algum tempo, numa conversa com conterrâneos, no intervalo de uma tainada. Alguém presente (não se lembrava de quem) dissera que os impostos estavam a fazer um levantamento, provavelmente para actualização do cadastro patrimonial, com o objectivo de se virem a declarar as costelas que se tinham herdado dos progenitores. Subsistia a dúvida, entre outras, se a declaração se destinaria apenas a declarar as costelas verdadeiras ou se também se aplicava às falsas, ainda que fossem menos e mais difíceis de certificar. Fosse como fosse, não havia dúvidas de que o levantamento ia avançar e era estabelecido um prazo, impreciso na altura da conversa, mas que a carta recentemente recebida indicava como até à «data do ano tal, impreterivelmente, nos termos da alínea x do artigo yº do decreto-lei z, de tantos do tal, assinatura ilegível». Não havia volta a dar, reconhecia, tirando as que seriam precisas, a partir de agora, para proceder ao reconhecimento das costelas herdadas.
Mesmo para os filhos únicos, as dificuldades do empreendimento eram imensas, coisa que parecia ter escapado aos autores do projecto, por melhores intenções que tivessem. Para mais herdeiros, então, a coisa era quase do domínio do inatingível, ainda que existissem documentos assinados pelos progenitores a garantir a transmissão das costelas de acordo com a lei e os requisitos procedimentais, sobretudo as verdadeiras, mas onde dificilmente se encontrariam referências à transmissão de costelas falsas, habitualmente desconhecidas ou não reconhecidas pelos ascendentes. E isto era se tudo tivesse corrido bem no processo da partilha das costelas, situação que mudava de figura no caso de os herdeiros estarem «de candeias às avessas». Magno e difícil problema, está visto, mais preocupante por se estar já no período de entrega das ditas declarações, o que se tornava visível nas preocupações manifestados nas ruas e pelos cafés, bem como nas repartições.
Gostasse ou não gostasse, também lhe tocaria a si. Por azar, não conhecia ninguém que lhe pudesse «dar uma mãozinha», razão pela qual teria que fazer apelo aos anos (poucos, é certo, mas era o que se podia arranjar) de ratice que fora acumulando, pese embora nunca lhe tivessem servido de muito em diversas situações, designadamente para efeitos de emprego, nuns casos por serem de mais e noutros de menos, curiosamente com a vaga acabada de preencher quando o perfil e o fato pareciam «assentar como uma luva»…
«Teria que se virar», era uma das leis da vida. Fosse como fosse, aquilo que poderia vir ser um grande problema, a declaração de posse da «costela de Adão», tinha sido prevista pelo legislador e estava resolvido: seria por «usucapião».

Etiquetas: