25 abril 2021

Palavra fina

_ Tem a mania que sabe muitas palavras, mas desconfio que não conhece esta!...

_ Qual é?

_ Parrésia.

_ Não, não conhecia. E significa o quê?

_ «Licença ou liberdade oratória; afirmação arrojada», aprendi no Priberam online.

_ Ah!, estou a ver... Não quer dar-me um exemplo, para ver se entendo...?

_ Claro! Então lá vai: o senhor é um asno!

_ Compreendo... Mas não podemos trocá-lo por burro?...


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24 abril 2021

À procura da paisagem interior - amostra 8

Estranhava que a PI não desse notícias há algum tempo. Não que fosse preocupante, longe disso, mas apenas um sinal de que as coisas podiam estar a correr mais ou menos... Se houvesse problemas ou alguma coisa estivesse desconforme, o toque e as mensagens no telemóvel cairiam como pingas de chuva em dia dela... Mas devia estar quieto ou calado, está visto, pois após ter escrito as frases anteriores, com alguma satisfação, note-se, nem de propósito uma mensagem «piana» acabara de entrar no telemóvel, com um texto surpreendente e carregada de emojis alusivos ao estatuto e à euforia, que era perceptível: «Tenho cá a realeza!!! Tenho cá a realeza!!! Queres conhecê-la...?». 

Nunca me tendo apercebido de que a PI tinha uma costela nobre, julgava que era mais para a república, fiquei intrigado com essa visita, mas também não tinha que ficar admirado, pois desconhecia todos os laços e ramos familiares que a ligavam, uns mais abonatórios do que outros, mas sempre família... Lá teria que ir.

Como não tinha indumentária apropriada, resolvi pedir emprestada uma casaca a um vizinho, antigo cantor de ópera, um tudo ou nada mais largo do que eu, uns vinte quilos, mais ou menos, fardeta que resolvia o problema da dignidade com que me ia apresentar a «Sua Alteza», mas que colocava alguns problemas sobre o cair no corpo, apenas com a vantagem de que servia simultaneamente de capa e fato completo, embora um tudo nada largo, quase a dar duas voltas ao tronco... E pelo caminho ia-me treinando a fazer vénias a torto e a direito, assim o exigia o protocolo...

Estava agora à porta, procurando ajeitar a indumentária, quando a PI me abre a porta e exclama: «How do you do, sir?», fazendo gala de uma pronúncia que eu ainda não lhe tinha conhecido, aparentemente longe, muito longe dos seus amores e perdições pela cultura,  «la vie e la langue française, oh!, la-la!»... E com um canito ao peito, daqueles de raças difíceis de pronunciar, mas com nome e pedigree de arregalar o olho, Sua Excelência «Lady Godiva»! E pediu-me que fizesse uma vénia... 

A seu lado, Marmela, cadela da PI, temporariamente relegada para o seu estatuto e condição vilãs, emitiu um rosnar ao ver-nos naqueles preparos... Compreendia-se: era republicana.



 

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Lancei-me em voo planado e ainda não consegui encontrar o lugar ideal para aterrar. O que é que faço?

Continue a planar e convença-se de uma coisa: não fica aí em cima!

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Concho

É-se sempre apanhado na curva em matéria de termos ou palavras. Como esta - 'concho' (com o ênfase no sentido de orgulhoso muito mais do que o de presunçoso) - que a memória não identificou de imediato, mas da qual permaneciam, aparentemente, alguns resquícios, espoletados talvez pela situação em que foi utilizada, numa conversa de rua entre vizinhos, um passeando pela mão uma criança, e mais dois, uma mais velhota e um mais jovem, o autor do dito aplicado ao pai da criança, e facilmente se percebendo porquê... Que sim, que estava e ficava «concho» com a sua descendente, mesmo que não o tivesse dito, mas que o outro lhe relembrava e a mais velha concordava.

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18 abril 2021

Desperta(dor)

Não gostar de despertadores, era uma questão de princípio. Por isso, não surpreendia a ausência de galos...

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Especialista(s)

_ Não me arranjas para aí um especialista...?

_ Depende... Dos bons ou dos maus?

_ Os bons são caros, presumo... Não se arranja um em conta, nem bom nem mau?

_ Um especialista médio, por conseguinte... Mas com experiência, certo?

_ Sim, era conveniente. Tens algum em carteira?

_ Claro! Por quem me tomas!?

_ Por representante de especialistas, correcto...?

_ E afirmativo!

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17 abril 2021

Lanternas na noite

Admitamos que o que a seguir se vai reproduzir é do domínio da lenda ou da fantasia, que podem sempre coincidir. Os condimentos e as personagens são do melhor que há, garantiram do organismo que certifica estas coisas, agora com menos trabalho do que antigamente, é certo, mas ainda com um histórico e um arquivo competentes, sendo as principais dificuldades a capacidade auditiva e a visual dos funcionários, mas torneadas com paciência e sentido de dever por quem ausculta ou procura desvendar a arqueologia de um tempo e de uma vivência que se apegou à pele e à memória, saudosas, é verdade, mas com a consciência de que o caminho se faz (sempre!) caminhando, ou como alguém diz, contando uma história: É uma vez...

Podendo ser encenada (faça o favor, quem queira), a história começa por uma singular preocupação e assumpção de responsabilidade, praticada por dois devotos de uma mesma rua, com visão e sentido de paródia, também, mas nunca descurando a segurança de pessoas e bens, que habitualmente dormiam o sono dos justos ou dos aparentados... 

Munidos de duas lanternas, uma para cada um, e com um código de cores do mais vulgar que há, copiando a simbologia aplicada nos semáforos, as duas boas e caritativas almas sinalizavam a identificação e a preocupação comuns com a nobre e mui difícil arte de trancar o acesso e a permissão a vale de lençóis da rua abençoada por tais protectores, quais cavaleiros armados pela Rainha da Paródia, que existe, pode afiançar-se, e que às vezes se levanta e percorre montes e vales, sem esquecer ruas, vielas e canelhos...

Às tantas, Roswell estava ali, a dois passos, e o Spielberg também...

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Montes e pedras

«Não faças assim», ouviu-se na sala. Surpreendido, para não dizer um pouco assustado, o homem relanceou o olhar pela divisão mas não viu ninguém, o que o levou a pôr em causa o que tinha ouvido ou julgara ouvir. Resolveu ignorar e continuar com o que estava a fazer. De novo, mas desta vez com acrescento, a voz voltou a ouvir-se: «Não faças assim, pois não vais a lado nenhum». Agora, o homem estava atento e desconfiado. Levantou-se e procurou nas frinchas e nas paredes, à procura de algum artifício ou equipamento que justificasse o som que ouvira, já pela segunda vez. Mas, à semelhança do que acontecera da primeira vez, nada! Sem querer, mas compreendendo-se, o ditado sobre a existência de bruxas aflorou-lhe à memória, como quem diz que a explicação poderia ser essa, estivesse o homem disponível para aceitá-la... Mas a costela e a mente racionais eram mais fortes, e a explicação foi mandada para os confins da superstição, local habitual e morada certa para estas coisas. Nã! A explicação, se a havia, teria que ser outra...

«Não faças assim, não sejas casmurro, que não vais a lado nenhum!», ouviu-se por uma terceira vez, e desta vez o homem deu um salto na cadeira, pois o tom era mais imperativo. «Que porra!», exclamou. E, à cautela, pegou num pau que estava por detrás da porta e ficou a aguardar o quê ou quem, não sabia...

«Estás intrigado, não estás...?», voltou a ouvir-se a voz, entrecortada pelo som de gargalhadas: «ah!ah!ah!ah!ah!». E, desta vez, o homem amedrontou-se, murmurando de forma inaudível: «Quem és, quem és!? E o que queres!?...». E a voz respondeu: «Não tenhas medo. Só quero conversar. Olha pela janela».

O homem sossegou, ao ouvir isto, e olhou pela janela. Lá fora, um dos montes, dos vários que se viam à vista desarmada, franzia as suas pedras, à semelhança de um contorno de riso, e o som confirmava-o, por via das dúvidas. Até lhe pareceu que o raio do monte lhe acenava, por incrível que parecesse!... Resignava-se perante o que via ou julgava ver, não podia discernir ou confirmar isso. Talvez por ter percebido essa incomodidade ou perplexidade, o monte falante e risonho fez-se ouvir e declarou: «Estás connosco, eu e os meus irmãos, e podes ficar descansado. Aqui, nós é que mandamos. Qualquer dia, explico-te porquê».




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Na cartola

_ Faça lá uma magia das suas.
_ Não me apetece.
_ Vá lá, só uma.
_ ?...
_ Que engraçado: está aqui um coelho! Já viu?
_ ?...
_ Onde é que está, que não o vejo?
_ Na cartola.
_ E como é que foi pr'á aí?
_ À boleia.
_ À boleia!? E de quem?
_ Da magia.

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Ao correr de um fino...

Passou a vida em revista enquanto bebia um fino, uma imperial, para quem não conhece ou não está habituado à designação primeira. Tal como na revista, de que não era particular apreciador, da sua revisitação constavam os números habituais, uns sob a fórmula de rábula e outros sob a do semitrágico (não convinha exagerar), ou do burlesco. Mas recusava o papel de compére, pois tinha abandonado o palco para dar lugar a outros.


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11 abril 2021

Pautar

Constava ou parecia que pautava a sua vida. Quando mudou de referência e optou pelo liso, logo as notas se ressentiram, pelo menos para ouvidos atentos ou intérpretes conhecedores. Nem com afinação voltou ao que era.

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Um dia...

Nunca, como agora, a sensação de terras e lugares fantasma assume uma característica muito própria, muito sui generis, que é a de local fantasma, mas com gente dentro, só que recolhida ou confinada, independentemente de alguns laivos de movimentação ou afirmação de vida. Quando se contar esta história, ou estória, também serve, verdadeiramente se poderá aquilatar o que se passou ou como foi experienciado. Até lá, um dia de cada vez.

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10 abril 2021

Questão de impressões

_ Em suma, é um profissional!

_ Sem modéstia... sou! 

_ Que impressões gostaria de deixar?

_ Todas, menos as digitais.

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Cripticismo

Quando lhe perguntavam pela actividade ou ocupação, respondia a ambas as perguntas com a mesma afirmação: especialista em textos crípticos, silabando a palavra final. Escusado será dizer que apanhava logo uma bordoada ou cachaçada, sem eufemismos e de forma linear.


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Momento gast(r)o

Engolira um sapo. Não no sentido literal, mas no sentido metafórico, note-se. Apesar disso, caiu-lhe mal, quem sabe se por não ter acautelado uma marinada competente ou não ter acompanhado com a bebida apropriada. Perguntando aos especialistas, estes sugeriram que um toquezinho de picante ajudava a digestão. Talvez da próxima vez, comprometeu-se... Até lá, um bocadinho de bicarbonato.

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