Inevitável, a Filosofia
Por sorte, mera sorte, acedi a um texto luminoso, de Desidério Murcho, publicado na edição do Público de hoje, 26 de Fevereiro, no caderno P2. Escrito numa linguagem simples e acessível, o texto, intitulado «A inevitabilidade da Filosofia», destina-se mais ao cidadão comum do que ao especialista ou iniciado. Conhecedor das práticas e tarimbado na arte da divulgação das matérias e autores da Filosofia, Desidério Murcho aproveita a recordação de uma obra de Aristóteles, hoje perdida, o Protréptico, para nos vir falar sobre a peculiar «natureza da Filosofia». Ouçamo-lo.
«À parte alguns estudiosos, poucas pessoas sabem que Aristóteles (384-322 a. C.) escreveu uma humilde introdução à Filosofia, hoje conhecida pelo seu título grego: Protréptico. O livro foi muitíssimo importante durante cerca de mil anos - um pouco mais, portanto, do que O Segredo. (...) Por mais que muitas gerações de leitores se sentissem gratos a Aristóteles por ter escrito uma lúcida e iluminante introdução à Filosofia, este não é o tipo de obra que os académicos e os intelectuais - do passado e do presente - tenham tendência para estimar. Acarinharam, releram e mantiveram em boas condições as obras mais sofisticadas de Aristóteles, mas não a sua modesta introdução. (...)
Uma das ideias expostas por Aristóteles nesse livrinho exibe com mestria a natureza da Filosofia. Não temos uma citação directa da passagem em causa, mas temos várias menções indirectas, e todas concordam que Aristóteles usou algo como o seguinte argumento a favor da Filosofia: "Se temos de filosofar, temos de filosofar; se não temos de filosofar, temos de filosofar; logo, em qualquer caso, temos de filosofar."(...)
O que Aristóteles tinha em mente é que para argumentar que não temos de filosofar, temos de usar um argumento qualquer. Mas que tipo de argumento será? Quando pensamos nisso, vemos que não há argumentos biológicos, físicos, matemáticos ou históricos contra a Filosofia. Qualquer argumento contra a Filosofia teria de ser filosófico. Portanto, para rejeitar a Filosofia temos de filosofar. O que demonstra que a Filosofia é inevitável. Argumentar contra a Filosofia é como gritar: "Não estou a gritar!"
Não há maneiras não-contraditórias de argumentar contra a Filosofia porque a Filosofia é o estudo cuidadoso das nossas ideias mais básicas. Mesmo quem pensa que a Filosofia é uma palermice tem ideias filosóficas sobre a natureza do conhecimento (Epistemologia) ou da realidade (Metafísica). Filosofar é avaliar cuidadosamente essas ideias, em vez de as aceitarmos como se fossem as únicas alternativas viáveis. Assim, a opção não é entre ter ou não ter ideias filosóficas. É tão impossível viver sem ter ideias filosóficas como é impossível viver sem ideias físicas. A opção é entre tê-las, estudando-as, ou ter a ilusão de que não as temos, só porque não nos demos ao incómodo de as estudar.».
É uma citação longa, mas que me parece justificada pela clareza da exposição e pelo brilhantismo da argumentação. Também não se perderá, está visto, como, infelizmente, terá acontecido com o Protréptico...
«À parte alguns estudiosos, poucas pessoas sabem que Aristóteles (384-322 a. C.) escreveu uma humilde introdução à Filosofia, hoje conhecida pelo seu título grego: Protréptico. O livro foi muitíssimo importante durante cerca de mil anos - um pouco mais, portanto, do que O Segredo. (...) Por mais que muitas gerações de leitores se sentissem gratos a Aristóteles por ter escrito uma lúcida e iluminante introdução à Filosofia, este não é o tipo de obra que os académicos e os intelectuais - do passado e do presente - tenham tendência para estimar. Acarinharam, releram e mantiveram em boas condições as obras mais sofisticadas de Aristóteles, mas não a sua modesta introdução. (...)
Uma das ideias expostas por Aristóteles nesse livrinho exibe com mestria a natureza da Filosofia. Não temos uma citação directa da passagem em causa, mas temos várias menções indirectas, e todas concordam que Aristóteles usou algo como o seguinte argumento a favor da Filosofia: "Se temos de filosofar, temos de filosofar; se não temos de filosofar, temos de filosofar; logo, em qualquer caso, temos de filosofar."(...)
O que Aristóteles tinha em mente é que para argumentar que não temos de filosofar, temos de usar um argumento qualquer. Mas que tipo de argumento será? Quando pensamos nisso, vemos que não há argumentos biológicos, físicos, matemáticos ou históricos contra a Filosofia. Qualquer argumento contra a Filosofia teria de ser filosófico. Portanto, para rejeitar a Filosofia temos de filosofar. O que demonstra que a Filosofia é inevitável. Argumentar contra a Filosofia é como gritar: "Não estou a gritar!"
Não há maneiras não-contraditórias de argumentar contra a Filosofia porque a Filosofia é o estudo cuidadoso das nossas ideias mais básicas. Mesmo quem pensa que a Filosofia é uma palermice tem ideias filosóficas sobre a natureza do conhecimento (Epistemologia) ou da realidade (Metafísica). Filosofar é avaliar cuidadosamente essas ideias, em vez de as aceitarmos como se fossem as únicas alternativas viáveis. Assim, a opção não é entre ter ou não ter ideias filosóficas. É tão impossível viver sem ter ideias filosóficas como é impossível viver sem ideias físicas. A opção é entre tê-las, estudando-as, ou ter a ilusão de que não as temos, só porque não nos demos ao incómodo de as estudar.».
É uma citação longa, mas que me parece justificada pela clareza da exposição e pelo brilhantismo da argumentação. Também não se perderá, está visto, como, infelizmente, terá acontecido com o Protréptico...
Etiquetas: Filosofia
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