07 março 2021

À procura da paisagem interior - amostra 7

Preparava-me para passar um dia sossegado, na base de uma comidinha frugal, tipo feijoada, uma garrafinha de vinho, queijo e pão, complementados com uma sesta e uma leitura de jornais ou um livrito de aventuras, quando o telefone tocou com uma estridência inabitual, também pela hora, fazendo o Senupe dar um salto e emitir um uivo de desconforto, pois com o susto batera com a cabeça na mesinha da sala, enquanto ensaiava os seus exercícios de Tai Chi, nível 2. Olhei para o visor e imediatamente atendi. A PI nem me deu oportunidade de fazer ou ensaiar uma laracha, pois só berrava e pedia que fosse acudir-lhe, que estava tudo fora de controlo e não conseguia dar resposta à barafunda, desligando logo de seguida.

É triste quando os planos idílicos, feitos com amor, carinho e muita paciência, não podem ser executados ou concretizados. Que podia fazer, contudo, mais a mais quando uma alma simples e ingénua, como a PI, parecia estar num aperto e a necessitar de verdadeira ajuda, quem seria o coração, por mais empedernido que fosse, que não estaria disponível para ajudar?... Poupo a resposta, para não melindrar e forçar as meninges: ninguém!

Quando cheguei a casa da PI, a barafunda era de tal ordem que um caos era considerado eufemismo para descrever a situação, embora com algumas partes cómicas, como as corridas que a Marmela dava atrás de algumas daquelas faunas, eram várias, a cadela a pensar que aquilo era brincadeira, e as «presas» a berrarem «Ai, quem me acode, que o animal quer-me roubar o cromo do Eusébio, o de 66, que é o mais valioso!» e «Socorro, quem me ajuda com os cromos dos Reis da Rádio de 62, que o raio da cadela está possuída!...», e outros que tais, era indescritível!... A PI, então, estava pálida, deitada num dos sofás, com rodelas de batata na cabeça, atadas com um lenço garrido, de uma anterior viagem ao Brasil, a lamentar-se: «O que fui fazer!... O que fui fazer!...». Consegui acalmá-la. Perguntei-lhe que rambóia era aquela, o que é que se tinha passado. E ela explicou-me que estava arrependida, mas que a sua intenção fora pura e inocente (eram sempre, aqui para nós), mas que para ela era uma dor de alma ver como as pessoas se relacionavam e falavam dos cromos, das diversas espécies, não podia suportar esse tratamento ou desconsideração... Tinha que fazer qualquer coisa e promovera um encontro para cromos através das redes sociais e tinha dado naquilo... Estava envergonhada... Perguntei-lhe que famílias de cromos é que tinham respondido e ela não sabia, bem como muitos deles, acreditava também, pois as manifestações eram tão bizarras e fora da caixa que era de supor que muitas daquelas almas tinham aterrado ali como provindas de outros e desconhecidos planetas, ainda que terrestres. Mas que se não preocupasse, pois estava ali um dos maiores especialistas em encontrar e lidar com cromos, fosse qual fosse a agremiação: eu! E deu-lhe um fanico...



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