13 março 2021

Ao vivo e a cores

Desentorpecia as pernas, rua acima, rua abaixo, quando olhou para a tarja dependurada numa das casas, apontando para a entrada.

O anúncio à porta era convidativo: «Reunião de Cromos. Faça favor de entrar». Olhou lá para dentro e constatou que a assistência era escassa, se bem que fossem nítidas as separações entre as diversas famílias de cromos (explicaram-lhe depois): a dos desportistas, a dos artistas, a dos das tecnologias e afins, a dos sem actividade reconhecida e a dos curiosos sem apelo.

Sondou os organizadores a propósito do número de participantes, que lhe disseram que não era fácil reuni-los, até porque alguns recebiam esse reconhecimento precisamente por terem essa particular característica de parecerem a leste de qualquer tipo de orientação, como o de conseguirem encontrar o local da reunião, por exemplo, daí o investimento na tarja e no cartaz. Tomou nota e captou a seguinte conversa:

_ Quantos cromos é que temos hoje?

_ Está fraco. Só meia-dúzia deles. 

_ Só meia...!? Não dá para arranjar uma dúzia completa...?

_ É difícil. Compatibilidades diferentes, percebes?

_ Percebo. Não temos quórum, assim. Vamos apanhar uns poucos.

(Para quem não sabe ou já não se lembra, os cromos não são uma invenção moderna, supostamente pelas gerações mais novas, mas já com uns anitos, dedicados a consagrar as vedetas do que era popular na altura, estamos a falar de artistas, cantores, actores, desportistas, sobretudo). 

Era pena que nesse dia aparecessem tão poucos, lamentavam-se-lhe, pois contava-se com um convidado especial, representante da associação dos cromos, que iria fazer uma palestra sobre o «Ser Cromo, esse desconhecido», que previa a tradução simultânea, na eventualidade da presença de cromos de outras partes do planeta ou extra-terrestres, na sequência da recepção de sinais rádio captados dias atrás, solicitando a reserva de três, quatro cadeiras, junto do palco. Como o representante da associação não dava sinais, perguntaram-lhe se não quereria fazer uma perninha para desenrascar, coisa ligeira e apenas para cromo ver, agora que tinham apanhado a meia-dúzia que faltava e já tinham quórum. Perguntou se era preciso cartão ou licença e garantiram-lhe que não, mas ajudava se tinha alguma competência atribuível ao universo cromo, como um super-poder, ou algo semelhante. Disse que talvez, se conseguir fazer um medley de assobio de cantigas brejeiras, muito populares na altura, servia e se era adequado, pois dispunha de tempo até ter que ir para um concerto. Disseram que sim, que era óptimo e vinha a calhar. E que ficasse descansado, que lhe pagariam a actuação. Era só escolher a colecção de cromos que quisesse.





Etiquetas: