23 maio 2015

O topo (de/da) gama



O prospecto parecera-lhe suficientemente interessante para uma segunda leitura e isso era um sinal. Não sabia explicar porque é que as coisas se passavam assim, mas o certo é que se passavam. Dobrou o prospecto e meteu-o no bolso, das calças, note-se, pois se tivesse sido no do casaco o significado seria outro. Sendo no das calças, tratava-se evidentemente de um sinal. Disso não restava a mais pequena dúvida, varridas que foram depois da passagem do funcionário da brigada de limpeza urbana com um aspirador manual, a gasóleo, mau para os ouvidos, olhos e pulmões, mas, pelos vistos, bom para dúvidas, folhas, galhos secos, restos de papel e de copos de plástico.
O prospecto tinha bom aspecto, cheio de cores e de rostos sorridentes. Mais um sinal, portanto. Se fosse a preto e branco e com rostos carrancudos não era a mesma coisa. Mas seria também um sinal, só que de sinal contrário ao do outro. E isso não o interessava. Ficava-se pelo lado das cores e dos sorrisos.
Como todo o prospecto que se preze, ainda para mais com cores bonitas e rostos sorridentes, o que ele lhe propunha era um estilo e um modo de vida condizente. Estes dois costumam andar a par, raramente se vendo sozinhos. Parecem feitos um para o outro e é aí que está o segredo dos bons prospectos. Com os maus isso não se verifica, dai serem maus. O adjectivo deveria ser suficiente, mas infelizmente isso não tem chegado.
Mas de que estilo e modo de vida condizente nos falava o prospecto? Da busca do topo de gama, simplesmente. E era o «simplesmente» que arrepiava, mais um sinal inequívoco da qualidade e do interesse do bom prospecto, que possuem como qualidade distintiva o arrepio, atributo de deuses. Mas o arrepio também apontava mais uma pista: a da altitude, que devia ser muita, pois se tratava de um topo de gama. Qualquer coisa como o «Evereste dos topos de gama», seria legítimo pensar-se. E era.
Começaria imediatamente os preparativos. Teria que pensar quantas mudas de roupa levaria, dando preferência à quente, pois se era assunto de altitude o frio aparecia, quase de certeza. Também tinha que aumentar os índices de preparação física, precavendo a rarefacção de oxigénio, que ainda teria que ver do que se tratava, mas sobre que tinha lido num livro sobre os sherpas do Himalaia. Lá se havia de arranjar.
O topo de gama esperava-o e ele ia a caminho. Quando lá chegasse, espetaria a bandeira.

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