Roteiro de(a) crise (parte 2)
(continuação)
Por falta de atenção, desprendimento ou ausência de hábito, raramente atendia à mensagem e ao fim dos painéis publicitários plantados nas ruas ou avenidas das terras, cidades de seu nome, umas grandes, outras médias, sem esquecer aqui as pequenas, pois a colocação do painel não escolhe o tamanho dos lugares, esforçando-se por lhes gabar os méritos com a máxima de que não se medem aos palmos, tal como no humano padrão, e sem esquecer que também é conforme aos seus fins, pois de publicidade se trata. Descobriu-se no fim do passeio que algo o diferenciava dos anteriores (e, quem sabe, talvez dos futuros…), pois apresentava características que o singularizavam, dependentes e relacionados com o aparecimento dos ditos painéis, publicitários de seu fim, como se disse já, mas que pareciam possuídos de um outro (surpreendente, intrigante, com vida que parecia própria), mais do domínio do fantástico do que do rotineiro pedestre, impondo a sua presença como se dissessem: «Estamos aqui! Olha para nós! Lê a nossa mensagem! Medita sobre ela!». E assim se fez, seguindo os passos e as instruções ordenadas, pois não é mester desobedecer aos sinais, para mais de exclamação, que de ordens também se assinam. Obedeçamos, então.
E para que é que o alertavam os painéis, os tais com vida que parecia própria, parecendo mais fantásticos do que concretos, que se impunham com as suas mensagens e apelos, pois já se vira que eram mais do que um só, ainda se não sabendo se serão mais, dois que sejam, três, quatro, mais um ou menos um? Apresentemo-los, então.
Cioso da importância na enumeração e do papel na simbologia, o primeiro deles não defraudava os pergaminhos, parecendo animador pela mensagem referente a um evento, pois de uma celebração se tratava (e feliz, melhor ainda!), convidando o passeante a orgulhar-se pelo «Fado, Património Cultural da Humanidade», e uma acarinhada maratonista subscrevia, risonha o incentivando: ‘Orgulhe-se!». E ele, bem comportado e educado, também se orgulhava, mais não fosse porque era o que esperavam dele. Deixaria para mais tarde outras apreensões, que as havia, e que se prendiam com significados outros para ‘Fado’, menos dados a euforias e tradicional carimbo para o País, que era o dele, e para a história de nós todos, o Povo que por cá andou, anda e, esperemos, andará futuramente. Como se não bastasse esta arritmia semântica em relação a ‘Fado’, a sua costela pessimista dava-lhe conta de achaques que provinham das funduras subconscientes, relacionadas com a especialidade da ex-atleta, a maratona, pelo que se antevia ou julgava antever… Apressemo-nos, pois, que se faz tarde.
Controlada a semântica e sossegada a inquietação, eis que se chega ao painel das coisas do tudo e mais qualquer coisa, do compre que está barato, vá lá antes que esgote e a nós dá jeito: «Equipamentos a preço de custo!». Quais seriam eles, os equipamentos?... Dos bons e baratos?... Dos caros e maus?... Dos inúteis?... Como o passeante não sabia ou não se achava capaz de responder, apenas a expressão «a preço de custo» o incomodava e o alertava para um sintoma, ténue, a princípio, mas que ameaçava crescer, crescer… Seriam estes os sinais da crise de que ouvia falar?... Ver-se-á se assim é, a preço de custo ou não, trocado por miúdos mas com impactos graúdos e tonalidades sociais afins, algumas delas nem por isso… Aguardemos, talvez.
Mas não foi preciso ao caminheiro esperar muito, soube-o logo e agora reforça, quando se confrontou com o terceiro que apareceu, especificidade de painel publicitário, que em títulos avançava: «Guia indispensável do emprego. Crie as suas próprias oportunidades. De 7 de Janeiro a 11 de Fevereiro, aos sábados, grátis com o JN». «Crie as suas próprias oportunidades» - ressoava-lhe a mensagem - «Tudo o que precisa para conquistar e manter o seu trabalho» - sussurrava-lhe o complemento – «Vá lá, não seja piegas!» - o tempo o justificará mais tarde… «Precate-se!»; «Ouse!»; «Abalance-se!»; «Sem medos!» – dirá o coro, todos nós, cada um em particular. «Força!». Com tanta força, inglório ou imprudente seria resistir, concluiu o passeante. Abalançou-se, por isso: de forma suave, ao princípio, mais destemido, depois. E dispôs-se a ousar.
«Faço salgados. Informe-se aqui no quiosque». Não podia ser partida por conseguida que fosse, mas facto concreto e palpável, o daquela folha branca afixada na parede de madeira, que teimara em lhe saltar para os olhos em vez de jornais e de outra imprensa, poiso habitual de tal sítio, agora também ele reconvertido, estava bom de ver, na evidência do que se prometia no painel terceiro, e que recordava, aclarando o seu sentido: «Crie as suas próprias oportunidades»… E ali estava um exemplo, sob a forma de pastéis, rissóis e croquetes! «Curioso» - filosofou o passeante - «Curioso» - repetiu…
Este era para ser um passeio a pé como os outros, mas não foi. Andara muito o nosso passeante, contudo. Sentou-se. Pegou no telemóvel e marcou um número. Quando atenderam, pediu:
- Uma dúzia de croquetes, por favor…
Por falta de atenção, desprendimento ou ausência de hábito, raramente atendia à mensagem e ao fim dos painéis publicitários plantados nas ruas ou avenidas das terras, cidades de seu nome, umas grandes, outras médias, sem esquecer aqui as pequenas, pois a colocação do painel não escolhe o tamanho dos lugares, esforçando-se por lhes gabar os méritos com a máxima de que não se medem aos palmos, tal como no humano padrão, e sem esquecer que também é conforme aos seus fins, pois de publicidade se trata. Descobriu-se no fim do passeio que algo o diferenciava dos anteriores (e, quem sabe, talvez dos futuros…), pois apresentava características que o singularizavam, dependentes e relacionados com o aparecimento dos ditos painéis, publicitários de seu fim, como se disse já, mas que pareciam possuídos de um outro (surpreendente, intrigante, com vida que parecia própria), mais do domínio do fantástico do que do rotineiro pedestre, impondo a sua presença como se dissessem: «Estamos aqui! Olha para nós! Lê a nossa mensagem! Medita sobre ela!». E assim se fez, seguindo os passos e as instruções ordenadas, pois não é mester desobedecer aos sinais, para mais de exclamação, que de ordens também se assinam. Obedeçamos, então.
E para que é que o alertavam os painéis, os tais com vida que parecia própria, parecendo mais fantásticos do que concretos, que se impunham com as suas mensagens e apelos, pois já se vira que eram mais do que um só, ainda se não sabendo se serão mais, dois que sejam, três, quatro, mais um ou menos um? Apresentemo-los, então.
Cioso da importância na enumeração e do papel na simbologia, o primeiro deles não defraudava os pergaminhos, parecendo animador pela mensagem referente a um evento, pois de uma celebração se tratava (e feliz, melhor ainda!), convidando o passeante a orgulhar-se pelo «Fado, Património Cultural da Humanidade», e uma acarinhada maratonista subscrevia, risonha o incentivando: ‘Orgulhe-se!». E ele, bem comportado e educado, também se orgulhava, mais não fosse porque era o que esperavam dele. Deixaria para mais tarde outras apreensões, que as havia, e que se prendiam com significados outros para ‘Fado’, menos dados a euforias e tradicional carimbo para o País, que era o dele, e para a história de nós todos, o Povo que por cá andou, anda e, esperemos, andará futuramente. Como se não bastasse esta arritmia semântica em relação a ‘Fado’, a sua costela pessimista dava-lhe conta de achaques que provinham das funduras subconscientes, relacionadas com a especialidade da ex-atleta, a maratona, pelo que se antevia ou julgava antever… Apressemo-nos, pois, que se faz tarde.
Controlada a semântica e sossegada a inquietação, eis que se chega ao painel das coisas do tudo e mais qualquer coisa, do compre que está barato, vá lá antes que esgote e a nós dá jeito: «Equipamentos a preço de custo!». Quais seriam eles, os equipamentos?... Dos bons e baratos?... Dos caros e maus?... Dos inúteis?... Como o passeante não sabia ou não se achava capaz de responder, apenas a expressão «a preço de custo» o incomodava e o alertava para um sintoma, ténue, a princípio, mas que ameaçava crescer, crescer… Seriam estes os sinais da crise de que ouvia falar?... Ver-se-á se assim é, a preço de custo ou não, trocado por miúdos mas com impactos graúdos e tonalidades sociais afins, algumas delas nem por isso… Aguardemos, talvez.
Mas não foi preciso ao caminheiro esperar muito, soube-o logo e agora reforça, quando se confrontou com o terceiro que apareceu, especificidade de painel publicitário, que em títulos avançava: «Guia indispensável do emprego. Crie as suas próprias oportunidades. De 7 de Janeiro a 11 de Fevereiro, aos sábados, grátis com o JN». «Crie as suas próprias oportunidades» - ressoava-lhe a mensagem - «Tudo o que precisa para conquistar e manter o seu trabalho» - sussurrava-lhe o complemento – «Vá lá, não seja piegas!» - o tempo o justificará mais tarde… «Precate-se!»; «Ouse!»; «Abalance-se!»; «Sem medos!» – dirá o coro, todos nós, cada um em particular. «Força!». Com tanta força, inglório ou imprudente seria resistir, concluiu o passeante. Abalançou-se, por isso: de forma suave, ao princípio, mais destemido, depois. E dispôs-se a ousar.
«Faço salgados. Informe-se aqui no quiosque». Não podia ser partida por conseguida que fosse, mas facto concreto e palpável, o daquela folha branca afixada na parede de madeira, que teimara em lhe saltar para os olhos em vez de jornais e de outra imprensa, poiso habitual de tal sítio, agora também ele reconvertido, estava bom de ver, na evidência do que se prometia no painel terceiro, e que recordava, aclarando o seu sentido: «Crie as suas próprias oportunidades»… E ali estava um exemplo, sob a forma de pastéis, rissóis e croquetes! «Curioso» - filosofou o passeante - «Curioso» - repetiu…
Este era para ser um passeio a pé como os outros, mas não foi. Andara muito o nosso passeante, contudo. Sentou-se. Pegou no telemóvel e marcou um número. Quando atenderam, pediu:
- Uma dúzia de croquetes, por favor…
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