03 fevereiro 2019

Esfregar as mãos, assim como existencialista

Estava um frio do caraças. «Alto lá!», pensou: «Um frio?!», «do caraças!?». Havia algo que não estava bem. Resolveu testar os barómetros politicamente correctos, o das condições climatéricas e o das expressões linguísticas, a ver o que é que diziam os cânones: pouco ou nada. Decidiu-se por um método mais infalível - o inquérito de rua.
Lá se armou com as ferramentas necessárias, o microfone e o bloco, e avançou para a rua, ainda pouco movimentada. Quando se cruzava com alguma alma, grande ou pequena, perguntava-lhe: Acha que está um frio do caraças?
Nem todas lhe respondendo, houve algumas que aceitaram. Eis os registos:
«Não, não está nada. Isto não é frio. No meu tempo é que era».
«A culpa é do CO2. E dos incêndios. E também da internet».
«Não quero saber nada disso. Vá mas é trabalhar».
«Agora não tenho dinheiro. Talvez mais logo».
Ficou intrigado com isto. Enquanto esfregava as mãos, por causa do frio, fosse do caraças ou não, meditava sobre a reacção das pessoas. Era estranho, no mínimo. Seria a mesma coisa, caso a pergunta fosse diferente? Iria experimentar.


Comentário: Se é do frio ou não, nunca se saberá. Quanto ao caraças, a mesma coisa. O texto é um bom exemplo das crises existenciais, que já não são o que eram, mas que se arrastam pelas ruas da amargura (isto sim, existencialismo puro), não dependendo do tempo nem da intensidade do frio, correndo o risco de serem piores na Primavera, talvez por causa do pólen, ou no Outono, pelo cair da folha. E é isto que é do caraças. Esfreguemos as mãos, pois.

Etiquetas: