30 abril 2022

De(talhe) 3

Não era para ter sido assim. Desta vez, ao contrário das outras, não saíra para fins de investigação, mas de sustento. A despensa esvaziara e era preciso repô-la. Mas a sina do investigador (lá está, mais um detalhe, sempre um detalhe!...) é destinada, é fatal, como se diz, e não é com duas cantigas que se sacode para detrás das costas, ou trás das costas, já nem sabia bem, mas que era para as costas tinha a certeza... E isto porquê, pergunta o «estimável público»? E a resposta era simples, para não dizer pueril: porque sim!

Certo é que, com mais ou menos detalhe, poderíamos dizer que já estávamos na dimensão que lhe interessava, desde há algum tempo, que era a da investigação que se propusera fazer sobre o «detalhe», aquele je ne sais quoi que os franceses aplicam quando a coisa está difícil de responder ou de fugir, mas que fica sempre bem quando se pretende fazer uma figura de profundo e habilitado conhecedor das profundezas e das especificidades da alma humana, mas não só, pois aqui também estamos a pensar no cérebro, no esqueleto, e nos músculos, numa descrição anatómica mais ou menos arrevesada, mas necessária para dar conteúdo e espevitar as mentes de quem nos segue ou ouve falar, caso seja essa a situação. E era este o caso, se bem que me tenha perdido um pouco na sequência argumentativa...

Retomando a inspiração inicial, complementada com mais três ou quatro expirações, para ganhar balanço e sossegar o ânimo, a frase entrou de supetão, à laia de míssil (desculpem, mas é a palavra adequada à caracterização), aquando da expedição para repor a despensa, atirada para o ar, assim como quem não a quer a coisa, por uma de duas passeantes com quem se cruzara: «A dor da perna passou-me. Tal como veio, assim foi...». E foi como uma espécie de click (não daqueles que estão pensar, credo!), daqueles habitualmente associados à nobre e sempre necessária actividade da investigação e afins, aquela que eu julgara ter abandonado, sossegado em casa, fazendo inspirações e expirações, alternadas, como convém...

O dilema era claro: a que perna, se referia a transeunte: a direita...? Ou a esquerda? 

E aparecera como: à boleia...? Ou em veículo próprio?

Rematando para canto, já agora: e porque é que a dor se fora embora: não gostara da perna...? Ou, gostando, talvez estivesse a enganar a dona da perna para voltar a aparecer mais tarde?

Como se vê, tudo questões pertinentes e claramente adequadas ao tema da investigação/tese. Teria que ver, era óbvio. Até lá, porém, uma coisa era premente: saber, porque raio, é que ficara com uma dor num dos braços, era estranho, só para fugir ao padrão!...



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