25 fevereiro 2017

À hora


Não imaginava que a decisão viesse a ser polémica. Na sua cabeça tudo fazia sentido e se encaixava. Na cabeça dos outros, pelos vistos, não. Continuava sem compreender, mais a mais porque o processo tinha sido participado e, na altura, toda a gente achara bem e não pusera objecções. Agora, num golpe de mágica (ou palaciano, talvez), as pessoas do seu círculo desdiziam-se e voltavam com a palavra atrás. Gostaria que o processo não começasse de novo e voltassem à estaca zero. Ainda pensou em não lhes dar ouvidos, mas a sua consciência opunha-se. Estava convencido de que os convenceria de novo e que tudo se iria resolver e que os faria chegar à razão. Mesmo contrariado, lá iria promover uma reunião extraordinária e ouvir o que tinham para lhe dizer sobre o projecto. Certo disso, fez as convocatórias e mandou as sms.
Apareceram todos e isso agradou-lhe. E à hora, note-se, o que o satisfez ainda mais, pois o costume vigente não era esse. Depois das boas-vindas, a reunião iniciou-se com a explanação do assunto que levara à sua convocação, que todos já conheciam, tendo sido feito referência ao seu carácter extraordinário e à necessidade imperiosa de sair uma posição concertada e, se possível, unânime, dada a natureza e o melindre do que estava em causa. Aparentemente, todos anuíram e a reunião desenrolou-se, uns apresentando os seus argumentos a favor e outros rebatendo-os, mas também os corroborando, quando conveniente. A principal discórdia, sempre o fora, prendia-se com o timing e a forma de que se revestiria o anúncio público, pois era disso que se tratava. Tinham-se promovido inquéritos, feito estudos e sondadas pessoas competentes sobre o que fazer e como o fazer bem. Mais ou menos todos concordavam que o projecto tinha que ser assumido com dignidade e comunicado com a gravidade e a pompa inerentes. Não o reconhecer e aceitar, reforçavam, era uma manifestação de grande indigência intelectual e social, nada abonatórias para a figura em causa, para eles mais do que um líder, um verdadeiro guru.
Tendo ouvido os considerandos, que pesou com gravidade e com a consideração adequadas, atendendo ao esforço e às pessoas envolvidas, reconheceu que não lhe seria fácil tomar a decisão que iria tomar, mas que ela se impunha, pois achava que seria a melhor para ele e para o grupo.
Assim, e como dispunha de voto de qualidade (que desculpassem, mas era assim que as coisas funcionavam), mantinha-se inamovível no seu propósito de se declarar oficialmente louco à hora a que o sino tocasse.

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