29 junho 2006

Escrever

A letra "E" foi a letra que primeiro aprendi. E lembro-me bem do contentamento que isso me provocou. Marcou-me de tal maneira essa conquista que, passados todos estes anos, nunca mais me esqueci. A essa letra juntaram-se outras, todas elas buriladas com o carinho e o desvelo aplicados às coisas verdadeiramente importantes e preciosas. Pela escrita se conquistava um mundo, se exprimia um pensamento esclarecido ou inflamado, se entreteciam paixões. Escrever era um gesto nobre, respeitado e enriquecedor. E ainda é e continuará a ser, pelo menos para mim. Com o passar do tempo a nossa relação com a escrita vai esmorecendo, diluindo-se placidamente no acordar, trabalhar e dormir quotidianos. Tal como os amores platónicos de juventude que se foram aninhando na memória, os projectos, as ideias e as expectativas que se teciam à volta e sobre a escrita não são hoje, ao contrário de então, mais do que fugazes e puras recordações evanescentes, ausentes de quaisquer fundamentos sólidos ou sustentados que minimamente os suportassem, apenas mantidos por uma grande e enternecedora dose industrial de fantasia, lirismo e inocência.

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