A noute
A fonte dissera-lhe por volta das duas e meia da manhã e naquele local. Estava-se no domínio da Noute e não por acaso... «Noute: N-o-u-t-e!», afirmara-lhe a fonte, arregalando os olhos e apontando com o indicador. Que não pensasse que era gralha ou arcaísmo, nada disso! Não estávamos a falar de uma qualquer «Noite: N-o-i-t-e», aprimorava-se na soletração, sobretudo em relação ao 'i', realçava, mas de uma coisa outra: mais densa, mais profunda, mais NOUTE!, entusiasmara-se a fonte, antes de um ataque de tosse, quiçá provocado pela cigarrada e aguilhoado pela emoção...
Estávamos, pois, à espera e no domínio da Noute, o que quer que isso fosse, mas que a fonte afiançara que era «algo propícia ao estranho e ao mistério, lidando bem com o breu da escuridão e os sons que se não vêem, mas se sentem, cheiram ou voam. Na noute os fantasmas e os lobisomens estavam em casa, de onde nunca saíam, muito menos à noite. Cenário de encantamento para bruxas e almas perdidas, pagãs ou religiosas, com a negrura conforme ao folclore ou ao clima, à espera de príncipes ou de princesas que não chegam, montados ou apeados de dragões, um ou outro num veículo elétrico ou movido a energias alternativas». Cá estávamos para ver e sentir se era assim como a fonte a descrevera... Mais um desafio para si, portanto, que se encaixava no perfil dos destemidos ou destravados, ficando ao critério dos leitores decidir em qual deles é que se enquadrava. Se fosse pelo peito a coisa estava feita, dizia-lhe a sua convicção e meia dúzia de inspirações/expirações comprovavam-no, a ver pela passarada que se espantara e desatara a piar dando às asas...
Enquanto assim matutava, uma voz pesada e atemorizante, assim a descrevo aos leitores, apresenta-se e faz-se ouvir:
_ Quem sois vós, que ousais invadir a paz e o sossego da Noute?
_ Gente de bem, não temais. Sou jornalista.
_ Jornalista?!... E fazes o quê?
_ Reportagem, sobretudo. Mas também faço perfis biográficos, obituários, crónica e análise desportiva.
_ Tens clube?
_ Não. Sou freelancer.
_ Muito bem. E o que pretendes?
_ Entrevistar-te.
Silêncio. Tento quebrar o impasse e sugiro um compromisso.
_ Se não der jeito, podemos marcar para outro dia... O que é que acha?
_ Não sei, pá... Estou confusa.
_ Então, porquê?
_ A noute começa a perder-se... Sabes dizer-me porquê?
_ Não sei... Será por causa do excesso de luzes, talvez...?
_ Podia ser... Podia ser... Mas, penso que não. A razão é outra!
_ E é...?
_ Não te posso dizer. Não te posso dizer...
_ Mesmo que guarde segredo...?
_ Sim, mesmo assim... Jogas xadrez?
_ Mal.
_ Sabes dispor as peças, ao menos...?
_ Isso, sim. Não posso trazer um parceiro?...
_ Depende... Em quem é que estavas a pensar?
_ Num compadre, o Zeca Diabo.
_ O Diabo?! Esse joga bem, pá!... Não queres arranjar outro?...
_ Não sei... Não estou a ver quem possa estar disponível para...
_ Para quê...?
_ Para estar na presença da Noute...
_ E se me disfarçar?...
_ Assim perde a graça... Marcamos para outra noute...?
Silêncio. A Lua mostra-se. Na noite, as luzes ganham vida. Será que voltaremos a ouvir falar da Noute...?
(in Estava Lá, Mas por Acaso, pp. 73)
Estávamos, pois, à espera e no domínio da Noute, o que quer que isso fosse, mas que a fonte afiançara que era «algo propícia ao estranho e ao mistério, lidando bem com o breu da escuridão e os sons que se não vêem, mas se sentem, cheiram ou voam. Na noute os fantasmas e os lobisomens estavam em casa, de onde nunca saíam, muito menos à noite. Cenário de encantamento para bruxas e almas perdidas, pagãs ou religiosas, com a negrura conforme ao folclore ou ao clima, à espera de príncipes ou de princesas que não chegam, montados ou apeados de dragões, um ou outro num veículo elétrico ou movido a energias alternativas». Cá estávamos para ver e sentir se era assim como a fonte a descrevera... Mais um desafio para si, portanto, que se encaixava no perfil dos destemidos ou destravados, ficando ao critério dos leitores decidir em qual deles é que se enquadrava. Se fosse pelo peito a coisa estava feita, dizia-lhe a sua convicção e meia dúzia de inspirações/expirações comprovavam-no, a ver pela passarada que se espantara e desatara a piar dando às asas...
Enquanto assim matutava, uma voz pesada e atemorizante, assim a descrevo aos leitores, apresenta-se e faz-se ouvir:
_ Quem sois vós, que ousais invadir a paz e o sossego da Noute?
_ Gente de bem, não temais. Sou jornalista.
_ Jornalista?!... E fazes o quê?
_ Reportagem, sobretudo. Mas também faço perfis biográficos, obituários, crónica e análise desportiva.
_ Tens clube?
_ Não. Sou freelancer.
_ Muito bem. E o que pretendes?
_ Entrevistar-te.
Silêncio. Tento quebrar o impasse e sugiro um compromisso.
_ Se não der jeito, podemos marcar para outro dia... O que é que acha?
_ Não sei, pá... Estou confusa.
_ Então, porquê?
_ A noute começa a perder-se... Sabes dizer-me porquê?
_ Não sei... Será por causa do excesso de luzes, talvez...?
_ Podia ser... Podia ser... Mas, penso que não. A razão é outra!
_ E é...?
_ Não te posso dizer. Não te posso dizer...
_ Mesmo que guarde segredo...?
_ Sim, mesmo assim... Jogas xadrez?
_ Mal.
_ Sabes dispor as peças, ao menos...?
_ Isso, sim. Não posso trazer um parceiro?...
_ Depende... Em quem é que estavas a pensar?
_ Num compadre, o Zeca Diabo.
_ O Diabo?! Esse joga bem, pá!... Não queres arranjar outro?...
_ Não sei... Não estou a ver quem possa estar disponível para...
_ Para quê...?
_ Para estar na presença da Noute...
_ E se me disfarçar?...
_ Assim perde a graça... Marcamos para outra noute...?
Silêncio. A Lua mostra-se. Na noite, as luzes ganham vida. Será que voltaremos a ouvir falar da Noute...?
(in Estava Lá, Mas por Acaso, pp. 73)
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