25 janeiro 2020

Improviso epifânico (e mais qualquer coisa)

É um erro de perspectiva pensar que as epifanias devem ocorrer em lugares e momentos especiais. Não: é a manifestação da epifania que é invulgar, não o lugar ou o momento! Qualquer lugar é bom para uma epifania, mas se for num com actividade e pessoas é melhor para a revelação e mais atreito à credibilização. É como nos filmes. No teatro é ao contrário. 
A epifania acontece em dia e hora certos, embora não combinados. Não ter sido combinado é relevante nesta matéria da epifania, pois sendo combinado seria do domínio do contrato. Não era o caso. Também é importante que o agente em que se manifesta a epifania não seja identificado à partida, para dar mais suspense, mas que simultaneamente possa ser identificado como um (possível) alvo para tal, dado o dia da semana em que ocorre e as circunstâncias em que se faz. 
Mas não é fácil lidar com a epifania, até porque não se está à espera. Complica-se se também não se tiver experiência de epifanias, que é difícil de obter e para cuja obtenção não têm sido criado vagas nos cursos que, de vez em quando, abrem. Sem apoio comunitário. Pelo menos, até agora. 
Desenganem-se os que pensam que a epifania leva ou tem uma vida fácil. Não tem. Descontando o facto de muitas trabalharem a recibo verde ou com contrato a tempo certo, praticamente todas, incluindo as do quadro, são sujeitas a um regime desgastante, caracterizado pela inconstância e por resultados inesperados, mesmo que pensados para não o serem. Tudo começa no período de aquisição de competências e durante a realização do estágio, que é obrigatório e decisivo para uma colocação condigna e perto de casa. 
Não podemos falar de epifanias de ânimo leve, embora o corrector ortográfico assinale que se estava a usar uma expressão informal e que deveria «ponderar o emprego de uma expressão alternativa». Teria que discordar do conselho, coisa que lhe era permitido, e argumentar no sentido contrário, que era o que lhe apetecia, até porque não incorrera em erro nenhum, como se comprovava pela utilização de ponderar o emprego de uma expressão alternativa entre aspas, para indicar que a fonte não era ele, mas o corrector. Para além do mais, considerava uma injustiça acusarem-no de utilizar uma expressão do domínio informal, quando um conhecimento mínimo das raízes greco-latinas do português estavam bem à vista, respectivamente em «ânimo», do latim animus, e em «epifania», do grego epifaneia. Para informal não estava mal, dizia, e como resultado ficavam em 2 a 0, a desfavor do corrector, porque o autor resolvera abrandar e controlar o jogo, pois voltaria a jogar na quarta-feira e estavam a bater-lhe à porta. A epifania das onze.


Etiquetas: