24 dezembro 2018

Bordado para a venda



As coisas são o que são. Parece (e é) uma frase feita, comprada a preço de saldo ou nas promoções. Que as há, não haja dúvidas. Como em tudo nas compras, há quem compre melhor e quem compre pior, quem conhece os locais onde se compra melhor e sítios onde não se volta a pôr os pés. Para além dos barretes e dos monos, chegam a encontrar-se pechinchas. O segredo está nisso. E em saber ler, claro! Nem que seja os preços.
A princípio, a caneta não pega. Mas também podia ser um lápis, só que aqui o combustível é diferente do da caneta. Mas lá acabam por pegar, nem que seja de empurrão. O começo é sempre às tossidelas, já se sabe. Depois, à medida que aquece, a coisa começa a ser mais fácil. Não tendo feito medição, anda à volta das ‘X’ palavras por período. A descer é mais, mas em reta é o que está padronizado: sujeito, predicado, complemento, com mais ou menos caracteres. Às vezes, faltam os travões. Quando isso acontece, é mandar-se para o lado e enrolar. No cascalho.
Para quem tenha treinador, o início já se encontra estipulado: tanto de palavras, tanto de frases, parágrafos que bastem. No fim, alongamentos de desbaste. Depois, banho e secar. Ao sol, de preferência.
Não sabia o que lhe deu, mas pegou numa agulha e num dedal e começou a fazer uma cerzidura fininha, ponto por ponto. Não sabia nada de ponto de cruz ou de qualquer terminologia do bordado, da renda ou do tricot. Mesmo assim, continuava a enfiar a agulha e a linha pelos interstícios das frases e dos parágrafos. Animava-se com a perspectiva de fazer qualquer coisita que pudesse oferecer para a venda de Natal. Tinha-se comprometido e não queria faltar à promessa. Ainda sugerira fazer uns frascos de compota, mas simpaticamente disseram-lhe que era melhor não, pois já havia muitas. Foi então que a parte do bordado se colocou. Não querendo desiludir quem convidava, disse que sim.
Quando lhe faltava o jeito ou o entusiasmo, olhava para o lado e socorria-se da velhinha que o instruía, com bonomia (outra frase feita), e lhe dizia, a sorrir, que as linhas estavam mais tortas do que direitas, mas que não desistisse, pois era para uma boa causa, para os necessitados do bairro, que da literatura só conheciam o cheiro, mas de longe. Ao contrário dos bordados, que sempre tinham uns desenhos e umas cores, tudo simples. Teria que continuar. Era a vida (outra frase feita, é claro).

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