01 fevereiro 2015

A estátua


Escolhera aquele local porque era sossegado, podia tomar café e ler um livro. E também ir ao cinema, se lhe apetecesse. Portanto, era um espaço onde se podia estar, tomar café, ler e ver cinema, embora ainda não fossem horas. Nada mau para espaço citadino, o quer que significasse esta frase… Aproveitava também o momento para escrever no seu caderno de notas, que não era um moleskine nem um de capa dura, mas feito com cinco folhas, dobradas em quatro, reutilizadas de uma fotocopiadora e cujo destino seria o papelão, se tivessem sorte, ou o contentor de indiferenciados, que seria o mais provável. Teria que ver isto e pensar se justificaria um alerta, por correio electrónico ou presencial, dependeria do tempo e da disposição na altura. Decidira que seria por correio electrónico, consultado o tempo e com a concordância da disposição. Havia poucas pessoas, se calhar por não serem horas de cinema. O café não era mau, mas havia muitos ali próximos. Também por isso, concluía, o número reduzido de pessoas. A hora também teria a sua influência, neste caso benfazeja, ao contrário de outras que nos atentam, conhecidas por malfazejas. Era um assunto a explorar, este das horas bem e malfazejas, pois podia dar-se o caso de ser questão de feitio ou inclinação do fuso, o que poderia ser relevante. Ao olhar em frente, viu-a. Mas, primeiro do que ele, quem a viu foi uma criança, que vinha com a mãe. Não deveriam vir ao cinema, pois não estava previsto nenhum filme para crianças. E, mesmo que estivesse, ainda não eram horas do cinema abrir. Só o café. Como se disse, a criança vira-a primeiro do que ele, que só a viu depois. E o que a criança vira era uma estátua, que ele não vira, mas que estava mais ou menos à sua frente, ligeiramente à esquerda da orientação do olhar, quase a entrar na área da visão periférica, mas ainda um pouco longe. E a visão periférica ajudou-o, entretanto, conseguindo que visse uma outra estátua, mais para a direita e uns metros afastada da outra, que ele não vira mas a criança sim. Ela tinha a curiosidade típica das crianças, curiosidade que se perdia em adulto, pelos vistos, e que costumava afectar a visão, a directa e a periférica, pelo menos nos locais em que se podia estar, tomar café, ler e ir ao cinema quando apetecesse e fossem horas. E onde existiam estátuas. Não surpreendia que a presença da estátua suscitasse a curiosidade da criança, pois era criança. Talvez por isso, dirigiu-se na sua direcção e fez-lhe uma festinha. Decerto não era para saber como se sentia ou de que era feita. Era mais como se lhe perguntasse porque é que ali estava tão sossegada e sem a mãe. Ou ela própria fosse uma mãe sem a sua criança, não sabia. Como não lhe disse, foi-se embora.

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