Ficamo-nos por aqui (prolegómenos de hermenêutica)
O anúncio atraíra-o como uma abelha pelas flores. Sem que nada o fizesse prever, a publicitação do curso respondia às suas preces, ainda que não formuladas... Depois de ler e reler, só o post scriptum lhe provocou alguma perplexidade, mas rapidamente passou adiante, concentrando-se nos requisitos e na propina. Sobre o levar uma picareta, junto com os outros artefactos de escrita e leitura, logo se esclareceria do que se tratava, quem sabe se uma gralha ou uma rasteira. Logo se veria, se fosse aceite.
Bateu à porta e encaminharam-no para uma sala de espera. Já lá estavam mais pessoas, cada uma com o seu estilo e respectiva picareta. Pela primeira amostra, estava mais ou menos parecido às outras que lá estavam, picaretas à parte. Mas também não tinha cachimbo e os óculos eram menos graduados do que a maioria. Começava a sobressaltar-se: afinal as diferenças pareciam ser maiores do que pareciam ao início... Talvez quando o curso começasse as coisas acalmassem... À hora aprazada, entrámos. Nas mesas, dispostas em 'U', como nas formações, um livro com as páginas abertas, mais ou menos meio por meio. A formadora já lá estava e deu-nos os bons-dias, sorrindo. Toda a gente respondeu ao cumprimento excepto um, que estava em modo seráfico, mas isso era uma idiossincrasia. A respeitar, portanto. Agora é que era.
A formadora entrou logo a matar, fazendo a pergunta previsível: «O que é um texto?». Os formandos entreolhavam-se, com mais ou menos desconforto, mas a custo lá foram respondendo, incluindo o em modo seráfico. A todas as respostas, melhor ou pior formuladas, a formadora ia respondendo e contrapondo, incentivando os formandos a tentar ir mais longe, «a escavar, a aprofundar, a demolir alicerces, a deitar abaixo e a erigir, de forma resplandecente, o texto novo, vivam as picaretas, abaixo o texto velho, vivam as picaretas, aleluia, aleluia!». E aqui, o seráfico desfaleceu.
Etiquetas: Humor (universitário)
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