06 junho 2020

A gesta e a giesta

Pode um grupo de pândegos constituir-se como sociedade secreta?... Não sei. Mas não me surpreende, devo dizê-lo. Esta questão assaltava-me de vez em quando. Não sabia tipificar uma periodicidade, mas aparecia com alguma frequência, às vezes em momentos inesperados. Como este, em que me desloco campo fora a ver no que param as modas e aproveito para fazer um passeio higiénico antes de deitar. Na verdade, porque é que um grupo de pândegos não pode constituir-se como sociedade secreta ou associação de outra natureza: será pela inexistência de estatutos? De códigos específicos? De indumentária apropriada? Da rambóia como lema orientador?... Muitas questões, poucas respostas... Adelante!
Estava eu assim com as minhas cogitações (devo rever esta parte, pois cheira-me que posso a estar a citar alguém de que me não lembro agora - não esquecer!), quando me apercebo de estar a aproximar da carreira de tiro e começo a detectar sinais inquestionáveis de presença humana (não é impunemente que se passa um período determinante da vida na guerrilha...), não de períodos antanhos (deixo isso para os especialistas), mas bem presentes e objectivos: um trilho de garrafas, de várias cores e feitios, indícios de fogueiras diversas e uma curiosa sinalética de paus e verdascas a dar ideia de pictogramas ou hieróglifos, motivos mais do que suficientes para ficar alerta e, melhor do que isso, espicaçar a minha curiosidade... Pé ante pé, aproximei-me, recorrendo às medidas de segurança que tinha aprendido e que se mantinham activas e actuantes, acabando por desembocar numa pequena clareira, semi-oculta pela vegetação (como camuflagem não estava mal, não senhor, o que era um indício de que quem a tinha escolhido dominava, com algum à-vontade, a técnica). Aproximei-me mais. Mas a aproximação não tinha sido prudente (reconheço-o agora), e a quebra de um galho de uma giesta fez-se ouvir no silêncio da noite, sobressaltando um pouco o grupo que se encontrava reunido à volta da fogueira. Ouve-se uma voz: «Entra, se vieres por bem. Come, bebe e manda uns bitaites sobre a vida e o mundo. À saída, deixas uns trocos para o depósito das garrafas». Entrei, claro. Ia ver no que dava.



(Decidi publicar isto por capítulos. Já tenho o acordo do editor. Mas vou ter que me documentar sobre este tipo de sociedades, não quero ir às cegas... Apesar da recepção ter sido boa e acolhedora, notei alguma tensão quanto à minha presença (conheciam-me bem, é claro). Teria que ganhar a confiança do grupo e ver como as coisas evoluíam... Mas marquei logo pontos quando lhes revelei uma espécie de cacha, um termo jornalístico para exclusivo: a realização, dentro de dias e a poucos quilómetros de onde se reuniam, de um solstício de Verão protagonizado por Ninfas de várias nacionalidades.).





(in Estava Lá, Mas por Acaso, pp.444)

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