À procura da paisagem interior - amostra 2
Passava os olhos por um jornal quando ouviu o som de uma mensagem a entrar no telemóvel. Ainda pensou não se levantar a ver de quem era, mas a curiosidade era muito grande, mais não fosse pela hora. Pegou no telemóvel e leu a mensagem: «Queres vir cá a casa? Almoças comigo».
Ficou intrigado. Apreensivo, também um pouco. O que é que quereria aquela alma...? Decidiu ir. Mas tinha que levar qualquer coisa. Era de bom tom, as pessoas apreciavam e até podia servir para fazer um brilharete... Passaria por uma garagem vintage, conhecida pelos produtos artesanais e simbólicos que estavam a fazer furor nesse momento, quer nas tertúlias de varanda, quer nas redes sociais: um rolo de papel higiénico de 1 folha, reciclado, perfumado e assinado por artista plástico em quarentena, um quadrado de sabão macaco certificado e um frasquinho de autêntico vinagre de vinho, 100 ml, produzido após abertura de uma garrafa perdida, algures nas prateleiras de uma cave, nos gloriosos anos 60... Da sua garrafeira levaria uma garrafa das berças, de vinho que ele próprio ajudara a pisar, pelo menos assim o afiançava... Vamos acreditar que sim.
Ali estava, pois. Só tinha que bater à porta. Pelo menos desta vez, estava convencido de que o resultado não seria o mesmo do que o da primeira visita, em que nem sequer lhe abrira a porta... Não! Agora, seria diferente. Talvez por isso, tinha trazido o gravador e o bloco. As coisas iriam correr bem...
Bateu à porta. Ouviu-se um «Entra, filho!». Entrou, não sem antes ter esfregado os sapatos no tapete, deu os bons dias e perguntou se podia ir à casa de banho, pois estava aflito... Ela disse que sim, mas que tirasse os sapatos. E que não se esquecesse de lavar as mãos!... E que também fizesse uma pausa e meditasse, brevemente, fazendo inspirações/expirações ritmadas ao som da música que se ouviria na casa de banho, «Um must!», exclamou. Foi o que fez. Contudo, engasgara-se nas inspirações/expirações e tossira ligeiramente. Com receio de que ela percebesse, pigarreou a voz e começou a trautear uma ária de ópera, das mais conhecidas, e que sabia de que ela gostava, servindo também para garantir que os seus pulmões estavam óptimos e oxigenados... Dirigiu-se para a sala e entregou-lhe os presentes que trouxera. A comoção dela, ao recebê-los, deixaria qualquer coração empedernido vertido em lágrimas, daquelas grossas, mas rapidamente se recompôs e lhe perguntou como é que estava, se corria tudo bem e «se já era um autor de culto» (ao dizer isto, desatou a rir à gargalhada e teve um ataque de riso e de tosse incontroláveis, o que o preocupou sobremaneira)... mas acabando por se recompor, talvez devido à ingestão do vinho da garrafa que também trouxera, o tal que tinha sido pisado por ele, e sobre o qual dizia «É pá!?... É francês, não?». Coitada, via-se que de vinhos percebia pouco...
Ficou intrigado. Apreensivo, também um pouco. O que é que quereria aquela alma...? Decidiu ir. Mas tinha que levar qualquer coisa. Era de bom tom, as pessoas apreciavam e até podia servir para fazer um brilharete... Passaria por uma garagem vintage, conhecida pelos produtos artesanais e simbólicos que estavam a fazer furor nesse momento, quer nas tertúlias de varanda, quer nas redes sociais: um rolo de papel higiénico de 1 folha, reciclado, perfumado e assinado por artista plástico em quarentena, um quadrado de sabão macaco certificado e um frasquinho de autêntico vinagre de vinho, 100 ml, produzido após abertura de uma garrafa perdida, algures nas prateleiras de uma cave, nos gloriosos anos 60... Da sua garrafeira levaria uma garrafa das berças, de vinho que ele próprio ajudara a pisar, pelo menos assim o afiançava... Vamos acreditar que sim.
Ali estava, pois. Só tinha que bater à porta. Pelo menos desta vez, estava convencido de que o resultado não seria o mesmo do que o da primeira visita, em que nem sequer lhe abrira a porta... Não! Agora, seria diferente. Talvez por isso, tinha trazido o gravador e o bloco. As coisas iriam correr bem...
Bateu à porta. Ouviu-se um «Entra, filho!». Entrou, não sem antes ter esfregado os sapatos no tapete, deu os bons dias e perguntou se podia ir à casa de banho, pois estava aflito... Ela disse que sim, mas que tirasse os sapatos. E que não se esquecesse de lavar as mãos!... E que também fizesse uma pausa e meditasse, brevemente, fazendo inspirações/expirações ritmadas ao som da música que se ouviria na casa de banho, «Um must!», exclamou. Foi o que fez. Contudo, engasgara-se nas inspirações/expirações e tossira ligeiramente. Com receio de que ela percebesse, pigarreou a voz e começou a trautear uma ária de ópera, das mais conhecidas, e que sabia de que ela gostava, servindo também para garantir que os seus pulmões estavam óptimos e oxigenados... Dirigiu-se para a sala e entregou-lhe os presentes que trouxera. A comoção dela, ao recebê-los, deixaria qualquer coração empedernido vertido em lágrimas, daquelas grossas, mas rapidamente se recompôs e lhe perguntou como é que estava, se corria tudo bem e «se já era um autor de culto» (ao dizer isto, desatou a rir à gargalhada e teve um ataque de riso e de tosse incontroláveis, o que o preocupou sobremaneira)... mas acabando por se recompor, talvez devido à ingestão do vinho da garrafa que também trouxera, o tal que tinha sido pisado por ele, e sobre o qual dizia «É pá!?... É francês, não?». Coitada, via-se que de vinhos percebia pouco...
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