10 abril 2020

Autor de culto

Desconhecia o que era necessário para se ser um autor de culto. Calculava que se precisasse de uma licença qualquer e que se pagasse imposto, mas não sabia mais nada. Sendo assim, o mais avisado era ir às Finanças e registar-se. Foi o que fez, logo pela manhãzinha. Lá chegado, deparou-se com uma grande fila e com a atribuição de senhas já esgotada. Voltou para trás. Sentou-se num café e começou a pensar melhor no que queria ser, se seria boa ideia aquela de ser autor de culto. Entretanto, pedira um galão e uma torrada «com pouca manteiga», disse. Olhou em volta, em busca de inspiração ou de informação. A audiência não era numerosa, talvez por isso resolveu avançar. Pigarreando a voz, perguntou se alguém sabia o que era preciso para se tornar um autor de culto. O barulho que se fazia sentir, em fundo, parou, como por magia. As poucas pessoas olhavam para ele e não diziam nada. Olhavam-no, apenas. Timidamente, ouve-se uma voz «Então, o café não vem?», «Sai já», responderam.

(Publicado tal qual num pasquim de esquina, que por ali passara para tomar um fino e que achou o texto fixe, mas que podia ser melhor… Para lá disso, queixou-se de que o fino estava morto e que não voltava a entrar ali, pois não gostava dos copos).

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