22 março 2020

Sobreviver/subviver

Irritava-se quando ouvia alguém dizer que «sobrevivia». A sua costela semântica reagia sempre, mesmo no Verão, que é quando ela se dá melhor com a temperatura. Interrogava-se, vezes sem conta, se estava a ouvir bem ou a interpretar mal, ainda que preferisse a primeira das hipóteses, pois não gostava de conflitos, ainda que semânticos. Mas era mais forte do que a sensibilidade (não semântica, neste caso), e atirava-se por ali fora, de espada em riste, abrindo cabeças a torto e a direito, e também em frente.  
Para si, era muito fácil: deviam dizer antes «subviver». Quando lhe argumentavam que havia um sentido figurado para «sobreviver», e que era o mais próximo do entendimento comum, fazia peito e arregalava os olhos como que a reafirmar que «ele é que era o presidente da junta». Em sentido figurado, pois ele sobrevivia a isso.


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