29 fevereiro 2020

Largada

A largada de textos era uma actividade com cada vez mais adeptos. Quando soube disto, resolveu tentar. Perguntou o que era necessário, se havia testes ou um período mínimo de ambientação. Disseram-lhe que não, para aparecer só com o computador e a pasta dos textos no local e na hora aprazados.
Apesar das (aparentes) facilidades, não estava muito seguro de que fosse assim tão fácil. Iria perguntar a um especialista da área da columbofilia, actividade que na sua cabeça mais se parecia com aquela onde gostaria de se iniciar. Encontrou o especialista junto ao pombal, de apito e lata para dar as orientações. Era bonito, aquilo. Perguntou-lhe se podia falar com ele e pedir-lhe alguns conselhos. «Claro!», respondeu este, «Onde é que estão os bichos?». Quando lhe mostrou a pasta no computador, o homem coçou a cabeça e exclamou um «Eh, pá!...» que lhe pareceu de mau augúrio, mas mesmo assim atreveu-se a perguntar o que é que achava. O homem olhou para os textos, de todos os ângulos, e abanou a cabeça, dizendo que lamentava mas não tinha qualquer hipótese, que os textos estavam anémicos, sem vitaminas e sem alma. «Como estavam», arrematava, «nem da janela ao quintal voavam, quanto mais abalançar-se a uma travessia»... 
Decidiu ir, mesmo assim. Quando chegou, facilmente se apercebeu de que eram variados e de níveis diferentes os textos que iriam ser largados. Uns mais profissionais e outros mais diletantes, conhecidos como amadores. As diferenças saltavam à vista: nos recursos, no treino e nos suplementos. Olhando para os seus, pareciam-lhe um pouco anémicos, de facto. Ainda tentara dar-lhes um pouco de sol e de exercício, mas a coisa tinha-se ficado pela tentativa. «Que era cedo», «que estavam com sono», «que não os chateasse», «que deixasse para outra ocasião», em suma, que se lixasse a largada mais as suas ideias... Mesmo assim, lá conseguiu convencer meia dúzia deles a entrarem para a pasta. Que iria ser fixe, bué de louco e uma óptima hipótese de conhecer textos femininos mais prafrentex...lá tentava convencê-los. «Ya, tá-se bem...», só lhe diziam, e entraram para a pasta.
A largada estava prevista para começar às dez e fechar às dezassete, com meia hora de tolerância. Perto de começar, olhava para os seus textos e angustiava-se. E agora, como iria ser, como é que se desenrascariam na travessia virtual, quantos cliques obteriam ou quantas chumbadas levariam nas asas...? Depois se veria... Até lá, recomendava: «Sempre em frente, sempre em frente, sem medos! Se os tiverem, mudem de linha, mudem de linha!».

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