07 fevereiro 2016

A janela (da oportunidade)


«As maçãs recheadas têm segredo». As janelas também. A primeira frase ouviu-a num programa de culinária na tv (daí as aspas, por via das dúvidas) e a segunda inventou-a, mas deve ser verdade. Vamos acreditar que sim. E, quem acredita, vai no bom caminho, ainda que às vezes se espete. No seu caso pensava que não, mas nunca fiando. Comecemos pelo princípio.
A casa situava-se numa zona alta, mas não muito. Para além da localização, até nem era nada de especial ou de particularmente interessante, mas era o que se tinha: paredes, telhado, portas e janelas, o habitual. No entanto, chamavam-lhe «o castelo». Saber porque é que lhe chamavam assim era uma incógnita, que se manterá para não retirar emoção e curiosidade ao leitor (que suspeitava que havia). Se lhe chamavam «o castelo» seria por alguma razão, certamente louvável, como todas as razões, mesmo as descabeladas. Esta podia ir nesse sentido, mas vamos deixá-la em paz, que também tem direito. Fica, pois, «o castelo».
Até então, nunca se interessara pelo «castelo» ou preocupara com quem lá pudesse viver, talvez por falta de tempo ou motivação, mas mais provavelmente porque teria mais do que fazer do que se pôr a adivinhar ou a efabular sobre isso, coisa que se via nitidamente como tendo sido inventada (mais do que ficcionada), sujeita ao correr do bater nas teclas, umas vezes mais, outras vezes menos, eventualmente com pausas pelo meio (como esta, em que se avalia como é que as coisas se estão a desenrolar e se há fôlego para lhe dar continuidade, ou desistir e esperar pelo «carro vassoura», essa gloriosa instituição do ciclismo que, quando dá jeito, pode sempre dar uma ajuda noutras matérias, como poderia vir a ser o caso). Mas deixemos o ciclismo e passemos ao modo pedestre, habitualmente o meio em que estas histórias melhor se descortinam, e estabeleçamos uma ligação (que a há, mas que tem estado escondida) entre o pedestre e «o castelo».
Era um dia em que estava vento (depois se perceberá porquê e o jeito que dá, ou não, lidar com estas condições meteorológicas), mais do que o costume, sobretudo para os lados do castelo, mas que também se notava para os lados do outro casario. Como era de esperar, pois havia vento, muita poeira e alguns papéis, substâncias frágeis e muito dadas ao voo atmosférico, sobretudo se andarem soltos e forem leves, espalhados ou deixados sabe-se lá por quem, mas suspeita-se que sempre de duas patas e de pose erecta. Humanos, pois claro (quem havia de ser?).
E foi assim que o papelinho (muito bonitinho, aliás) lhe chegou às mãos (melhor dizendo, foi agarrado pelas suas mãos), trazido pelo vento (por quem havia de ser?), pois de outra forma iria ter às mãos de outro alguém (se tivesse sorte) ou ir parar a onde mãos algumas lhe pegassem, porque não se encontram em determinados sítios ou locais e as mãos não chegam para tudo.
O papel estava escrito e o que se lá lia era isto: «Salva-me». Também tinha um endereço e um número de telemóvel. O endereço já se adivinha qual é (esse mesmo, o do castelo, mas sem número de porta) e o número de telemóvel também, mas que se omite por óbvias razões publicitárias, mas que se compreendem. Sobre o remetente nada, nada, nada, mas suspeitava que fosse uma donzela. E em perigo! Iria investigar. Mas para isso teria que vestir o seu fato de cavaleiro andante. Vinha mesmo a calhar, porque já não havia muitas oportunidades de o fazer, até porque as donzelas em perigo rareavam e a manutenção do serviço estava cada dia mais cara. Em linguagem de gestão, teria que ser agora. Começaria pela janela, uma abordagem como outra qualquer, mas que estava muito em voga. Chamavam-lhe «janela de oportunidade».

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