10 janeiro 2016

Orientação


Tinha vontade de escrever um livro e nenhum jeito. Em contrapartida, era bom no cálculo. Vaticinava que precisaria de 70% de vontade e de 30% de jeito, num dia bom, e de 30% de vontade e de 70% de jeito, num dia mau, para escrever o dito livro. Como a questão da vontade parecia resolvida, só teria que se preocupar com o jeito. «Com jeito a coisa ajeitava-se», dizia para os seus botões, e começar esse empreendimento, pois de um empreendimento se tratava, assim como a construção de um edifício ou a montagem de uma fábrica. Mas era capaz de não ser fácil, pois via muita gente a construir edifícios e a montar fábricas e poucos a escreverem livros, se calhar porque era mais difícil. Teria que «fazer o caminho das pedras», alguém lhe disse, mas que não foi capaz de lhe apontar o caminho, se era para diante ou para trás, para a esquerda ou para a direita. Provavelmente também não tinha tido sorte com quem não foi capaz de lhe apontar o caminho, pois podia ter calhado com alguém que fosse mais afoito ou treinado na arte da orientação, um militar ou um atleta, talvez, ou uma mãe, que, rezam as crónicas, parece que são boas a orientar as coisas, sobretudo as de casa, das limpezas, dos filhos, dos maridos e das arrumações.

Etiquetas: