10 maio 2015

O dedo


A «mão cheia de dedos» já o impressionava, mas não tanto como «o dedo que adivinha». Era um dos mistérios que o atentava, volta e meia. Agora que pensava nisso, a «volta e meia» era também outro que lhe aparecia e que continuava sem resolução: porquê volta e meia? Não chegava a volta ou a meia? Enfim, coisas a que procuraria dar resposta mais tarde, se calhasse e estivesse para aí virado. E hoje não estava.
Como toda a gente, aprendera a identificar os dedos da mão pela sua designação mais comum: polegar, indicador, médio, anelar e mindinho. Esta era a designação ortodoxa, digamos, embora houvesse outras, provavelmente ligadas a igrejas diferentes. Um exemplo: mata-piolhos, fura-bolos, pai-de-todos, anular e mínimo.
Embora houvesse mais designações para cada um dos dedos da mão, o certo é que o mistério à volta do dedo que adivinha se adensava. Na pesquisa que fizera, que demorara precisamente 0,33 segundos ao Google e que ele não contestava, as referências eram algumas, mas inconclusivas acerca de qual seria o dedo que adivinha. Face a estes resultados, sentia-se tentado a considerar a existência do dedo que adivinha como um mito urbano. Só não levava esta conclusão ao limite porque o dedo que adivinha também se manifestava em si, que era de proveniência rural. Alguma coisa de real existiria, pois.
Já tinha tentado contactar o dedo que adivinha por diversos meios, pois suspeitava que ele pudesse ser um dedo adormecido, tal como os espiões. Esta hipótese era reforçada pela recepção cíclica de uma carta, enviada por um banco, endereçada ao Dedo Que Adivinha, provavelmente com indicações do extracto bancário ou com uma proposta de um investimento seguro e garantido, como eram os de todos os bancos, aliás. Apesar da carta e provavelmente do investimento seguro e garantido, o certo é que, até agora, o dedo que adivinha ainda não tinha dado sinais de vida, apesar de saber que existia, só não se sabia onde. Por isso, o mistério quanto à sua localização persistia.
Teria que tentar uma abordagem diferente, mais ousada, que é o que preconizam as modernas tendências de gestão quando as coisas estão difíceis ou sem solução. Podem também não resultar, é um facto, mas isso não as desacredita, pois costumam ser out of the box.
Do leque de opções out of the box para o contacto com o dedo que adivinha, aquela que lhe parecia mais eficaz era a dos sinais de fumo, proposta que lhe fora feita por um curandeiro índio, de férias no continente, isenta de IVA, e com pagamento faseado. É certo que não tinha considerado outras, por isso iria avançar com aquela, que tinha a vantagem de poder pagar em prestações suaves, tal como nas propostas das instituições financeiras, o que lhe atribuía credibilidade. Seria com sinais de fumo, pois, que iria tentar contactar com o dedo que adivinha. E foi o que fez.
Mas o contacto não chegou a efectuar-se. A infeliz e imprevisível conjugação de factores adversos, como a qualidade do tapete, a natureza da fogueira e a descodificação da gramática dos sinais revelou-se um rotundo fracasso, apesar de ser uma solução out of the box, embora tenha funcionado bem em relação ao aparecimento dos bombeiros, que lhe bateram à porta dez minutos depois de terem recebido um sms, provavelmente enviado pelo dedo que adivinha…

PS.: Este texto não é ficção. Para salvaguardar a privacidade e o anonimato das fontes, utilizaram-se nomes e designações fictícias. A pedido dele e por se encontrar de férias, foi omitida a localização do dedo que adivinha.





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