01 maio 2015

O sentido (do dia)



O dia começou com a surpresa da fuga do sentido. Apercebera-se disso ao acertar o relógio, que perdera o movimento habitual por falta de corda. Contrário à maioria, gostava de relógios aos quais se pudessem dar corda e os digitais não permitiam, daí serem mais. Mas sempre se preocupara com as minorias e isso aproximava-o da maioria, pelo menos nos dias de festa, que é o momento habitual em que a maioria se costuma preocupar com as minorias. Mas no caso dos relógios não era assim. Nem nos dias de festa.
Apesar do que se verificava com os relógios, este era um dia de festa propenso às actividades radicais (característica habitual destes dias), como o atletismo ou a visita a uma grande superfície, esta mais perigosa do que a anterior. Se quiséssemos medir o grau de radicalidade das duas actividades diríamos que o atletismo se situava num nível médio, mais controlado, apesar das camisolas a meio do peito e os gémeos das pernas, e a visita a uma grande superfície (não todas) era já do domínio de cenários de guerrilha urbana ou de guerra pura e dura, mas com evidente prazer dos beligerantes, o que a tornava mais perigosa e assumidamente radical, só para duros!
Encontrava-se num dilema e a luz do semáforo estava quase a abrir-se, sendo a escolha entre a meia-camisola e o saco de compras algo que teria que resolver caso quisesse comemorar o dia de festa de forma radical. Escolha difícil, como já se percebera… E o semáforo acendeu-se de forma intermitente para os do atletismo e saltando para o verde para os da grande superfície…
Recusou uma e outra, pois precisava de encontrar uma actividade mais a seu gosto. Estava indeciso entre o halterofilismo e a pesca em alto mar, qualquer uma delas actividades às quais nunca tinha prestado a mínima atenção, mas a que julgava poder vir a dedicar-se com mais regularidade, logo que tivesse um tempinho e encontrasse o sentido dos ponteiros do relógio, que andava fugido.

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